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Autárquicas: “Julgava os vimaranenses mais clubistas quanto ao partido”

Redação
Sociedade \ segunda-feira, novembro 17, 2025
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Não considero que haja uma “rejeição do PS”: não acontece uma cidade governada pelo PS há 36 anos de repente rejeitar liminarmente o partido. Houve, sim, uma preferência pelo PSD.

Entre a análise política e a memória afetiva, Henrique Pinto de Mesquita, 28 anos, fala de Guimarães com o olhar de quem partiu sem nunca deixar de pertencer. Comentador político, ex-jornalista e editor na Porto Editora, o vimaranense é uma das vozes mais jovens e lúcidas da nova geração de analistas portugueses. Colabora regularmente com órgãos de comunicação como a RTP e a Comunidade Cultura e Arte. Em entrevista exclusiva a O Conquistador, entre o passado e o presente, fala sobre a mudança política em Guimarães, o desafio de fixar jovens na cidade e a autenticidade das Festas Nicolinas — temas onde o pensamento se entrelaça com a emoção e a memória se transforma em análise.

 

ENTREVISTA: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

De longe, como olhas hoje para Guimarães — o que vês, o que sentes e o que ainda te surpreende? A cidade continua a distinguir-se no panorama nacional ou começa a perder a sua afirmação distintiva?

Olho para Guimarães como o pano de fundo de uma adolescência ganha, onde fiz os meus amigos mais amigos e mais leais, onde armei as primeiras macacadas, onde comecei a fazer-me homem. É uma ligação eminentemente emotiva. Durante a adolescência comecei a sentir algum sufoco – e isso reaparece quando aí passo uma temporada. Ao mesmo tempo, hoje valorizo mais uma certa fibra vimaranense, de genuinidade, de tu-cá-tu-lá: uma dureza no tratamento que no fundo é uma espécie de carinho afiado. Rejeitando qualquer tipo de autoridade ou cosmopolitismos baratos por ver a cidade “de longe”, Guimarães continua a distinguir-se por duas razões: futebol e cultura. Sobre o futebol, ouve-se sobre a paixão visceral dos seus adeptos ao Vitória, usada como exemplo do amor que as terras devem ter pelos seus clubes. Quanto à cultura, destaca-se a boa oferta, desde o Guimarães Jazz aos espetáculos em salas como o CCVF ou o CAAA. Guimarães continua forte na cena cultural – pena é os vimaranenses não aproveitarem.

 

Depois de 36 anos de governação socialista na Câmara de Guimarães, o resultado desta eleição marca uma viragem profunda. Qual a tua interpretação deste “terramoto local”?

Discordo das premissas da pergunta. Não é uma “viragem profunda” ou um “terramoto local”. Sê-lo-ia se a Câmara fosse para as mãos do PCP ou do Chega, algo que simpaticamente não aconteceu. Embora vejamos uma “direitização” do PSD no plano nacional, não devemos traduzi-la para o plano municipal. A nível autárquico, as diferenças entre PS e PSD são sobretudo cosméticas: mudam as siglas, os símbolos e as cores, mas as políticas mais relevantes não mudarão porque isso define-se em Lisboa. Guimarães é uma cidade limpa, bem cuidada e com queda para a boa cultura – seria muito mau se o novo incumbente retrocedesse nessas matérias.

 

Que sinais identificaste na campanha ou no eleitorado que explicam esta mudança de ciclo — falha de liderança, fadiga de projeto, perda de dinâmica concelhia ou outro elemento?

Juntaram-se os bons ventos ao bom timing. Por um lado, os ventos que sopram no Ocidente são de direita: está na moda sê-lo, não sendo Portugal exceção. Não considerando o PSD Guimarães necessariamente de direita, simboliza-a – ou, melhor, simboliza a alternativa à esquerda. Por outro lado, este era obrigatoriamente o último mandato de Domingos Bragança, pelo que admito ter-se instalado nos vimaranenses o espírito de “já que é para mudar, vamos mudar mesmo”. Este cocktail conjuntural foi perfeito para a vitória de Ricardo Araújo, que teve também mérito pela forma enérgica como fez a sua campanha.

