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Convívio e hospitalidade do antigo Teatro Jordão inspiraram peça de teatro

Tiago Mendes Dias
Cultura \ domingo, dezembro 07, 2025
© Direitos reservados
A partir de vários testemunhos sobre a versão original do Teatro Jordão, o espetáculo com o título homónimo encarnou as vivências de outrora como as de “espaço aberto a todos sem exceção”.

É certo que a antigo Teatro Jordão, inaugurado em 1938 e encerrado em 1993, com capacidade para 1.200 pessoas, dispunha de um balcão superior, destinado às pessoas de camadas sociais mais proeminentes, e de uma plateia para as pessoas com menores possibilidades económicas, mas os públicos misturavam-se num lugar aberto a todos. Ao recolher testemunhos de 19 pessoas, repletos de singularidades, Manuela Ferreira notou que a dimensão comunitária da antiga sala de espetáculos foi uma das mais consensuais nas memórias evocadas, daí estar presente em “Teatro Jordão”, espetáculo apresentado a 28 de novembro, na galeria do renovado espaço.

“Agrada-me muito as singularidades dos espetadores. Toda a gente trazia uma coisa singular, nova e específica. A dimensão convivial, para além da programação de cinema e de teatro, de um espaço aberto a todos sem exceção, foi o tema mais agregador, que mais me sensibilizou. Há aqui muita reflexão a fazer sobre como um espaço cultural deve ser casa de uma comunidade, de uma cidade. Nas diferentes décadas em que esteve aberto ao público, é valorizada essa hospitalidade. Apesar do auditório estar desenhado para mostrar essa estratificação social, os públicos misturavam-se e coexistiam”, descreve a encenadora ao Jornal de Guimarães.

Manuela Ferreira vinca que o espetáculo interpretado por Albertina Macedo Castro, Alexandrino Fortes da Silva, António Matos, Bruno da Fonseca, Cristina Vilarinho e Helena Marques é “um apontamento” inspirado no material de arquivo, mas não é de “todo generalista”, no “sentido de lecionar” os principais acontecimentos dos 55 anos de história do Teatro Jordão original. A evocação de detalhes dos testemunhos sobressai na representação. “Há espetadores que se se confrontaram pela primeira vez com a linguagem de cinema no Teatro Jordão, sem as ferramentas para entenderem os códigos. O espetáculo mostra essa ingenuidade do que é ser espetador em torno de uma linguagem que não se conhece”, realça.

O espetáculo abordou, por isso, vários núcleos temáticos, consoante os testemunhos, “saltando uns para os outros” não por ordem cronológica, mas numa replicação do funcionamento das nossas memórias, que por vezes afloram em sequências aleatórias. “Não é um espetáculo linear do ponto de vista da narrativa. Tem a ideia de surpreender o espetador, que tem de se situar permanentemente onde está. Do ponto de vista do dispositivo cénico, socorreu-se de adereços e mobiliário muito minimalista. A luz é desenhada pelos próprios atores. Os atores dão voz, dão corpo. São eles próprios matéria cénica e contribuem para a transformar”, descreve Manuela Ferreira.

 

 

Ver o palco a céu aberto foi “metáfora para pensar um teatro adormecido”

Há vários anos radicada em Guimarães, a encenadora portuense recorda bem o momento em que surgiu o impulso para avançar com este espetáculo em torno da memória do Teatro Jordão. Deu-se quando a obra de requalificação estava em curso, entre 2019 e 2022, precisamente no momento em que a antiga estrutura do edifício foi abaixo e restou o antigo palco, a céu aberto.

“Aquilo marcou-me muito, de tal modo que tirei uma fotografia. Quase que funcionou como uma metáfora para pensar um teatro adormecido, fechado ao público por muitos anos. É uma imagem que traz uma carga de memórias, que, de repente, se abre sem qualquer espetador”, lembra.

Essa intenção de trabalhar a experiência estética do antigo Teatro Jordão e de como “ela se preserva no tempo” motivou-a a criar o espetáculo. Manuela Ferreira começou pela recolha de “um longo arquivo sonoro com a memória dos espetadores”, antes de “propor um formato performativo”. Garantiu financiamento para a peça através do apoio à investigação do programa de financiamento da criação cultural em Guimarães, o IMPACTA. “Já tinha o arquivo pronto. Este foi um exercício de performar o arquivo de forma parcial, porque há muito material para além do espetáculo”, refere.

As galerias do Teatro Jordão, lugar onde já decorreram vários festivais de música, foi o lugar onde se desenrolou a peça. “É um espaço como que submerso. É como se descêssemos às fundações do Teatro Jordão. Dramaturgicamente, o espetáculo trazia uma camada interessante ao espetáculo. É quase como se fosse uma escavação do edifício”, denota. E o espaço aproximou-se da casa cheia, entre as pessoas que ofereceram os seus testemunhos e pessoas que nunca estiveram no antigo Jordão. “Tivemos um público bastante heterogéneo”, resume.

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