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Dino Freitas: “Os vimaranenses deveriam ser mais atentos e vigilantes”

Redação
Cultura \ quarta-feira, julho 05, 2023
© Direitos reservados
Dino Freitas, prestes a completar 65 anos, é mais do que um músico popular. É um homem livre que transporta uma vida de experiências transformadas num investimento cidadão.

Frequentou a grande escola das rádios pirata que lhe franqueou portas para a música. Candidatou-se ao Festival da Canção quando não sabia redigir uma pauta. Num momento de inspiração escreveu e cantou o primeiro hino do Vitória. Por Guimarães também compôs o do Moreirense. É cidadão atento e não lhe escapa a crítica à inércia dos vimaranenses.

ENTREVISTA E FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

“Mundo Novo” e o duo com o Francisco José foram determinantes para a carreira artística ou foi o hino do Vitória que transformou o Dino Freitas em artista ?

Tudo junto. “Mundo Novo”, depois “Novo Mundo” e a dupla com o Francisco José … tudo faz parte. A “explosão”, a nível local e regional, foi, sem dúvida com o hino do Vitória.

 

Chegaste a candidatar uma música ao Festival da Canção. Tudo poderia ter sido diferente …

Não me lembro em que ano, mas escrevi a letra e fiz a linha melódica. Não sabia escrever uma nota de música - hoje já sei algumas - e foi o Professor Eduardo Magalhães que me tratou dessa parte. Comprei no Adérito uma cassete de 5 minutos - com fita de crómio, para ficar com qualidade – e com uma caneta de acetato fiz uma marca na fita depois dos 3 minutos da música. Mandei tudo direitinho, com um envelope almofadado e com o selo dos correios para depois devolverem a cassete. Ouviram para aí umas 300 vezes (risos) e, educados que são, deram-se ao trabalho de me devolver a cassete exatamente como a enviei e com a marca no mesmo sítio. Significa que nem sequer ouviram ...

 

A música tinha potencial ?

À época talvez. Se fosse hoje, diria que não. Uma canção que fale de coisas sérias e fale verdade, não tem interesse.

 

Não ambicionaste chegar a outro patamar de estrelato?

Nunca fiz por isso. Se me perguntares se gostava, diria que sim. Se perguntares o que fiz para isso eu respondo que muito pouco.

 

Por alguma razão ?

Nesta como noutras atividades, para chegar longe, além das competências e das capacidades, tens de vender a alma ao diabo, “vender a alma à companhia”, como diz o Jorge Palma num dos temas que adoro [A Estrada do Sucesso].

 

Como assim ?

Tens de vender a alma à companhia, que são as editoras, e depois tens lá uns senhores inteligentes que pensam por ti.

 

E tu não alinhas …

Sempre recusei deixar-me arregimentar nesse rebanho de carneiros e, portanto, pagas a fatura por essa liberdade. Costumo dizer que estou em liberdade condicional. “Mas estivestes preso?”, perguntam-me. Não, mas se eu não cumprir com aquilo que os gajos querem, lixam-me. Portanto, a liberdade é sempre condicional ou condicionada.

 

Mesmo depois do 25 de Abril 1974 …

Não quero exagerar, mas, se calhar, estamos um bocadinho pior. Antigamente havia o “Nacional Cançonetismo”, meia dúzia de estrelas do regime e o resto era arraia miúda. Isso mudou, não há dúvida. Mas levou-se ao exagero. As coisas extremaram-se de tal maneira que hoje - salvo honrosas exceções - aquilo que é dado ao povo … enfim… aí já estão os produtores televisivos, radiofónicos e outros que tais, aqueles senhores inteligentes a pensar pelas pessoas …

 

Que …

.. decidem: “é isto que eles querem, tomem lá, não se preocupem em pensar, não vos vamos mostrar coisas com textos muito profundos que fazem pensar”. É que se o povo começa a pensar muito, a ficar muito inteligente, isso é perigoso e eles preferem deixá-lo nesse obscurantismo. Desse ponto de vista, sim, é fascizante, é uma certa forma de fascismo legitimada pelo voto da democracia.

