De Guimarães à Galiza pelas bordas da Europa e em “harmonia com a natureza”
O primeiro mês de 2019 fraturou a vida de Alexandra Ribeiro praticamente em duas: a primeira, de 24 anos, radicada em solo vimaranense, culminou na apresentação da tese de mestrado em Ciência Política pela Universidade do Minho, a uma sexta-feira; na segunda-feira vindoura, começou uma odisseia que a levaria à Islândia e à Grécia, antes do desembarque em Chantada, vila galega da província de Lugo. “Sinto que, se estivesse só em Guimarães, ficaria estagnada. Ter ido para a Islândia fez-me crescer imenso, além de que me ajudou a decidir o que queria fazer profissionalmente”, afirma, ao recordar esse momento decisivo.
As idas à Praça da Oliveira deram lugar a Reiquiavique, uma capital ao largo de uma baía, os recortes da vida em Azurém afundaram-se sob as “montanhas incríveis” daquela terra vulcânica e as ligações a Santo Amaro, área da família do pai, sobreviveram, embora congeladas, sob as auroras boreais. Enquanto estudou ciência política, área que sempre a “fascinou” por causa do interesse no “comportamento político e cívico em todas as esferas”, Alexandra envolveu-se em “projetos de voluntariado” que lhe abriram horizontes tão distantes quanto o noroeste da Europa.
Na Seeds, uma organização não governamental sediada no país nórdico, organizou campos de educação não formal sobre ambiente e fotografia, fosse em Reiquiavique ou em “zonas fora, quase sem acesso”, que se estendiam por duas ou três semanas. “Temos participantes de várias partes do mundo. Tinha de organizar workshops em que se fala de sustentabilidade”, frisou.
A experiência durou de janeiro a julho de 2019, ajudando-a a “perceber o quão pequena” era até então. Mas também a fez entender que não era aquilo que queria para a vida. “Ir para a Islândia duas semanas para discutir a pegada ecológica e como a podemos diminuir é um pouco ambíguo”, considera. Confessa até que o projeto se revestia de alguma “hipocrisia” na relação entre as tarefas e o seu propósito, levando-a a refletir sobre o que “tinha de fazer a seguir”. “Foi uma coisa negativa, mas muito positiva. O que mais valorizo é o que mais me custou ao mesmo tempo”, realça.
Na Grécia, a chave para o paraíso… e para o futuro
Os intervalos no périplo de Alexandra pela Europa tiveram sempre Guimarães como albergue; a dinâmica é quase um espelho da relação que mantém com a terra natal. “Tenho muito boas memórias. Foi lá onde vivi melhor. Mas, ao mesmo tempo, há toda uma distância entre Guimarães e o que eu quero fazer agora, que me faz ficar mais feliz onde eu estou”, adianta.
Ainda sem o próximo passo definido, serviu de consultora à Universidade das Nações Unidas num estudo sobre hospitais. Feito o trabalho, parou por algum tempo sem “saber muito bem o que fazer”, até chegar o momento de rumar ao norte da Grécia, em fevereiro de 2020. Com o interesse pelo mundo rural a despertar, fixou-se em Ormylia, uma vila na península de Chalkidiki, vizinha, por exemplo, do monte Athos, um dos corações da Igreja Ortodoxa.
Aí, envolveu-se com outra organização não governamental, a Hives Project, que incentiva a agricultura sem produtos químicos – habitualmente designada natural farming, segundo o termo em inglês -, e o apoio aos produtores locais. “Já conhecia a presidente de um projeto anterior. Então ela precisava de ajuda e eu fui para lá tentar dar o meu melhor. Foi uma experiência muito interessante. Acabei num meio rural”, conta.
A chegada a Ormylia coincidiu com a expansão do novo coronavírus pela Europa; como vivia num meio pouco povoado, com “praia 20 minutos a pé”, teve a “liberdade” que muitos outros cidadãos do continente não tiveram para usufruir da sua área de residência. Ainda por cima aquela zona era “paradisíaca”. “Podia ir à praia na mesma e fazer tudo o que queria. Morava à beira-mar e a água era quente”, recorda. “E a comida na Grécia é maravilhosa também”, acrescenta.
De olhos no mar Egeu, Alexandra descobriu o fio condutor para a vida que leva hoje; não foi só o “bichinho de se mudar para um meio rural” e de “ter mais autonomia”. Também encontrou o companheiro de viagem, Camille Mahieu, com quem regressou a Guimarães em agosto de 2020.
“A nacionalidade dele é belga, mas nasceu na Turquia. A mãe dele é iraniana e o pai dele é belga, nasceu na França e tem ascendência espanhola. Ele só foi para a Bélgica aos 18 anos, porque entretanto viveu noutros países. Dizer que é belga é muito redutor. Somos todos pessoas do mundo. Devíamos ser todos”, sentencia.
Do Irão à Ribeira Sacra, via França
Aquando do segundo regresso ao berço, o plano original visava uma mudança para o Irão, confessa a vimaranense de 27 anos. Depois o casal ponderou a permanência em Guimarães, mas não encontrou “nada de interessante”. Foi numa viagem a França, para visita à família de Camille, que a solução apareceu: uma “zona rural onde houvesse pouca população e uma casa com um campo”. Entre as várias opções à escolha na Galiza e no Norte de Portugal, acabaram na Ribeira Sacra, área “muito bonita e saudável” entre os rios Miño e Sil, na fronteira entre as províncias de Lugo e de Ourense.
Após um processo que não foi de todo fácil, Alexandra e Camille encontraram uma casa com “terraços no meio da montanha e o rio a 10 minutos”, com “poucos vizinhos, mas a cidade perto”. “Somos jovens, o que torna as coisas um pouquinho mais complicadas. Às vezes, não nos levam tão a sério. Mas encontrámos uma casa muito bonita, que vai dar muito trabalho a renovar. Agora a intenção é começar a semear e criar a nossa própria autonomia no máximo que consigamos”, perspetiva.
Essa autonomia deriva de todo o conhecimento que beberam quanto ao mundo rural: é uma “autonomia energética, de água e de comida”, de forma a “ter uma intervenção o mais reduzida possível na natureza”. Inspirado pelo natural farming (agricultura selvagem, em português), o casal recusa-se a “plantar, podar e virar o solo”. “Queremos pensar as nossas ações em harmonia com a Natureza. Ainda é tudo muito recente e novo. Por isso, para já, ainda não há muito a contar”, frisou.
Enquanto aprimora o método desenvolvido pelo japonês Masanobu Fukuoka, a vimaranense trabalha numa empresa de turismo fluvial que lhe permite aprofundar não só o conhecimento geográfico da Galicia, como diz, afetuosamente, mas também a história, os mitos e a língua, nas “diferenças e similaridades com o português”.
Guimarães é agora mosaico de memórias a 175 quilómetros de distância. Está perto o suficiente para matar saudades dos doces que lhe fazem tanta “falta” nas visitas recorrentes dos pais, pessoas muito mais ligadas à terra natal. “Sinto saudades de muita coisa, mas não tenho nenhuma ligação identitária tão profunda. Os meus pais são completamente ligados a Guimarães e, se vierem aqui, trazem a camisola do Vitória. Eu sinto-me bem em todas as partes”, compara.
Ainda assim, e por mais despercebido que seja o recanto da consciência onde está abrigada, a cidade-berço não lhe sai. “Sinto um distanciamento de Guimarães, mas, ao mesmo tempo, Guimarães não sai. Digo que não tenho saudades, mas Guimarães está sempre aqui. Viajo muito, mas Guimarães fica”, resume.