 

Ouviu-se muito a ideia de “mudança necessária”. Tratou-se de uma clara rejeição do PS ou de uma procura de alternativa credível? Achas que a oposição apresentou essa alternativa ou simplesmente aproveitou o cansaço?

Não considero que haja uma “rejeição do PS”: não acontece uma cidade governada pelo PS há 36 anos de repente rejeitar liminarmente o partido em que votou durante tanto tempo. Houve, sim, uma preferência pelo PSD – que aproveitou o dito cansaço e ocupou o espaço da alternativa. Surpreendeu-me a volatilidade dos eleitores: não esperava que isto acontecesse. Julgava os vimaranenses mais clubistas quanto ao partido. Ainda bem que não o são.

A mudança de cultura política digital teve impacto nesta eleição — as campanhas locais souberam explorá-la ou ficaram aquém?

Depende das campanhas. No plano nacional, Isaltino Morais fez isso – faz isso – como ninguém. É impressionante como um presidente de Câmara consegue ter tanta presença física e ao mesmo tempo digital. Os populismos combatem-se com exemplos como o de Isaltino, que tanto conhece os cantos das ruas como o funcionamento das redes sociais. Ter esse sucesso popular e conseguir passá-lo para o digital com tanta eficácia é obra. João Maria Jonet – candidato a Cascais a cuja comissão de honra pertenci – também fez uma boa campanha digital.

 

Que prioridades imediatas te parecem cruciais para Guimarães nos próximos quatro anos, por exemplo, ao nível do urbanismo, habitação, mobilidade, juventude, cultura, identidade comunitária?

Guimarães é uma cidade apetitosa para se criar filhos, mas é má para se começar a vida adulta: faltam oportunidades, interesses, ar fresco. A cidade é envelhecida. Talvez isto me interesse porque me diz respeito, mas, se fosse presidente de Câmara, a minha principal prioridade seria fixar jovens adultos no concelho. Fá-lo-ia promovendo uma enorme campanha de habitação – tão grande, tão funcional, tão útil que distinguiria a cidade das outras. Da mesma forma que Frankfurt é conhecida pelas feiras mundiais e Piódão pelas casas de xisto, Guimarães passaria a ser conhecida por ser a terra de D. Afonso Henriques e da habitação acessível. Criaria um plano de tal forma competente que atrairia jovens de outras cidades para virem viver para cá, robustecendo a economia e tecido social. Se isso funcionasse e se o concelho se tornasse num sítio pop para viver, rapidamente começaria a muscular-se uma agitação cultural – que, embora já exista, não é suficientemente vimaranense: sinto que quem consome a cultura que se produz em Guimarães vem de outras cidades.

 

Que aspetos da identidade vimaranense te parecem hoje mais desafiados por esta nova era política?

O bairrismo vimaranense terá dificuldades em lidar com a inevitável “diferença humana” que chegará à cidade (como chega ao resto da Europa). Refiro-me a todo o tipo de pessoas, desde estudantes Erasmus a imigrantes do Indostão. Esse tipo de resistência ao “outro” existe em qualquer parte do mundo, mas é naturalmente mais vincada em cidades homogéneas do ponto visto étnico e cultural, como é o caso de Guimarães. Conhecendo o bom-coração dos vimaranenses, é uma questão de tempo até passarem a convidá-los para as suas casas ou a frequentarem os seus restaurantes.

 

A tua ligação a Guimarães incluiu envolvimento cívico e integraste uma Comissão de Festas Nicolinas. “Deixou de se falar em Unesco e Festas Nicolinas. Era isto que se pretendia?”, como questiona Lino Moreira da Silva?