 

Viver sem se render a essa fascização não é fácil ..

Pagas a fatura e tens de criar alternativas para sustentar essa tua forma de estar, essa tua liberdade. A liberdade é cara, muito cara ! Pagas, todos os dias, a liberdade do que fazes e do que dizes. Eu faço isso e pago bem caro ! Mas não abdico.

 

Ser o autor do hino de dois clubes adversários (Vitória SC e Moreirense FC) resulta de uma paixão clubística repartida ?

De uma consciência. Antes de ser vitoriano, do Moreirense, Torcatense ou de outro, eu sou vimaranense. Faço o que estiver ao meu alcance para elevar o que é de Guimarães. Fiz o hino do Vitória espontaneamente e o do Moreirense surgiu de uma sugestão. Clubes da primeira divisão, fora de Guimarães, já me pediram para fazer um hino, de forma remunerada, mas eu não faço, esse produto não vendo. Mas faço para qualquer clube de Guimarães.

 

No Vitória foi, entretanto, criado um hino pelo José Alberto Reis e adaptada uma música de Rod Stewart pelo Zé Miguel, com letra de Miguel Bastos. Como lidam os três ?

Muito bem ! Não há nenhum azedume e que não existam quaisquer dúvidas em relação a isso. Não há nenhuma postura do tipo “esta é que é boa, aquela é fraca”. Mais: nos meus últimos espetáculos aqui em Guimarães – e porque fez 2 anos do desaparecimento físico do Neno - falo do Neno, canto uma canção dele e as três canções do Vitória. Tenho, aliás, uma máxima: no que toca às cantigas de incentivo ao Vitória, é como quem tem fé, quanto mais rezar, melhor. E o Vitória, em vez de 3 cantigas, se tivesse 300, melhor ainda.

 

300 hinos?

Vou mais longe ! Adorava que no Afonso Henriques, com os tipos de Lisboa ou de outro sítio qualquer, a entrar no estádio uma hora antes, do princípio ao fim, só ouvir músicas do Vitória e de Guimarães. E os adversários saírem daqui, chegarem à terra deles e dizerem “aqueles gajos são mesmo únicos. Levei uma injeção de músicas do Vitória e de Guimarães”. Únicos em quê? Numas coisas bem e noutras assim-assim, mas nestas é que eu gostava que fossemos únicos.

 

Alguma razão para essa sugestão não ser aceite?

As cantigas do Vitória no estádio têm ciclos políticos, mas, em abono da verdade, a Direção atual é a única que passa os três hinos no estádio. Não deve haver um olho fascizante a dizer “este não é por mim, é contra mim e não passo a música dele”. O Vitória é uno e indivisível.

 

Falaste no teu amigo Neno. Uma figura transversal a toda a comunidade vimaranense que recolhe um consenso generalizado …

O Vitória deu-lhe essa oportunidade e notoriedade, mas foi ele, de per si, que se afirmou, com a sua forma de estar, com a sua alegria, dinâmica e versatilidade. Houve momentos em que o Neno já se confundia com o Vitória e há situações - não me levem a mal os vitorianos – em que já estava para além do Vitória.

 

Já era um Embaixador de Guimarães?

Sim, sim !

Deveria ser reconhecido como tal, mesmo que a título póstumo ?

Tenho dificuldade em falar nisso. Não me perguntaste, mas se algum dia alguém pensasse fazer-me um reconhecimento … que o façam agora. Digam bem de mim agora e digam mal de mim agora, não depois. O Neno … estou convencido que alguém o teria feito. Acredito que um dia receberia a Medalha da Cidade. Ninguém contava que ele fosse embora tão cedo.

 

Mesmo assim, esse reconhecimento deveria surgir ?

A maioria das pessoas entenderia e consideraria muito justo e eu também entendo justo. Mas eu não gosto de homenagens póstumas.

