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“Assumir a Oficina não chegava. Tinha de ser no tempo mais difícil”

Tiago Mendes Dias
Cultura \ domingo, abril 04, 2021
© Direitos reservados
Fátima Alçada assumiu a direção artística já no decurso da pandemia, num tempo de fazer e desfazer programas. Mesmo condicionada, a cooperativa tem alimentado a ligação com o território.

Esteve na coordenação do festival Imaginarius, em Santa Maria da Feira, foi programadora em Estarreja e na sua Ovar natal e regressou a Guimarães em 2019 para assumir a educação e a mediação cultural da Oficina. Um ano depois, Fátima Alçada tornou-se diretora artística, tendo de lidar com uma pandemia para o “desafio ser pleno”. Convicta de que Guimarães é exemplo no apoio às artes, a responsável diz que a ligação com o tecido cultural em redor, através de mecanismos como o Plano de Apoio à Criação Territorial (PACT), continua forte. Esta era atípica também deve servir para as instituições culturais se repensarem, afirma.

 

A Fátima Alçada assumiu a direção artística da Oficina em plena pandemia, no mês de junho. Quão diferente tem sido desempenhar esse cargo face aos anteriores trabalhos de direção artística, como em Santa Maria da Feira ou Estarreja?

Tem sido mais exigente e bastante diferente. Desde que assumi esta função em junho, os desafios são permanentes e exigentes, mas menos estimulantes do ponto de vista programático. Estamos constantemente a fazer e a refazer, a fazer e a refazer. Do ponto de vista anímico, é desgastante. E é toda uma exigência nova e maior. Para além de ser responsável artística pelo contexto global da Oficina, também tenho uma relação direta com todas as equipas e tenho a noção de que manter as equipas com otimismo para fazer face a todas as adversidades requer um esforço muito grande. Não é um tempo fácil. Às vezes, até comento com amigos: assumir a direção artística da Oficina não chegava. Tinha de ser a direção artística da Oficina no tempo mais difícil que estamos a passar, para o desafio ser pleno. Por outro lado, há um trabalho exigente com cada equipa e a direção executiva. Há um trabalho coletivo que nos permite olhar para a frente e conseguirmos concretizar aquilo a que nos propomos. Por outro lado, isto também nos trouxe um outro tipo de união entre as diferentes equipas. Mais do que nunca, temos de estar juntos. Isso é um dos lados positivos de todo este contexto. Somos obrigados, no bom sentido da palavra, trabalhar os desafios unidos e juntos.

 

Este tem sido um período igualmente difícil para os artistas, muitos deles sem a cadência de trabalho prévia. No caso vimaranense, lançaram-se programas como o Desconfinar e criou-se uma nova marca para o regulamento de apoio à criação cultural, o IMPACTA. Essas medidas permitiram aos artistas que criam em Guimarães uma maior segurança face que se vê no país ou também por aqui os episódios de dificuldade são comuns?

Há episódios de dificuldade em todo o país, por mais medidas que nós tomemos. O que estamos a viver é avassalador. Mas é fundamental que se diga que o exemplo de Guimarães, único no país, é extraordinário. Não tenho conhecimento de outro município com resoluções tão ativas e preocupadas com o tecido artístico. Houve um investimento enorme do município em permanente colaboração com a Oficina. Os espaços estão fechados ao público, mas têm sido permanentemente usados pelos artistas, até para a gravação de vídeos e de ensaios. Apesar de tudo, isto é muito bom e raro. Temos a noção de que, no resto do país, o cenário é bem mais negro.

 

A relação da Oficina com o território vimaranense tem-se mantido viva? Está a par do que as escolas têm feito a nível cultural e também da atividade dos grupos de teatro amador, por exemplo?

