Fundado por uma mulher, AC Gonça é um retrato de bairrismo com 85 anos
Quando rebobina a fita do tempo, João Henrique evoca algumas das “alegrias” que compensaram o “desgaste” de liderar o Atlético Clube de Gonça por 22 anos, entre a década de 80 do século XX e a primeira do século XXI: entre essas “coisas muito bonitas”, recorda a edificação da bancada e a instalação da luz elétrica no Campo Água das Cabras, a primeira subida nos campeonatos da Associação de Futebol de Braga, à então 2.ª Divisão, a 13 de abril de 1991, e um jogo em Terras de Bouro, na época 1995/96, decisivo para a inédita subida ao principal campeonato distrital.
“A população de Gonça foi com jogadores e equipa técnica. Acampámos em Vilarinho das Furnas. Toda a gente levou o merendeiro. No fim, fomos jogar a Terras de Bouro e ganhámos 2-0”, recorda, vincando um plantel composto quase em exclusivo por jogadores da terra. “É um bairrismo muito grande”, reitera o ex-jogador e ex-dirigente do clube, hoje com 60 anos.
Esse bairrismo, porém, antecede a estreia do clube nas provas distritais, a 03 de janeiro de 1982, ou a inauguração, a 16 de outubro de 1976, do seu atual campo de jogos, construído com uma “máquina de lagartas” oriunda do quartel militar de Espinho. João Henrique cresceu com as histórias da fundação do AC Gonça, a 16 de fevereiro de 1938, na “mercearia e tasquinho” de Isaurinha, a mãe de Adozinda Gomes de Matos; é hoje um minimercado no centro da freguesia.
Desafiada por um construtor civil que frequentava o espaço – João Henrique crê que ele trabalhava nas barragens na área de Montalegre -, Adozinda “Ferreira”, assim era conhecida, reuniu jogadores para defrontarem a equipa de trabalhadores da construção e fundou um clube que, nos seus estatutos, definia o branco e o “azul Belenenses” como as suas cores. “Ela tinha uma coisa pela monarquia. Após o 25 de Abril, ela e a família eram do PPM. O azul Belenenses era para identificar o tipo de azul, porque, à época, era um grande clube”, lembra.
Nos torneios e jogos particulares das décadas que se seguiram, os jogadores do Gonça equipavam-se ao lado do mini-mercado, naquele que é hoje o Café Liliana, e recebiam os adversários no Campo de São Domingos, hoje um rinque comunitário e parque infantil. E a população sabia sempre quando o Atlético jogava: assim que viam a bandeira do clube hasteada na casa da fundadora. “Foi uma mulher dinâmica a nível de futebol. Se não fosse ela, não tínhamos um bairrismo como o de hoje”, crê.
O “sonho” de servir quem tem mobilidade reduzida
Ao examinar o presente do AC Gonça, João Henriques pede à atual direção, liderada por Hélder Freitas, que tenha “coragem e força” para não desistir. “Eu sou o segundo presidente com mais tempo, mas gostava de passar para terceiro”, diz. No último ano do mandato, o presidente afirma ao Jornal de Guimarães que a “estabilidade” é o principal objetivo, mas desvenda alguns “sonhos”, depois de inaugurados o relvado sintético e o autocarro em 2021: melhorar os balneários para os 46 jogadores federados, em seniores e juniores, renovar as bancadas e o bar, e ainda proporcionar melhores condições às “pessoas com deficiência” que queiram ver o conjunto da Divisão de Honra.
“Quando fizemos o relvado, já lhes preparámos o acesso sem a ajuda de ninguém, mas falta-nos a parte de os colocar na bancada e a casa de banho”, afirma o presidente de um clube com cerca de 500 sócios pagantes numa freguesia com 954 habitantes.