Diabetes: a “pandemia do século XXI” exige “mudança de estilos de vida”
Na sua edição de 2019, o relatório anual do Observatório Nacional da Diabetes revelou que, em 2018, 13,6% dos portugueses entre os 20 e os 79 anos – 7,7% com diagnóstico e 5,9% por diagnosticar – tinha a doença, seja ela tipo 1 – resulta da “destruição das células produtoras de insulina do pâncreas pelo sistema de defesa do organismo” – ou tipo 2, a mais prevalente, que se dá “quando o pâncreas não produz insulina suficiente ou quando o organismo não consegue utilizar eficazmente a insulina produzida”, responsável pelo transporte da glicose para o interior das células.
Num país com cerca de 10 milhões de habitantes, mais de um milhão tinha a doença. A nível mundial, o Atlas da Federação Internacional da Diabetes (IDF) para 2019 estimava cerca de 463 milhões de adultos afetados a nível mundial – em 2035, poderão ser 600 milhões. E se se limitar a análise ao território coberto por uma Unidade de Saúde Familiar (USF) de Guimarães, a prevalência da doença também se aproxima do padrão de um em cada 10. Dos 14.437 utentes da USF de Ronfe, no oeste do concelho, 1.477 estavam diagnosticados com diabetes a 30 de setembro de 2022; 10,2%, portanto.
“A diabetes é uma doença muito relacionada com a obesidade. Como temos um aumento cada vez maior da obesidade, temos um aumento mais marcado da diabetes tipo 2”, resume a coordenadora da USF, Carina Antunes, no mês em que se assinala o Dia Mundial da Diabetes (14 de novembro).
E a pandemia de covid-19 veio dificultar o controlo da doença pelas unidades de “cuidados primários de saúde”, aponta. “Tínhamos de taxas de controlo dos diabéticos muito superiores às de agora. (…) A pandemia veio dificultar-nos muito a vida pelo sedentarismo, pelas aplicações de comida ao domicílio que não é a mais saudável. As pessoas acabaram por descontrolar o que estava controlado”, descreve.
A uma USF cabe “apanhar a doença no estadio inicial”, com “análises de rotina”, e convencer os utentes a mudarem de “estilo de vida”: isso passa pela prática regular de exercício físico e pelo controlo dos hidratos de carbono por forma a perder peso. Se o utente implementar essas rotinas, pode até ser retirada “medicação” para o tratamento da diabetes tipo 2. Até porque os fármacos de que a medicina hoje dispõe “não adiantam” se o doente não mudar um bocadinho.
“Se mudarem o estilo de vida, poderão vir a ter complicações ao fim de 20 ou de 30 anos, mas não ao fim de cinco ou seis”, perspetiva a médica. Em 2018, cada óbito por diabetes perdeu, em média, 8,3 anos potenciais de vida. Nesse ano, morreram 4.305 pessoas em Portugal devido à doença, num número que se tem mantido estável desde 2009, embora com oscilações.
Quase 5.000 acompanhados pelo hospital
A USF de Ronfe pertence ao Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Alto Ave, que, desde 2013, se articula com o Hospital Senhora da Oliveira – Guimarães (HSOG) no âmbito da Unidade Coordenadora Funcional da Diabetes. Graças à unidade, “os tempos de resposta para os pedidos de primeira consulta são cumpridos dentro dos prazos estabelecidos pelo Ministério da Saúde” e os médicos de medicina geral e familiar do ACES ganharam “acesso direto” aos médicos hospitalares, frisa Elisa Torres, diretora do internato médico do HSOG e responsável pela consulta da diabetes, que funciona das 09h00 de segunda-feira às 20h00 de sexta-feira.
O Senhora da Oliveira dispõe hoje de uma equipa multidisciplinar de 25 médicos e de uma triagem de enfermagem com protocolo clínico também adotado pelo ACES Alto Ave para seguir os quase 5.000 doentes – dos quais 300 do tipo 1 – nessa consulta em vigor há 30 anos, acrescenta.
A experiência diz-lhe que o controlo da doença estava “no bom caminho até à pandemia de covid-19”. “Com o teletrabalho, há um prejuízo nítido na impossibilidade de fazer exercício físico e manter uma dieta correta”, realça. E por muitos fármacos que haja, o “eixo da terapêutica” passa, em primeiro lugar, pela “mudança de hábitos e de estilos de vida”.
Sem o controlo apropriado, um diabético vai ter “complicações macro e microvasculares” nas artérias e nas veias, que podem redundar em acidentes vasculares cerebrais (AVC), enfarte do miocárdio, baixa da acuidade visual e cegueira ou insuficiência renal com necessidade de hemodiálise. Até o risco de cancro aumenta; em outubro, a Lusa deu conta de um estudo que sugere uma progressão mais rápida do cancro da mama nos diabéticos tipo 2, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. “A diabetes tipo 2 é a grande pandemia do século XXI”, resume.
Mas é “difícil” convencer um doente de 40 anos a “mudar de estilo de vida”, razão pela qual a batalha contra a diabetes deve envolver as crianças, com campanhas de sensibilização nas escolas. “É a partir das crianças que podemos mudar as próximas gerações”, diz.
Diabetes gestacional aumenta
Portugal tinha mais de um milhão de diabéticos em 2018 e 2,1 milhões de pessoas na fase de pré-diabetes, em rigor designada “hiperglicemia intermédia”. Ainda assim, é possível, nessa fase, estabilizar ou até mitigar valores se se enveredar pela via do “exercício físico” e da “mudança de hábitos alimentares”. “Já tivemos doentes que deixaram de precisar de fármacos”, assinala Elisa Torres.
Outro fenómeno emergente é o da diabetes gestacional, que se pauta pela elevada concentração de glicose no sangue durante a gravidez, baixando após o parto: se 2009 terminou com 3.219 casos, 2018 registou 5.378, o que perfaz um aumento de 67% numa década, segundo o documento do Observatório Nacional da Diabetes. Mais frequente à medida que sobe a idade das parturientes, a circunstância pode afetar o bebé – “pode nascer com baixo peso ou prematuro” – e a mãe. “É mais provável a mãe ter diabetes tipo 2 no futuro”, sintetiza a diretora da consulta de diabetes.