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Costureiras em vias de extinção: o “dilema” que a formação não resolve

Bruno José Ferreira
Economia \ quinta-feira, março 31, 2022
© Direitos reservados
Falta de regeneração levou à escassez de costureiras para alimentar o têxtil. Com o número de pessoas que entram inferior às que se aposentam, a formação é o caminho apontado pelos atores do setor.

Ponto corrido, corte e cose, enfiar a máquina ou dar a produção. Conceitos bási­cos das entranhas de uma confeção, reconhecidos por uma maioria significativa de mulheres de Guimarães e da zona do Vale do Ave nas últimas décadas. Com a for­te implantação da indústria têxtil na região, sobravam lugares para costureiras e com naturalidade, de geração em geração, as mulheres mais novas, por vezes ainda moças, seguiam as pisadas de familiares e começavam a labuta nas confeções.

Esse cenário está a mudar. O têx­til continua a ser um dos principais ramos de atividade do concelho de Guimarães, o volume de negócio tem aumentado juntamente com as exportações, mas faltam costu­reiras. “A Lameirinho tem sentido dificuldades em encontrar e recru­tar costureiras com a experiência necessária na área do têxtil-lar”, por exemplo, conforme dá conta Paulo Carvalho, gestor de recursos huma­nos da empresa sediada em Pevi­dém desde 1948. O mesmo “dilema” enfrentado em Moreira de Cónegos pela Confeções Cruzeiro, aponta o administrador Jorge Sampaio. “Além de haver falta de costureiras, há falta de gente a costurar”, expõe.

Esta realidade ganha força até de acordo com os números do Ins­tituto de Emprego e Formação Pro­fissional (IEFP). No ano 2020 havia inscritos 355 operadores de máqui­nas de costura, um número que de­cresceu para 243 no ano que findou. Em contraponto, em 2020 havia 224 ofertas de emprego para esta ca­tegoria, tendo esse número quase aumentado para o dobro num ano, registando-se 418 em 2021. Ou seja, neste momento, na balança do Cen­tro de Emprego há mais empresas a procurar costureiras do que costu­reiras à procura de trabalho.

 

Empresas procuram, mas sentem dificuldades em encontrar

Os anúncios da procura de costurei­ras são cada vez mais frequentes nas redes sociais, nos quadros informati­vos das empresas e até em anúncios. “Nota-se falta de mão de obra em vá­rias secções, mas essencialmente cos­tureiras. No corte, embalagem ou aca­bamentos vamos arranjando, o que está mais difícil é realmente a área da costura”, aponta Jorge Sampaio, de­sabafando que “não está a aparecer gente nova que queria adaptar-se à costura”. A empresa Confeções Cru­zeiro emprega sensivelmente nove dezenas de costureiras, número que pretende ver reforçado.

Francisco Vieira, coordenador do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os­-Montes, enquadra esta problemática como sendo algo crescente e que é o reflexo do que tem vindo a acontecer nos últimos anos num setor “maltra­tado”. “A necessidade de mão de obra nesta área é algo antigo; no passado este setor foi muito maltratado. Du­rante anos foi dito que este era um se­tor sem futuro, que não valia a pena tirar o curso de Engenharia Têxtil e estamos a pagar essa fatura”, retrata o dirigente sindical.

Extrapolando os números e os in­dicadores das empresas, o conheci­mento no terreno de Francisco Viei­ra, vimaranense que conhece bem o setor, enuncia aquilo que tem acon­tecido face à escassez de costureiras. “Quando uma pequena empresa fe­cha portas as costureiras são de ime­diato absorvidas por outras empre­sas”, começa por dizer. Por outro lado, refere também que “há emissários à porta das empresas a sondar traba­lhadores, nomeadamente da costu­ra”, o que leva a que haja costureiras a ser assediadas e a trocar de empresa, algo que no seu entender até é bené­fico, na medida em que a competitivi­dade leva a que se potencie a melho­ria das condições. Francisco Vieira fala ainda em “comércio de pessoas”, ao referir-se a “grupos organizados a oferecer imigrantes nas empresas”.