 

Regressando ao Vitória, o hino surgiu aquando da época áurea, na década de 80, num momento em que apareceram as “rádios pirata”. Foi a conjugação da fórmula perfeita ?

Conjugação perfeita, caso contrário o hino teria morrido ali. As rádios, a Rádio Guimarães e o Vitória estavam fortes e as pessoas associam o hino ao momento.

 

Momentos marcantes ...

O jogo com o Atlético de Madrid !... O Toural cheio, a Rádio Guimarães a transmitir o relato pelas colunas espalhadas pelo largo, eu a cantar o hino vezes sem fim. O Jesus defendeu o pênalti e passámos a eliminatória ! Festa toda a noite e depois a receção à equipa no dia seguinte.

 

Na Rádio Guimarães, desempenhaste todas as funções e até inventaste uma “mala de relatos milagrosa”. As rádios pirata foram projetos de criatividade, crescimento e de oportunidades ?

Completamente ! Deram a oportunidade a pessoas que, ainda hoje, estão no terreno e são profissionais e a outras que, com menos jeito, também tiveram a sua oportunidade de abrir horizontes, aprender, partilhar e de serem, no futuro, melhores cidadãos, de terem um olhar e sentido crítico. Foram projetos livres, absolutamente livres.

 

Espaços de liberdade e de cidadania?

Liberdade, cidadania, formação e, nalgumas vezes, até de algum abuso nessa liberdade. Nalguns momentos fazíamos o que nos dava na real gana ... Havia essa liberdade total mas, às vezes, alguma irresponsabilidade. Mas era uma irresponsabilidade sadia e saborosa.

 

Essa liberdade existe hoje na imprensa local ?

O diagnóstico está feito. Na imprensa local são empresas de comunicação que têm de pagar despesas, salários e ter lucro. Com as rádios pirata era diferente, ninguém ganhava dinheiro - até gastava algum do seu bolso – e os patrocinadores não patrocinavam para promover e valorizar as marcas, faziam-no “para ajudar” e por vaidade. Hoje é diferente, é mais complicado, é preciso ter dinheiro para pagar ordenados.

 

Mas isso …

Poder ser uma prostituição intelectual ! Se estás a fazer uma coisa para sobreviveres, aquilo que te dá voltas ao estômago, mas o fazes porque tens de pagar as contas ao fim do mês … isso é prostituição intelectual.

 

Essa observação é forte …

Eu já o fiz ... É uma dor muito forte, é mesmo prostituição intelectual, é terrível. Recordo-me bem quando pisava os palcos e cantava o “Pito da Maria” que me recuso a cantar hoje. Mas cantava porque tinha de pagar as contas ao fim do mês. 

 

O que mais gostas e o que menos gostas em Guimarães e dos vimaranenses ?

Gosto muito de Guimarães e dos vimaranenses. E do Vitória, de tanta coisa …!!!. Mas às vezes … vejo tanta gente capaz de sair à rua por um pênalti roubado ao Vitória, mas que é incapaz de sair à rua porque o Governo, a Câmara não fez aquilo que devia ter feito. Adoro o Vitória, mas na sua dimensão. Na cidadania, na intervenção cívica e política os vimaranenses deveriam ser mais atentos e vigilantes. Tudo o que semeares hoje vais colher amanhã e eu noto que, em Guimarães, há muito falta de intervenção cívica clarividente.

 

Os vimaranenses inspiram-se no ímpeto conquistador de Afonso Henriques mas estão adormecidos na participação cívica?

Completamente. Isto não é nada connosco, eles foram eleitos para resolver, são eles que resolvem. É assim que pensam. Mas se eles disseram que iam resolver, eu devo chatear para que resolvam. Vai à Assembleia Municipal ver quantas pessoas lá estão. Às vezes, tens uma ou outra, mas apenas quando estão no verbo eu. É aquela pessoa que vai lá por causa da coisinha dela. Da coisa coletiva, não vai ninguém.

