Costureiras em vias de extinção: o “dilema” que a formação não resolve
Ponto corrido, corte e cose, enfiar a máquina ou dar a produção. Conceitos básicos das entranhas de uma confeção, reconhecidos por uma maioria significativa de mulheres de Guimarães e da zona do Vale do Ave nas últimas décadas. Com a forte implantação da indústria têxtil na região, sobravam lugares para costureiras e com naturalidade, de geração em geração, as mulheres mais novas, por vezes ainda moças, seguiam as pisadas de familiares e começavam a labuta nas confeções.
Esse cenário está a mudar. O têxtil continua a ser um dos principais ramos de atividade do concelho de Guimarães, o volume de negócio tem aumentado juntamente com as exportações, mas faltam costureiras. “A Lameirinho tem sentido dificuldades em encontrar e recrutar costureiras com a experiência necessária na área do têxtil-lar”, por exemplo, conforme dá conta Paulo Carvalho, gestor de recursos humanos da empresa sediada em Pevidém desde 1948. O mesmo “dilema” enfrentado em Moreira de Cónegos pela Confeções Cruzeiro, aponta o administrador Jorge Sampaio. “Além de haver falta de costureiras, há falta de gente a costurar”, expõe.
Esta realidade ganha força até de acordo com os números do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). No ano 2020 havia inscritos 355 operadores de máquinas de costura, um número que decresceu para 243 no ano que findou. Em contraponto, em 2020 havia 224 ofertas de emprego para esta categoria, tendo esse número quase aumentado para o dobro num ano, registando-se 418 em 2021. Ou seja, neste momento, na balança do Centro de Emprego há mais empresas a procurar costureiras do que costureiras à procura de trabalho.
Empresas procuram, mas sentem dificuldades em encontrar
Os anúncios da procura de costureiras são cada vez mais frequentes nas redes sociais, nos quadros informativos das empresas e até em anúncios. “Nota-se falta de mão de obra em várias secções, mas essencialmente costureiras. No corte, embalagem ou acabamentos vamos arranjando, o que está mais difícil é realmente a área da costura”, aponta Jorge Sampaio, desabafando que “não está a aparecer gente nova que queria adaptar-se à costura”. A empresa Confeções Cruzeiro emprega sensivelmente nove dezenas de costureiras, número que pretende ver reforçado.
Francisco Vieira, coordenador do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes, enquadra esta problemática como sendo algo crescente e que é o reflexo do que tem vindo a acontecer nos últimos anos num setor “maltratado”. “A necessidade de mão de obra nesta área é algo antigo; no passado este setor foi muito maltratado. Durante anos foi dito que este era um setor sem futuro, que não valia a pena tirar o curso de Engenharia Têxtil e estamos a pagar essa fatura”, retrata o dirigente sindical.
Extrapolando os números e os indicadores das empresas, o conhecimento no terreno de Francisco Vieira, vimaranense que conhece bem o setor, enuncia aquilo que tem acontecido face à escassez de costureiras. “Quando uma pequena empresa fecha portas as costureiras são de imediato absorvidas por outras empresas”, começa por dizer. Por outro lado, refere também que “há emissários à porta das empresas a sondar trabalhadores, nomeadamente da costura”, o que leva a que haja costureiras a ser assediadas e a trocar de empresa, algo que no seu entender até é benéfico, na medida em que a competitividade leva a que se potencie a melhoria das condições. Francisco Vieira fala ainda em “comércio de pessoas”, ao referir-se a “grupos organizados a oferecer imigrantes nas empresas”.
“Falta de regeneração” é um dos problemas
Entre os vários motivos para que a realidade atualmente seja esta há um que salta à vista e é reconhecido por todos os intervenientes do processo. Há falta de regeneração nas costureiras. Ou seja, não há jovens a colmatar as saídas para a reforma das costureiras mais velhas. “Há cada vez mais empregadas inscritas como costureiras e de idades muito avançadas”, assegura a Carla Vale, delegada regional do Norte do IEFP. “Não há gente nova a querer costurar”, complementa Jorge Sampaio.
Na Lameirinho, apesar de a média de idades das costureiras até nem ser a maior da empresa, Paulo Carvalho tem a mesma perceção de que o envelhecimento é uma realidade nesta profissão: “As dificuldades em encontrar costureiras devem-se ao envelhecimento da população e, naturalmente, destas profissionais, tal como outras profissões do setor têxtil, que vão saindo para a reforma. Tem existido alguma dificuldade na regeneração destas profissões também devido à reduzida oferta de formação profissional nesta área”.
Francisco Vieira concorda com esta ideia de que o setor não está a ter capacidade para se regenerar e ser atrativo para os mais jovens, algo que é “preocupante” no seu entender. “Há um envelhecimento sem rejuvenescimento. As trabalhadoras, em particular, apesar de já haver casos pontuais de costureiros, encontram facilmente empregos na nossa região no setor terciário, no comércio, em hipermercados e supermercados. Preferem esse tipo de empregos a estar oito horas de forma intensiva para ganhar o salário mínimo”.
Na visão do sindicalista, o cerne da questão acaba mesmo por ser a falta de atratividade face a outros setores, o que tem feito a costura perder interesse. “O setor tem de se tornar atrativo, quer na questão dos salários quer das próprias condições de trabalho. A máquina ainda não substitui a pessoa, continua a ser uma máquina para uma pessoa num trabalho intensivo”, atira.
Formação como caminho a seguir
Para fazer face à mão de obra necessária o IEFP crê que o caminho a seguir é o da formação e requalificação profissional das costureiras. Carla Vale aponta a evolução do setor como um fenómeno que exige formação de recursos humanos para dar resposta às necessidades, algo que está a ser desenvolvido com as empresas. Concordado que “o setor tem de se tornar atrativo”, a delegada regional do norte do IEFP assegura que a instituição “tem dado resposta com formação profissional direcionada às necessidades de cada empresa, nas instalações das próprias empresas, para simplificar o processo de formação e grupos e posterior recrutamento”.
Mesmo admitindo que, por vezes, é complicado dar sequência a esse processo na medida em que o setor é “diverso e intensivo”, Carla Vale olha de forma positiva para o trabalho desenvolvido. “O Centro de Emprego do Médio Ave tem conseguido reconverter e requalificar profissionalmente algumas costureiras com défice de competências que as empresas necessitavam, formando-as para outras vertentes. Muitas vezes temos recorrido a concelhos vizinhos, desde que haja facilidade de transporte”, indica.
Com uma centena de costureiras atualmente, na Lameirinho não se vê outro caminho que não o da formação, um caminho que há uns anos a esta parte está a ser trilhado na empresa, através de “parceiras” com o IEFP. “Nos últimos anos temos vindo a investir na formação de pessoas mais jovens que mostrem vontade”, defende Paulo Carvalho. Na Confeções Cruzeiro repete-se a intenção, a formação é encarada como uma possibilidade, mas os resultados ainda não resolvem o “dilema” de Jorge Sampaio. “Estamos a tentar fazer formação já há vários anos, mas não estamos a conseguir gente que queira aprender. As pessoas têm de ter uma certa aptidão, se não a tiver não vamos lá”, lamenta.