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O antigo Cinema São Mamede faria 50 anos: "Era maravilhoso, era lindo"

Redação
Sociedade \ domingo, setembro 26, 2021
© Direitos reservados
Gracinda Ferreira deu décadas ao antigo Cinema São Mamede. Passou pelo bengaleiro, pela "máquina das pipocas" e guiou até ao lugar muitos vimaranenses que ali viram o primeiro filme.

No início da década de 70, Clint Eastwood e Richard Burton apareceram no grande ecrã do Cinema São Mamede para gáudio de uma sala cheia. Para Gracinda Ferreira, foi uma sessão especial. Não tanto pelo épico Desafio das Águias naquele dia a ser projetado, mas porque foi a primeira de muitas projeções a que assistiu. A atenção nunca podia ser total: não era uma mera espetadora. É que com pouco mais de 20 anos, começou a trabalhar na casa. “Era maravilhoso, era lindo”, relembra.

“Lindo” vai pontuando as lembranças dos tempos idos. A sala era “linda”, a tribuna era “linda”, os filmes eram “lindos”. Ficou a saudade. “Cindinha” não entrava nesta casa há décadas. Fê-lo na véspera em que o antigo Cinema São Mamede faria 50 anos. Em 24 de Junho de 1971, para funcionar como sala de cinema, o São Mamede ocupa um edifício emblemático no centro da cidade de Guimarães. Nessa altura, Gracinda Ferreira começa o percurso nos bastidores. O cinema foi segunda casa durante quase quatro décadas e garantiu-lhe um epíteto: “Gracinda do Cinema”.

Com 70 anos feitos, optou por pautar com alguma distância a relação com o edifício na Rua Dr. José Sampaio. Conversa com o Jornal de Guimarães em pleno palco de espetáculos: “Eu não entrava nesta casa porque tinha pena do que aconteceu. Não era só pena, tinha revolta por terem fechado a casa. Havia aqui espetáculos a que podia vir, mas nunca vim. Passava [pelo edifício] e arrepiava-me. Não sei como entrei hoje aqui nesta casa”, confessa.

Entrou. E mal afastou a cortina preta que esconde a sala de espetáculos, a primeira exclamação: “Ai, isto está tão diferente!”. Há décadas, entrava no mesmo espaço grávida e com trabalho para fazer: começou por guiar os espetadores aos lugares – inclusive os que se sentavam na tribuna –, passou pelo bengaleiro e acabou na máquina das pipocas. A atenção redobrada ao milho não a deixava seguir com a mesma atenção a trama que se desenrolava no grande ecrã. Embora, “numa ocasião”, estava “tão atenta, mas tão atenta” que não deu para ouvir o patrão chegar. Surpreendida, dá “um grito”. O filme reconstruído pela memória faz parte das “recordações boas” que guarda daquele anfiteatro; há outras, confessa, que prefere esquecer.

A bordo do São Mamede

Os anos passaram e a reputação cresceu. “Ainda agora sou conhecido pela Cindinha do Cinema. Tinha 20 e poucos anos, agora tenho 70. Os que passaram por aqui agora são médicos, reformados”, enquadra. Recorda quando, em jeito de súplica, para ver as estreias mais badaladas, lhe perguntavam por ingressos. Dizia: “Não posso, mas diga que vai a mando da Cindinha que lá se arranja um bilhetinho”. A “malta” lá se amontoava, apeada nos escadarias.

A plateia enchia porque “o povo gostava da casa”. “Mais moderno” do que o Teatro Jordão – que ingressou no mundo da sétima arte em 1938 –, o São Mamede mostrou ao que vinha logo na inauguração. “Foi muito lindo, ainda me lembro que estávamos vestidas como as hospedeiras dos aviões”, evoca.

A bordo deste “avião”, Gracinda sentiu a turbulência que acabaria por ditar o encerramento do espaço. Apareceram os shoppings, as estreias foram escasseando. Resultado? São Mamede e cinema foram-se desencontrando. Um centro de artes e espetáculos desde 2007, alberga “todo o tipo de espetáculos” – concertos, teatro, comédia. Sempre com “a noção do que a casa representa e tudo o que acarreta”, assegura Pedro Oliveira, um dos atuais diretores.

Pedro Lobo, que partilha funções com Pedro Oliveira, ainda se lembra do espaço como sala de cinema e ver “a senhora das pipocas”. “Foi a primeira vez que vim ao cinema”, assinala. Não é caso único: o Cinema São Mamede levou pela mão muitos vimaranenses ao cinema pela primeira vez. Agora com funções distintas, o centro de artes e espetáculos tenta fugir a nova turbulência: desta vez, a pandemia de covid-19. “A cultura está numa fase complicada, e isso veio piorar as coisas”, explica o diretor

 

Texto e imagem: Bruno José Ferreira, Carolina Pereira, Pedro C. Esteves

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