Neste último ano, temos trabalhado de forma muito próxima com os diferentes grupos. Por um lado, temos um projeto enorme, o Mais Três: temos 80 professores colocados em todos os agrupamentos do município a trabalhar com as crianças as artes performativas. Este programa manteve-se integralmente, mesmo neste período em que estiveram em casa. Os nossos professores trabalharam diariamente com as crianças as áreas artísticas, sempre numa enorme proximidade. O programa ainda foi fortalecido em algumas áreas; as crianças têm acesso a espetáculos online. Em relação ao Teatro Oficina, temos estado a trabalhar com os diferentes grupos na área de formação. Também de forma digital, os formadores do Teatro Oficina têm trabalhado em permanência com os grupos para que nada disto caia. Em relação à Universidade do Minho, temos tido um diálogo bastante intenso, nomeadamente com a licenciatura em Teatro. Isso passa por uma relação mais próxima entre a Oficina e os alunos, para que possam vir aos nossos ensaios, acompanhar as residências artísticas e trabalhar com os artistas. Temos adiado estas ações, mas o trabalho prévio tem acontecido de forma muito consistente. Apesar de estarmos cada um na sua casa, estes vínculos ao território nunca foram descurados. São novas formas de abordagem, com a distância física que não gostaríamos de ter.

 

Quando é que estas iniciativas podem voltar ao terreno?

A nossa esperança é que, em maio, as atividades interrompidas, mas planeadas, possam efetivar-se na plenitude. Os artistas integrados no PACT vão apresentar os trabalhos publicamente no primeiro fim de semana de julho. Os alunos do Teatro Oficina também vão apresentar o seu trabalho presencialmente em maio. Estes trabalhos vão decorrer com a maior normalidade e a presença de todos, esperamos.

 

“As instituições culturais têm a obrigação de se repensar em tempos de enormes mudanças. Estamos à beira de uma alteração de paradigma”

 

Na edição de janeiro da revista da Oficina, li Angel Calvo Ulloa, curador galego, dizer que a arte não precisa de uma nova estética, mas de novas instituições. Isto passa por reconfigurar a forma como a arte se apresenta à sociedade e vive com ela? É mais uma reivindicação política? É algo que está no horizonte da Oficina? Que podemos esperar desta cooperativa cultural após ultrapassada esta pandemia?

As instituições culturais, assim como muitas outras instituições de outras áreas da sociedade têm de se reconfigurar de alguma forma no futuro. Não sei exatamente o que o Angel Calvo queria dizer com isso, mas adivinho-o de alguma forma. Mais do que novas estéticas, precisamos de pensar como queremos as nossas instituições, como se apresentam, como se relacionam com os colaboradores mais próximos, com os artistas e com a sociedade em geral. Não sei se precisamos de novas instituições, mas precisamos de pensar a forma como trabalhamos. Esta afirmação do Angel Calvo faz-me lembrar uma outra que perguntava se poderemos ter instituições culturais que põem em prática políticas alternativas em vez de apresentarem programações acerca de políticas alternativas. Isto é uma pergunta que me fez pensar muito quando a li pela primeira vez. As instituições culturais têm tido um papel fundamental numa linha da frente de questionar as evoluções por quais a sociedade está a passar. Costuma-se dizer que a cultura e a política andam de mãos dadas. A cultura questiona e deve colocar o dedo na ferida sobre o momento que estamos a viver, até pelo momento que estamos a viver, desde a questão dos extremismos políticos, à forma como nos relacionamos com a diferença e com o que não compreendemos. A cultura também questiona bastante a tendência para uniformizar o pensamento. E se a cultura questiona, as instituições culturais também podem questionar. É um pouco “olha para o que eu digo e para o que eu faço”, em vez de ser “olha para o que eu digo, mas não olhes para o que eu faço”. Temos a obrigação, enquanto instituições culturais, de repensar a forma como nos posicionamos no contexto social, seja com os colaboradores, nas condições de trabalho, de igualdade de acesso por questões de género ou questões raciais. As instituições culturais têm a obrigação de se repensar em tempos de enormes mudanças. Estamos à beira de uma alteração de paradigma. Não sei se precisamos de novas instituições, mas precisamos de pensar nas que temos e avançar com alterações sem medos. 

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