Dia da Ucrânia:“Difícil falar em celebração, mas pelo menos estamos juntos”
Anastasiia Tarasenko, 30 anos, vivia no oblast de Lugansk, em parte ocupado pelas forças separatistas pró-russas desde 2014 e agora integralmente nas mãos da República Popular de Lugansk, aliada da Federação Russa de Vladimir Putin. Antes de chegar a Guimarães, no final de maio, o trovejar das bombas era o “pano de fundo da sua vida”. Ao encontrar na cidade-berço um porto de abrigo, deparou-se também com uma realidade de “muito menos stress”, com “pessoas e clima agradável”, que “a ajuda a não pensar na guerra a toda a hora”.
O seu coração, todavia, permanece na Ucrânia, e a iniciativa que ajudou a organizar nesta quarta-feira reforça esse sentimento de pertença: trata-se da comemoração do 31.º aniversário da independência da Ucrânia face à então União Soviética, declarada a 24 de agosto de 1991.
Estava reunida a motivação para juntar as centenas de ucranianos de Guimarães – 166 deles refugiado – e assim aconteceu, pelo menos em parte. Mulheres e crianças reuniram-se no auditório da Biblioteca Municipal Raul Brandão para assistirem a um vídeo com 40 curiosidades sobre o país natal e ouvirem o hino nacional, antes de rumarem ao jardim para escutarem poesia – a artista Lyudmila Petrova, atriz do Teatro Nacional de Dnipropetrovsk, recitou Lili, do poeta nacional mais conhecido, Taras Shevchenko – e dançarem o hopak. Rosto mais visível das comemorações, adornado com pinturas faciais azuis e amarela ou com o vinok, a tradicional coroa de flores, as crianças também foram protagonistas na hora de dançar, de jogar ou de mostrar a ginástica de que são capazes.
“O país teve esta ideia de que precisávamos de ter um dia assim, pelo que contactámos a Câmara Municipal. As crianças mostraram-se disponíveis para estas performances, e nem sequer precisámos de dizer à Lyudmila Petrova para ler o poema de Taras Shevchenko. Ela sentiu que precisava de o ler”, salienta Anastasiia, antes de rematar: “É difícil dizer que isto é uma celebração, mas pelos menos estamos juntos”.
Receios de novo desastre nuclear
A outra face mais visível da comemoração do Dia da Independência da Ucrânia é a de Yuliia Mashkalova. Em Guimarães há cinco meses, a cidadã realça que o novo lar tem ajudado algumas crianças a superarem “problemas psicológicos” decorrentes da guerra, que podem de novo vir à tona com o rebentamento de balões ou de fogo de artifício. Esses traumas são, contudo, mitigados pelo contexto pacífico do país de acolhimento. “Portugal é um país extraordinário. As nossas crianças estão felizes, porque a população local é muito gentil para com os ucranianos. Todos os dias sentimo-nos apoiados nestes tempos difíceis e perigosos para a comunidade ucraniana”, realçou.
Yuliia é oriunda de Nikopol, cidade na margem direita do rio Dnieper, a cerca de 60 quilómetros de Zaporizhzhia. Além da dor de ver a cidade “bombardeada pela força aérea russa”, há um outro receio que a acompanha: o de um desastre nuclear na central de Energodar, perto de Zaporizhzhia, partilhado por Anastasiia. “Um desastre nuclear em Energodar seria um desastre para toda a Europa. Ainda está na memória nacional o desastre de 1986, em Chernobyl. A central nuclear de Chernobyl era muito mais pequena do que a de Zaporizhzhia”, realça.
Apesar do 24 de agosto não ser celebrado como deveria ser, com concertos e fogo de artifício, e de Portugal ser um país onde a reconstrução (parcial) das suas vidas tem sido possível, Anastasiia continua a alimentar a esperança de regressar ao seu país, até para o ajudar a reconstruir-se. “Temos membros das nossas famílias e amigos na Ucrânia. Todos os nossos homens estão lá. Temos de ser fortes, porque sei que ganharemos esta guerra”, vaticinou.