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Courage Club: música ligada à corrente envolta na sobriedade dos Interpol

Tiago Mendes Dias
Cultura \ segunda-feira, fevereiro 20, 2023
© Direitos reservados
Em hora e meia, a banda de Nova Iorque agarrou o público com as texturas de voz e de guitarra que a define há 20 anos. Antes e depois, o festival foi um jogo de palavras e de energia que encheu salas.

Assim que soaram as primeiras notas de baixo de “Evil”, a multidão levantou-se num clamor; estava ali o impulso para o coro que acompanharia Paul Banks a entoar: “Rosemary/Heaven restores you in life/You're coming with me/Through the aging, the fearing, the strife”. Quantas memórias estariam incorporadas naquela expressão coletiva que eletrizou um Centro de Artes e Espetáculos São Mamede apinhado; entre aqueles que vibravam de pé e os que contemplavam o palco sentados, do 1.º e do 2.º Balcão, viam-se espetadores acima dos 40 anos, possivelmente fãs dos Interpol desde o seu álbum de estreia, Turn on the bright lights (2002), e rostos ainda na casa dos 20, cuja ligação à banda nova-iorquina é mais recente.

Essa corrente gerada entre as 1.200 pessoas que ali se reuniram este sábado à noite, para o concerto mais sonante do Courage Club 2023, deu-se à segunda canção. A abertura deu-se com “Toni”, do mais recente álbum, The other side of make-believe (2022), e mereceu do público um olhar mais contemplativo perante uma banda que se mantém fiel à estética que a projetou: texturas ao mesmo tempo reluzentes e arranhadas, a brotarem da guitarra de Daniel Kessler, voz inconfundível de Paul Banks e refrões cuja energia dá uma outra dimensão à música que os antecede.

A postura sóbria da banda embrulha essa expressão rock, congeminada na Nova Iorque do início do século XXI: os cinco performers chegaram ao palco nos seus fatos negros e deram ao público hora e meia de música sem parar, a não ser para uns breves “obrigados”. Esse tempo – de celebração para praticamente todos os presentes – foi uma viagem pelos sete álbuns de originais dos Interpol, com ênfase no mais recente e no segundo, Antics (2004); a banda moveu-se pela sua discografia como um vaivém, apresentando “Obstacle 1”, do trabalho de estreia, no meio das novas “Into the night” e “Passenger”. Os Interpol agarraram uma multidão que se acotovelava para erguer os telemóveis e captar instantes da performance mantendo-se agarrados à essência que os tem conduzido por 20 anos.

 

Dino d'Santiago no CAE São Mamede © Pedro C. Esteves

Dino d'Santiago no CAE São Mamede © Pedro C. Esteves

 

Apelos à comunhão entre humanos: de Cabo Verde a Guimarães, via Setúbal

O Courage Club nasceu em Paredes de Coura a dezembro de 2021, com versão de inverno de um dos mais reconhecidos festivais de verão portugueses, e mudou-se para Guimarães na segunda edição. Ainda houve vida para lá dos Interpol: precisamente na divisória entre o sábado e o domingo, a partir das 00h00, os Glockenwise subiram ao palco do Teatro Jordão para apresentarem pela primeira vez ao vivo o novo álbum, “Gótico português”, enquanto o Grande Auditório Francisca Abreu, no Centro Cultural Vila Flor, acolhia David Bruno, autor que se inspira nas peripécias várias do quotidiano português – da sua natal Vila Nova de Gaia, especialmente.

No domingo, o São Mamede acolheu um debate sobre a importância dos festivais como veículos de promoção dos territórios e ainda os concertos de Ledher Blue e de Capitão Fausto, gratuitos, mas o outro pico de energia daquela que foi a principal casa do Courage Club deu-se na sexta-feira à noite; a repentina projeção de luz sobre a figura de Dino d’Santiago, vestido de branco com a mensagem “Não é sonho nenhum”, lançou uma hora de música que fez o público abanar a anca sem cessar.

A energia de Dino parecia inesgotável enquanto conduzia a multidão num roteiro por Cabo Verde, distribuído pelos seus três álbuns - Mundu Nôbu (2018), Kriola (2020) e Badiu (2021) - e entrelaçado em mensagens de apontar o dedo às desigualdades ou apelos mais íntimos à harmonia entre humanos; o seu corpo foi ritmo permanente enquanto a sua voz permanecia numa afinação notável. Esse fulgor culminou na performance no meio do público a terminar o concerto, o decisivo momento de comunhão numa hora que já os tivera, aquando dos êxitos “Nova Lisboa” e “Como seria?”.

O sábado abriu com prata da casa: a energia e a teatralidade dos vimaranenses Unsafe Space Garden talvez pedisse mais do que centenas de espetadores sentados a aplaudirem o que viam, canção após canção. O contraste entre as vozes quase infantis de Nuno Duarte – propositadamente grave – e de Alexandra Saldanha – extremamente aguda – foram a alma de um concerto em que os restantes músicos também iam além dos seus instrumentos; a banda alternava crescendos de intensidade até a picos ensurdecedores com fases etéreas às quais bastava um som ambiente ou teclas para guiar as duas vozes. A mensagem principal? Todos partilhamos o mesmo oxigénio.

A exuberância dos Unsafe deu lugar à simplicidade da música de A Garota Não, com os seus notáveis jogos de palavras e de ritmos. Sempre em registos suaves, a guitarra, o baixo e a bateria eram o chão para as difíceis histórias de vida ali contadas; de mulheres, principalmente. A conhecida “Que mulher é essa?” inspira-se em duas das amigas de Cátia Mazari Oliveira – o nome próprio da artista – e “A morte não sabe contar” na sua mãe. Nota ainda para o impacto emocional de “Prédio mais alto” e para a crítica social, com “422” – vem de 422 milhões de euros, o lucro da Galp no primeiro semestre de 2022.

 

A Garota Não no Teatro Jordão © Pedro C. Esteves

A Garota Não no Teatro Jordão © Pedro C. Esteves

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