 

“Falta de regeneração” é um dos problemas

Entre os vários motivos para que a realidade atualmente seja esta há um que salta à vista e é reconhecido por todos os intervenientes do pro­cesso. Há falta de regeneração nas costureiras. Ou seja, não há jovens a colmatar as saídas para a refor­ma das costureiras mais velhas. “Há cada vez mais empregadas inscritas como costureiras e de idades muito avançadas”, assegura a Carla Vale, delegada regional do Norte do IEFP. “Não há gente nova a querer costu­rar”, complementa Jorge Sampaio.

Na Lameirinho, apesar de a média de idades das costureiras até nem ser a maior da empresa, Paulo Carvalho tem a mesma perceção de que o envelhecimento é uma realida­de nesta profissão: “As dificuldades em encontrar costureiras devem-se ao envelhecimento da população e, naturalmente, destas profissionais, tal como outras profissões do setor têxtil, que vão saindo para a refor­ma. Tem existido alguma dificulda­de na regeneração destas profissões também devido à reduzida oferta de formação profissional nesta área”.

Francisco Vieira concorda com esta ideia de que o setor não está a ter capacidade para se regenerar e ser atrativo para os mais jovens, algo que é “preocupante” no seu entender. “Há um envelhecimento sem rejuvenescimento. As trabalha­doras, em particular, apesar de já haver casos pontuais de costureiros, encontram facilmente empregos na nossa região no setor terciário, no comércio, em hipermercados e su­permercados. Preferem esse tipo de empregos a estar oito horas de for­ma intensiva para ganhar o salário mínimo”.

Na visão do sindicalista, o cerne da questão acaba mesmo por ser a falta de atratividade face a outros setores, o que tem feito a costura perder interesse. “O setor tem de se tornar atrativo, quer na questão dos salários quer das próprias condi­ções de trabalho. A máquina ainda não substitui a pessoa, continua a ser uma máquina para uma pessoa num trabalho intensivo”, atira.

 

Formação como caminho a seguir

Para fazer face à mão de obra ne­cessária o IEFP crê que o caminho a seguir é o da formação e requali­ficação profissional das costureiras. Carla Vale aponta a evolução do setor como um fenómeno que exi­ge formação de recursos humanos para dar resposta às necessidades, algo que está a ser desenvolvido com as empresas. Concordado que “o setor tem de se tornar atrativo”, a delegada regional do norte do IEFP assegura que a instituição “tem dado resposta com formação profis­sional direcionada às necessidades de cada empresa, nas instalações das próprias empresas, para simpli­ficar o processo de formação e gru­pos e posterior recrutamento”.

Mesmo admitindo que, por ve­zes, é complicado dar sequência a esse processo na medida em que o setor é “diverso e intensivo”, Carla Vale olha de forma positiva para o trabalho desenvolvido. “O Centro de Emprego do Médio Ave tem con­seguido reconverter e requalificar profissionalmente algumas costu­reiras com défice de competências que as empresas necessitavam, for­mando-as para outras vertentes. Muitas vezes temos recorrido a con­celhos vizinhos, desde que haja faci­lidade de transporte”, indica.

Com uma centena de costurei­ras atualmente, na Lameirinho não se vê outro caminho que não o da formação, um caminho que há uns anos a esta parte está a ser tri­lhado na empresa, através de “par­ceiras” com o IEFP. “Nos últimos anos temos vindo a investir na for­mação de pessoas mais jovens que mostrem vontade”, defende Paulo Carvalho. Na Confeções Cruzeiro repete-se a intenção, a formação é encarada como uma possibilidade, mas os resultados ainda não resol­vem o “dilema” de Jorge Sampaio. “Estamos a tentar fazer formação já há vários anos, mas não esta­mos a conseguir gente que queira aprender. As pessoas têm de ter uma certa aptidão, se não a tiver não vamos lá”, lamenta.

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