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Casa Carlos deixa a “deserta” rua de Santo António e fica “mais à vontade”

Tiago Mendes Dias
Economia \ terça-feira, junho 01, 2021
© Direitos reservados
Aos 70 anos, retrosaria mudou de espaço e funcionárias dizem até que o anterior senhorio lhes fez um “favor” ao decidir aumentar a renda. Falta movimento à rua de Santo António, diz ACTG.

Nesta terça-feira de manhã, o edifício envidraçado da esquina entre a rua de Santo António e a rua Valdonas nada tinha para mostrar a não ser umas persianas negras que impediam a visibilidade para o interior. Fundada em 1951, um pouco mais acima, junto ao largo Navarros de Andrade, a Casa Carlos esteve décadas naquele espaço até receber o último cliente ali no domingo.

Mas isso não significou o fim; a retrosaria iniciou uma nova era nesta terça-feira. Na travessa dos Bimbais, junto à rua Gil Vicente e ao centro comercial Palmeiras, a não mais de 100 metros da antiga casa, vê-se agora um reclamo luminoso a anunciar a Casa Carlos. No interior, quatro clientes observavam os tecidos, os botões e a roupa interior nas estantes, enquanto uma outra aguardava à sua vez à porta, para não incumprir as regras sanitárias.

“Foi fácil de encontrar. Isto está mais bonito. Sempre que preciso de alguma coisa venho aqui”, diz Lígia Jardim, madeirense de nascença que há cerca de dez anos se radicou em Guimarães, onde tem a filha e o genro. Enquanto acerta as contas com Lígia ao balcão, uma das funcionárias da loja, Patrícia Teixeira, afirma que o novo sítio “não é obstáculo”, já que a Casa Carlos tem clientes fixos que “precisam da retrosaria”.

A mudança deveu-se ao aumento da renda proposto pelo anterior senhorio. “O senhorio quis aumentar a renda mensal de 950 para 1.350 euros”, revela Joana Pereira, também ao balcão. Esse valor, explica, era “renovado automaticamente todos os anos a partir de outubro”, mas, em 2021, o senhorio disse que a renovação teria de ser feita com “um aumento de 400 euros”, algo que precipitou o fim da retrosaria na rua de Santo António. “Não aceitámos continuar ali por causa do nosso tipo de negócio. Qualquer outro negócio na cidade não comporta a renda que os senhorios querem neste momento, muito menos um como o nosso, de retalho pequenino”, prosseguiu.

Mas Patrícia Teixeira vê a alteração sem dramatismos. “Foi um favor que o senhorio nos fez. Aqui estamos mais à vontade”, reitera, esclarecendo que ainda “não há acordo” quanto ao valor mensal a pagar no espaço junto ao Palmeiras.

Para Conceição Ribeiro, frequentadora da Casa Carlos desde que se conhece, quando a loja era ainda gerida pelos três irmãos que fundaram o estabelecimento, a mudança até lhe é conveniente. “Para mim, até é mais fácil, porque passo sempre aqui”, esclarece a cliente, de 75 anos, agradada com a nova imagem da retrosaria. “Eles precisam de se adaptar e de ver como fica e como não fica, mas acho que está bem. Pelo menos vemos mais as coisas”.

 

Santo António: rua afetada pela lei das rendas e pela falta de serviços

O movimento pelos largos passeios da rua de Santo António era escasso pela manhã desta terça-feira; o cenário é recorrente, apesar das lojas serem várias, lamenta a presidente da Associação do Comércio Tradicional de Guimarães (ACTG) e responsável pela Casa Faria, estabelecimento que ali trabalha desde 1961. “Nunca passa muita gente. A rua de Santo António está deserta. Já foi uma boa rua de comércio, mas hoje em dia não é. Estou aqui há 36 anos e ela não é sequer o que era há dez”, afirma Cristina Faria ao Jornal de Guimarães.

Confrontada com a saída da Casa Carlos, face ao aumento de renda proposto pelo senhorio, a dirigente disse compreender as posições das duas partes e alegou que não há mais nenhuma loja em risco de ter de abandonar o seu espaço por causa das rendas. Essa questão é, contudo, um problema para quem ali trabalha: a insegurança entre os comerciantes é permanente devido à Lei Cristas, que, a partir de 2012, tem liberalizado o mercado de arrendamento e acelerado processos de despejo. “Veio prejudicar os comerciantes e deixá-los de pé atrás. A lei não dá garantias de futuro”, salienta.

Mas o problema ultrapassa o quadro legal, já que os comerciantes daquela artéria contígua ao centro histórico têm de lidar com rendas de “mil euros para cima”, quando as vendas não estão à altura; um dos motivos que aponta para a falta de negócio é a “deslocalização de serviços” daquela rua, como a sede dos correios, bancos, escritórios de advogados, de médicos e de dentistas.

Devido à falta de serviços e à questão da habitação, que, por norma, crê ser “caríssima”, Cristina Faria vê o “centro da cidade cada vez mais desertificado”, sem atratividade para o resto do concelho. ”As pessoas não têm motivos para vir à cidade de Guimarães. Fazem tudo aquilo de que necessitam nas periferias e não há nada que traga as pessoas do concelho”, afirmou, lamentando o afastamento da feira e do mercado municipal dos espaços públicos mais centrais.

Crítica do facto do Guimarães Shopping estar instalado em plena cidade, com condições mais favoráveis que retiram os clientes da rua, e também do facto de o turismo e a restauração estarem, a seu ver, concentrados na Praça de Santiago e no Largo da Oliveira, a presidente da ACTG defende que a Câmara Municipal precisa de agir para inverter a tendência do comércio de rua, indexando, por exemplo, o IMI ao “valor das rendas ou do lucro” de cada espaço.

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