A Primavera dos Unsafe Space Garden, lugar de música cómica e estranha
Os Unsafe Space Garden são o que são porque se multiplicam em “vozes diferentes”, até no curso de uma só canção, dando vida às “diferentes partes de qualquer ser humano”, constata Alexandra Saldanha.
Assim talvez se explique a coesão de um trabalho que reúne a pop com guitarra acústica de “Fights are funny”, faixa de abertura do primeiro EP, Bubble Burst (2019), o psicadelismo de “Trip to the nonsensical tsunami”, em Guilty Measures (2020), o rock progressivo de “Split-screen vision” e o piscar de olho à eletrónica, com “Foreigner”, ambas em Bro, you got something in your eye, o mais recente trabalho (2021). Na deambulação entre os vários registos sonoros, a transfiguração das vozes de Nuno Duarte, ora grave, ora aguda, e de Alexandra Saldanha, ora solene, ora cómica, permanece.
Graças a “essas 50 vozes”, completa Alexandra, os Unsafe evoluem das meras canções para “uma comédia cantada”, que encarna uma “espécie de teatro surrealista”. Caberá a esta proposta artística, precisamente intitulada Banda Filarmónica Surrealista no Instagram, levar pela primeira vez o som de Guimarães ao Primavera Sound, no Parque da Cidade do Porto. “Quando soubemos, ficámos contentes. É um palco maior do que todos aqueles que já pisámos”, admite Nuno Duarte, à partida para um ano que também inclui o concerto no Courage Club, na cidade-berço, a 18 de fevereiro.
Incluído num cartaz que apresenta Kendrick Lamar, Rosalía, The Mars Volta ou Blur, o sexteto vimaranense atua no último dia, 10 de junho, prometendo um “concerto fora do normal, estranho e interativo” diante de um eventual recorde de espetadores. É algo “empolgante”, admite Alexandra, mas o compromisso em palco será o mesmo de quando toca perante 10 pessoas. “A nossa proposta é fazer as pessoas sentirem que nunca tiveram uma experiência assim, sentirem que a vida pode ser outra coisa”, reitera.
“As pessoas estão a morrer a rir, a berrar, a conversar connosco”
O “cómico” e o “estranho” estão longe de florescer em Unsafe Space Garden por causa de um planeamento deliberado; sem qualquer formação musical de raiz, Nuno Duarte começou a escrever músicas e apercebeu-se de que havia nelas “uma luz” que as poderia levar mais além. “Não pensámos em fazer um projeto surrealista ou caótico, com etiquetas. As músicas tinham utilização estranha de vozes e personagens que pareciam fazer sentido e ter um quê de honestidade. Havia ali qualquer coisa””, recorda.
A entrada em cena dos restantes elementos deu vida àqueles esboços, nomeadamente a de Alexandra Saldanha, com quem forma o “epicentro” da banda, reitera. Desde então, os Unsafe Space Garden lançaram três trabalhos imbuídos dessa energia multidimensional – e vão lançar um quarto no início de 2023 -, mas a plenitude da sua expressão enquanto artistas requer palco.
A banda tem criado uma ligação “fora do normal” a um público disposto a interações em teoria surpreendentes. “Nos nossos concertos, há pessoas a morrer a rir, a berrar, a conversar connosco durante as músicas e entre as músicas. Às vezes, ficamos sem saber lidar com tanta gente a querer vir falar connosco, do que cada música lhes faz sentir”, descreve.
Para Alexandra, ainda é difícil “saber conversar” com o público no fim de cada concerto, quando “a adrenalina está a voltar ao normal”, mas só o facto de poder estabelecer essa relação é algo que a anima numa era em que “tudo parece ligeiramente mais assombroso”. “O nosso concerto oferece muita euforia e uma forma de olhar para o mundo mais alegre e otimista”, acena.