CCVF é o Palco Principal onde os SillySeason procuram “resgatar narrativas”
São sete os intérpretes que vão subir ao palco do Grande Auditório Francisca Abreu, no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), para apresentarem pela primeira vez Palco Principal, a mais recente criação artística da companhia SillySeason. Caberá à personagem de Dalila Carmo, atriz com extenso percurso na televisão, no cinema – Vale Abraão, de Manoel de Oliveira (1993), ou A Comédia de Deus, de João César Monteiro (1995) – e no teatro, lançar a primeira pergunta: “O que é que se vai fazer hoje aqui?“. As outras personagens respondem simplesmente: “Vamos resgatar narrativas”.
Essa é a tentativa de uma peça em estreia absoluta, que sobe ao palco a partir das 21h30 de sábado como último capítulo das comemorações do 18.º aniversário do CCVF. Mais do que encontrar soluções ou conclusões, a obra quer “colocar perguntas em cima do espaço cénico”, tendo como ponto de partida um dos clássicos do teatro, A Gaivota, pela primeira vez interpretada em 1896, em São Petersburgo.
“Os temas de que A Gaivota trata são intemporais, mas apercebemo-nos de que os temas são falados pelas mesmas pessoas ou por pessoas muito idênticas. Quando é que outras pessoas com outros modos de vida, com outras narrativas e características, mas invisíveis na história, poderão ter lugares para falar”, realça Ivo Saraiva e Silva, um dos membros da SillySeason, a par de Ricardo Teixeira e Cátia Tomé, também intérpretes de Palco Principal.
Esses temas intemporais são o drama familiar e a reflexão sobre o próprio teatro, com as novas formas que A Gaivota lançou – discurso implícito das personagens, por exemplo. Mas o olhar dos SillySeason, companhia que regressa a Guimarães depois de ter apresentado Fora de Campo nos Festivais Gil Vicente de 2021 - é o contemporâneo. Tenta ser assim nas linguagens – uma amálgama de música, dança, áudio e vídeo, com o texto talvez “mais preponderante na hierarquia” – e na seleção dos intérpretes, vinca Ivo Saraiva e Silva.
Dalila Carmo, por exemplo, é “uma apaixonada por Tchekhov”, e deu à companhia “muito estofo para transformar “a linguagem tchekhoviana clássica” na “linguagem pós-dramática” dos SillySeason, explica. João Cachola é um ator emergente, responsável pela companhia As Crianças Loucas, enquanto Aura da Fonseca é uma jovem intérprete que reúne artes visuais, performance e teatro para um trabalho que explora questões de género e de sustentabilidade.
“É uma peça muito metateatral, em que o teatro fala sobre si próprio. Fala sobre as novas formas artísticas, novas formas de existência, de trabalho, de nos relacionarmos e de nos inscrevermos na história que aí vem. E tentamos que esses colaboradores venham adicionar discurso e formas de fazer. Convidar pessoas muito diferentes entre si”, descreve Ivo Saraiva e Silva.
“Ressignificar os clássicos” em megafesta
A estreia de Palco Principal é mais um capítulo de uma missão que os SillySeason se propuseram a cumprir desde o início do ano: o de “encontro com os clássicos intemporais do teatro” que fundaram o pensamento ocidental. Depois de Rei Édipo, tragédia grega de Sófocles, a companhia sediada em Lisboa encontrou-se com “o tio Tchekhov” e A Gaivota, peça escrita como comédia, embora várias vezes interpretada como tragédia ao longo do tempo. A realidade do quotidiano da época, onde “as pessoas iam ao teatro para se verem a si próprias ou pessoas iguais a si, a comer, a beber, a andar, a terem conversas aparentemente triviais”, dá lugar a uma inquietação sobre a realidade por vir.
“Que realidade é esta que temos hoje? Que realidade queremos firmar hoje? E que realidade queremos para o futuro? Se queremos uma realidade específica para o futuro, temos de a começar a preparar. Ainda bebemos vodka na peça, como as personagens do Tchekhov na altura, mas há coisas que mudaram”, realça Ivo Saraiva e Silva, a propósito de um espetáculo com Língua Gestual Portuguesa, cujos bilhetes têm um custo unitário de 10 euros.
De regresso a uma sala “muito presente no percurso académico e artístico” dos SillySeason, Ivo Saraiva e Silva promete um espetáculo “muito apelativo visualmente”. “Os SillySeason são todos do norte e vir a esta sala é quase fazer uma megafesta com uma família que se escolheu”, clama.