Nunca se o “pretendeu”. Não foi pensado. É orgânico: e acontece porque o coração, os braços, e alma das Nicolinas – a sua comissão, entenda-se – não se preocupa se as festas são ou não património da UNESCO. Se a força motriz das festas não está para aí virada, é normal que o assunto se desvaneça. Quando os nicolinos se juntam, não falam da UNESCO, falam das suas memórias comuns – um património imensuravelmente maior.

 

Se as Nicolinas vierem a ser reconhecidas internacionalmente, não corremos o risco de perder parte da sua autenticidade? Poderá essa consagração implicar uma gestão mais formal — quase municipal — em nome da preservação oficial?

Se esse reconhecimento internacional implicar a tal gestão mais formal de que falam, não perderíamos parte da autenticidade, perderíamos toda. As Nicolinas são tão especiais porque são anárquicas, brutas, radicais, violentas, rebeldes, sujas, infantis, boémias, emocionais, selvagens. Conseguem imaginar um tigre na manicure? Isso seriam as Nicolinas institucionalizadas. Passar a gestão (nem falo da realização) das festas para alguma entidade que não a Comissão de Festas seria espetar e torcer uma faca no coração das Nicolinas. A preservação das festas estará assegurada enquanto estiver a sua essência, que é serem organizadas anualmente por um grupo de jovens irresponsáveis que todos gostaríamos de voltar a ser.

O teu trajeto profissional abraçou áreas diversas. Que momentos ou escolhas consideras mais determinantes?

Tive a sorte de os meus pais sempre me terem dado a liberdade de ser e estudar o que quisesse. O momento em que passaram para mim esse espírito de liberdade – algo que tanto vem de uma certa educação como de privilégio financeiro – tornou-se no mais determinante da minha vida. Nunca fiz escolhas premeditadas: sou radicalmente instintivo e escolhi sempre o que gostava. Sabia que me aborreceria se não gostasse do que estivesse a fazer (como aconteceu durante o meu percurso escolar até chegar à Universidade). Para responder à pergunta, as escolhas mais determinantes da minha vida foram aquelas em que segui o meu instinto de liberdade, rejeitando o conforto: ir para jornalismo, morder os pés a políticos poderosos, ficar de fora de partidos ou governos. Procurar manter-me sempre, sempre, fundamentalmente livre no pensamento e nas ações.

 

És uma pessoa de fé?

Sim, na medida em que a tenho e que acredito em Deus, e na medida em que acredito que os problemas se resolvem sempre até aparecerem novos – que também se resolvem.

 

Existe alguma figura da Igreja Católica que mais te tenha marcado e tenha influenciado o teu quotidiano?

Sim, desde logo Jesus Cristo: o que mais me define, também politicamente, é o humanismo cristão. Essa é a matéria bruta do que sou, vejo e penso – modernamente consagrada na doutrina Rerum Novarum do Papa Leão XIII. Não é preciso ter fé para que Cristo nos “influencie o quotidiano”, uma vez que grande parte da Europa é fundada nos seus ensinamentos, muitos convertidos em lei. Outras figuras da Igreja Católica, como Santo Agostinho ou T.S. Eliot, também me influenciaram: o primeiro, mais ensaísta, pela poesia sobre a morte; o segundo, mais poeta, pelos ensaios sobre cristianismo. Ainda, Papa Francisco – “a natureza, a poesia e o sofrimento sentirão falta do seu campeão”, nas palavras de uma poetisa americana – e, no plano português, Dom Rui Valério, patriarca de Lisboa.

 

 

"5 respostas rápidas"
  1. Sugestão gastronómica?

A francesinha da Cervejaria Martins, em Guimarães.

  1. Que livro está a ler?

Temos de falar sobre Putin, de Mark Galeotti

  1. A música que não lhe sai da cabeça?

I’ll Try Anything Once, dos The Strokes

  1. Um filme de referência?

Sheltering Sky, de Bernardo Bertolucci

  1. Passatempo preferido?

Escrever.

 

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de outubro de 2025 do Jornal O Conquistador.]

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