Dos 100 anos de Coelima, uma exposição no CAAA para a reimaginar
Desde que Albano Martins Coelho Lima começou a sua empresa “quase como um espaço produtivo doméstico”, há 100 anos de trabalho, de palavras, de afetos, de crises que cabem nas paredes do Centro para os Assuntos de Arte e Arquitetura. O projeto de doutoramento na Bartlett School of Architecture, em Londres, foi o veículo para, em 2019, Fernando P. Ferreira iniciar uma viagem prestes a materializar-se numa exposição que se entrelaça na história da Coelima, “vasta, riquíssima, com múltiplas camadas”, evitando, contudo, a tentação “nostálgica”, bem viva em antigos trabalhadores que contactou.
“A exposição pretende alertar para estas histórias como potencialidades”, sugere o arquiteto ao Jornal de Guimarães. “O que podemos aqui ver é todo este trabalho de arquivo, levantado e aqui presente. Por outro lado, é uma série de histórias orais levantadas, opiniões de diversos agentes – trabalhadores, um político local, o próprio sindicato têxtil”, completa, a propósito de Fábrica de Histórias: Encontrar, texere e confabular 100 anos da Coelima, mostra com inauguração agendada para as 17h00 de sábado, que ficará patente até 18 de junho.
O trabalho de Fernando P. Ferreira emerge como tentativa de “um início de um diálogo”, de “baixo para cima e não de cima para baixo”, para “reimaginar” uma fábrica sem “plano original”, que teve um “crescimento progressivo” até se tornar numa unidade “vertical” – integração de todas as etapas da cadeia produtiva – e que deixou um “legado social” não só à “comunidade têxtil da Coelima”, como à “comunidade de Pevidém”, graças a elementos como a “cooperativa de consumo”, o centro de formação, o pavilhão gimnodesportivo ou os “bairros sociais”.
Num percurso que tem 1991 como o ano da “grande crise”, o ano em que a família Coelho Lima perde “todo o legado patrimonial”, há um antes, que corresponde à “história mais consolidada”, digna de um “estudo imersivo” por um mês no centro de documentação da Coelima; baseia-se narrado pelas 299 edições do boletim mensal da empresa – O Miral entre 1963 e 1972, tornando-se depois o Boletim Coelima, que viria a ser trimestral “nos anos tardios”, até ao encerramento em 1989.
O depois corresponde aos “últimos 30 anos”, marcados pelas mudanças administrativas e pela falta de “documentação escrita”, que obriga a uma construção oral da história, com entrevistas a membros da comunidade. Nesses “exercícios”, o mestre pela Escola de Arquitetura da Universidade do Minho apercebeu-se que a relação entre a comunidade e esse “cosmos fabril”, de “peso muito preponderante” em Pevidém, está “fraturada”.
“Por toda a minha experiência dos últimos três anos a lidar com a comunidade de Pevidém, isto está fraturado. Então é realmente importante fazer primeiro o processo de união para imaginar um futuro diferente”, vinca.
Evitar os “clichés”, se possível
A “escavação histórica”, crê Fernando P. Ferreira, é necessária para se perceber como o “património edificado” tem sido, nos últimos 30 anos, “tratado”, “destratado” e “desmantelado” aos poucos. Para o arquiteto, é a melhor forma de “reimaginar novos usos ou novas formas de ocupação para a fábrica, que fomente um uso público para a comunidade”, ainda que a empresa de têxteis-lar se mantenha em funcionamento; depois de um auge de cerca de 3.500 trabalhadores no início da década de 80, tinha cerca de 250 aquando do processo de insolvência do ano passado, que levou à sua compra pela Mabera, em assembleia de credores, a 25 de junho.
O investigador crê ainda que a exposição pode “despertar o interesse” dos antigos trabalhadores, até pela “imagem nostálgica, de amor à fábrica” que lhe transmitiram, mas também as “gerações mais novas”, que são o “futuro” e podem vir a explorar “novas possibilidades para a fábrica”. Essas possibilidades, realça, devem ter em conta as “especificidades” da comunidade de Pevidém e do Vale do Ave, em geral, sem embarcarem em clichés de recuperações tidas noutros pontos da Europa, como Manchester, o epicentro têxtil da Revolução Industrial.
“A inspiração é importante, até para vermos como resolveram questões mais técnicas, de pormenor, de detalhe, mas temos de responder de forma específica. Em processos de regeneração industrial, por exemplo em Manchester, tende-se a cair quase em clichés programáticos, como o de transformar a fábrica num museu ou num hub cultural”, avisa.