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A máscara travou-te a língua? A pandemia afetou a fala dos mais novos

Carolina Pereira
Saúde \ sexta-feira, novembro 19, 2021
© Direitos reservados
A pandemia está a mudar as primeiras palavras de algumas crianças. O isolamento e as máscaras tornaram-se um obstáculo para os mais novos aprenderem vocabulário.

A inquietude dos jardins de infância ficou em stand-by quando o país ficou em quarentena. As brincadeiras entre os coleguinhas de turma, as horas de conto, as atividades lúdico-expressivas e, no final do dia, o contacto entre pais e filhos, em que as crianças contavam como havia sido o dia e o que fez de novo, deixaram de acontecer. Essas rotinas foram trocadas pelo isolamento social, que consequentemente desenvolveu mazelas na fala dos mais novos, segundo especialistas.

“Houve um impacto grande, porque as crianças ficaram fechadas em casa. Isto tudo interfere com a socialização e aprendizagem uma vez que, ao usarmos máscara, deixamos de nos ver e não só deixamos de reconhecer expressões faciais, como deixamos de ver como surge a produção dos sons da boca e isto é muito importante desde bebé”, explica a médica fisiatra de reabilitação pediátrica, Helena Reis Costa.

Contrariamente ao que acontecia na escola, em que as educadoras têm o dever de preparar diferentes atividades, todos os dias, para as crianças, a tendência em casa foi a família cair na monotonia. Os meses de quarentena em casa modificaram os hábitos quer pelo circulo mais limitado de pessoas com quem a criança interagia, quer por as àreas de lazer e parques estarem fechados, quer pela indisponibilidade que por vezes o teletrabalho provocava. Os estímulos à evolução dos pequenos reduziram e tudo repercutiu no aumento de tempo dos mais novos em frente a ecrãs.

“Durante o confinamento, as crianças não enriqueceram tanto o vocabulário porque não estão em contexto formal, não houve tantas histórias, como encontram sempre as mesmas pessoas em casa as pessoas muitas vezes falam com eles como quem fala com bebes, a rotina torna-se repetitiva, na pandemia os pais tinham de estar a trabalhar as crianças entretinham-se com dispositivos”, confirma a médica.

A invasão do Youtube no vocabulário infantil

O português do Brasil está a invadir os diálogos das crianças. Dificilmente olhar-se-à para uma criança que esteja com um dispositivo na mão e que esteja entretida com conteúdo que não seja de um dos diversos influenciadores brasileiros, que inundam o YouTube e acumulam dezenas de milhões de seguidores. Isso leva a uma troca de expressões, por vezes pronunciadas com o sotaque diferente do nativo que, pode parecer mais apelativo às crianças.

A verdade é que é um tanto inevitável. Em comparação com o Brasil, Portugal não oferece uma grande panóplia de conteúdo infantil. Afinal, eles são 200 milhões, nós somos dez.

Numa idade em que absorvem tudo, ainda antes da entrada na Primária, as crianças são “pequenos aspiradores de palavras” e proibir não é solução até porque acabarão por ouvir de outros meninos. Para Helena Reis, a pandemia foi positiva para os pais supervisionarem mais o que os filhos vêm. “Os vídeos no YouTube, principalmente português do Brasil, fizeram parte do problema e estão a afetar muito. Cada vez mais crianças assistem. Aliás, tenho um menino que é muito grave porque ele está a aprender português do Brasil e em muitas palavras faz sotaque brasileiro. Uma coisa boa da pandemia foi que os pais também começaram a perceber mais a sério que a educação também depende muito deles”.

 

"Máscaras, acrílicos, tudo foram barreiras e perturbaram a comunicação quer com as crianças, quer com os pais.” Helena Reis, médica fisiatra de reabilitação pediátrica.

 

Mesmo com a reabertura das escolas, as educadoras permaneceram com os novos adereços do dia a dia, a tapar-lhes as feições. Como a médica Helena Reis explica a cima, o facto da criança não ver o movimento da boca, dificulta-lhe a tarefa de leitura e perceção do que o adulto está a dizer.

Maria José, de Guimarães, é mãe de três meninas. Maria, é a mais nova, com apenas três anos. Foi por comparação com as suas outras filhas, de nove e catorze anos,que percebeu que o atraso na fala da pequena poderia ter a ver com a pandemia.

“O meu sobrinho, que é da mesma idade, também falava muito mais. Então falei com a educadora e realmente ela também notava. Algo leve,a ver com Q´s e S´s, que ela troca por outras letras. E está atrasada em todo o vocabulário e construção de frases. Acho que as educadoras estarem a falar com as máscaras dificultou e agora, mesmo na terapia, a terapeuta ainda tem de trabalhar de máscara e torna tudo mais complicado ainda”, partilha a mãe.

Tal como Maria José, de modo geral a parentalidade tem estado mais atenta e ao mínimo sinal consulta o Terapeuta da Fala para perceber se há um problema a identificar. Neste momento, embora não saiba se devido à pandemia, Helena Reis pode afirmar que há um número maior de crianças com perturbações nas listas de espera do Hospital de Guimarães. “Estou convencida de que havendo estudos, podem afirmar que há um maior número de crianças com perturbações, mas o que também pode estar a acontecer é como houve um período sem respostas, agora as listas de espera estão maiores”, refere.

Ler, conversar e brincar para estimular

O problema de uma alteração na linguagem, é que mais tarde, não só oralidade como leitura e escrita acabarão por ficar prejudicadas. Quando existem alterações, como as da Maria, de não distinguir os q, s ou lhes, precisam muito, segundo a médica fisiatra do Hospital de Guimarães, de “intervenção até aos cinco anos para terem consciência dos sons antes de aprender a escrever ou terão maior dificuldade porque vão confundir as letras”.

Mesmo sem o convívio escolar, em casa, as brincadeiras devem estimular a fala, recomenda a especialista Helena Reis. “ Os pais devem conversar muito desde bebé, fazer brincadeiras, livros também desde bebés, que podem ter só imagens. A partir daí, eles começam a criar estímulos, a apontar, a perceber os tamanhos, perceber o que é dia, o que é claro, o que é escuro, noite.. a partir dos dois/três anos, os pais devem contar histórias de livro, pelo menos uma por dia”, destaca.

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