 

Andamos a dizer “Aqui nasceu Portugal”, o Afonso Henriques foi o conquistador, orgulha-nos e é a nossa inspiração …

São frases feitas. Levar isso à prática … estamos muito, muito, muito longe.

Como está Guimarães em termos culturais?

Temos uma série de associações a fazer coisas belíssimas e apenas com trocos. Associações que sabem trabalhar, mostrar, organizar, propor e fazer, sendo algumas iniciativas com o apoio do município. A Capital Europeia da Cultura (CEC) foi interessante para se aprender a saber como se faz, como se fazem as candidaturas … até deu para alguns viverem disso, o que é uma coisa fabulosa (risos). Fazem bem os papéis, coisa e tal e depois vamos ver o que aconteceu … isso não interessa nada, até logo …

 

Há coisas por esclarecer desse período ?

Não, não, eu estou a dizer que aprenderam nesse período e que hoje utilizam bem associações, que não sei de onde são, mas que têm projetos e recebem apoios. Acho isso fantástico … Mas o balanço da CEC é altamente positivo embora não seja possível ser tudo perfeito.

 

Depois das Quartas-feiras Culturais, da Euro Arte, da CEC e de outros projetos pontuais, Guimarães necessita de novos objetivos agregadores e mobilizadores ?

A minha linha de pensamento, sendo verdadeira, não é absoluta. Ou os projetos nascem de fora (do movimento associativo e da sociedade civil), desenhando, propondo e arranjando parceiros, ou surgem da câmara que desenha, desafia, organiza, convoca e arregimenta. Eu não tenho a receita, mas julgo que as associações mais emblemáticas do concelho deveriam sentar-se e fazer projetos coletivos, claro que tendo a autarquia como o parceiro.

 

Agregar o movimento associativo é difícil…

Gostam do seu quintalzinho …, é o meu, é a minha associação, a minha associação é a melhor do mundo. Se pensarmos assim, é impossível.

 

Numa análise mais abrangente, o antigo Presidente da Câmara, António Magalhães, afirmou que Guimarães não tem acompanhado o ritmo de crescimento de Famalicão, Braga e Barcelos. Concordas ?

Pela rama posso concordar. Gostava que o Dr. António Magalhães tivesse dito isso no tempo dele. Isto não começou hoje, nem começou no mandato do Dr. Domingos Bragança, já vinha de trás. Percebia-se que Famalicão estava a galopar, que Braga andava, embora nós de Braga, com a mistura dos futebóis, o Santos da Cunha, depois o Mesquita Machado, a capital do distrito … a gente até dava de barato que Braga andasse e nós não. O problema é que começou tudo a andar e nós a ficar para trás. Isso é um facto, os números falam por si, nem sequer é uma opinião.

 

António Magalhães tem responsabilidades nisso ?

Claro ! Ele tem razão, mas não na totalidade pois não o disse nem tomou atitudes no seu momento. É melhor tarde do que nunca. Se calhar, só o diz agora porque gosta mais, ou menos, de quem está à frente dos destinos.

 

És uma pessoa de fé ?

De grande fé. Numa perspetiva mais lata e até laica, tenho fé em mim, tenho fé nos meus, tenho fé nos nossos e tenho fé que os vimaranenses, um dia, me orgulhem ainda mais do que aquilo que me orgulham.

 

Alguma figura na Igreja Católica com a qual te revejas mais ?

Jesus Cristo. De tudo o que me contam dele, tenho de adorar aquele homem.

 

"5 respostas rápidas"

Sugestão gastronómica?
Pica no chão

Que livro está a ler?
“Na Oliveira cresci, no Castelo fiz recreio” do Luís Almeida

A música que não lhe sai da cabeça?
Uma que estou a compor, com letra do Miguel Bastos, que se chamará “Numerologia”

4. Um filme de referência?
Ligo pouco a cinema. Gosto de um que ninguém gosta: “A Vida é sempre igual” do Júlio Iglesias
 
Passatempo preferido?
O meu passatempo confunde-se com a minha atividade: a música

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de julho de 2023 do Jornal O Conquistador.]

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