Economia circular em Portugal ainda é residual, mas há pistas para melhorar
O volume de negócios com raiz na economia circular corresponde às receitas obtidas a partir da reutilização ou da reciclagem de matéria-prima para a criação de bens e serviços. Em 2020, o valor daí provindo correspondeu a 2,8% do volume de negócios de Portugal. A média europeia foi de 12,8%. Perante esses dados, a diretora executiva da Associação Smart Waste Portugal (ASWP), criada em maio de 2015, para “potenciar o resíduo como recurso”, admitiu que é preciso “sensibilizar as empresas para a relevância da economia circular”.
“O encerramento do projeto Be smart, be circular é, na prática, uma continuidade. É hora de colocar as ferramentas [deste estudo] ao serviço da economia. Este projeto surgiu da dificuldade em promovermos esta associação, a nível da devolução dos resíduos”, esclareceu Luísa Magalhães, numa apresentação decorrida no Centro para a Valorização de Resíduos (CVR), instituição privada de utilidade pública, sediada no campus de Azurém da Universidade do Minho.
Criado para dotar as empresas, nomeadamente as pequenas e médias (PME), de conhecimento, informação e ferramentas para realizarem a transição para a economia circular, o Be smart, be circular envolveu a realização de um estudo sobre o potencial de desclassificação dos resíduos. Raquel Almeida, da Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI), apresentou exemplos de transição em três setores preponderantes para as economias: construção, indústria química, de borracha e de plásticos, indústria têxtil, de vestuário e de produtos de couro.
Na construção, deu o exemplo de um projeto de recuperação de materiais de construção e de energia na Áustria. Já a Noruega foi o país apontado para a indústria química, com um processo de transformação de resíduos de plástico em subprodutos para bens futuros. No têxtil e vestuário, setor predominante na economia vimaranense, a Bélgica tem levado a cabo um projeto de “pontos de costura facilmente desmontados.
“Não é um exemplo direto da economia circular, mas potencia-a na indústria têxtil”, esclareceu Raquel Almeida, antes de apresentar as conclusões. Segundo o trabalho da SPI, existe uma “falta de harmonização regulamentar entre estados-membros da União Europeia” quanto à valorização de resíduos, apesar do trabalho de Portugal para “agilizar e simplificar os procedimentos”. Refere-se ainda a Bolsa de Resíduos da Catalunha como “exemplo de plataforma agregadora a adotar” para se criar um mercado de resíduos.
A ideia de mercado de resíduos foi aprofundada por Pedro Pinto, da empresa IT Inspire, criador da plataforma eletrónica My Waste. Num mecanismo semelhante ao da plataforma OLX, a ferramenta digital procura cruzar pessoas que tenham resíduos a doar ou a vender e clientes desses resíduos com vista à sua transformação em valor.
“Aquilo que é um resíduo que pode ir parar uma sucateira tem valor para muitas entidades. Funciona segundo o princípio de que o lixo de uns é o tesouro de outros”, explicou o responsável, enquanto mostrava um tijolo feito de resíduos.
O guia de boas práticas para as empresas era outro dos atributos do projeto financiado pelo Compete, do Portugal 2020, recomendando, por exemplo, mecanismos de “compensação de carbono para a sua atividade” e “oferta de produtos que restabeleçam a saúde dos ecossistemas”.
“A recolha de resíduos é o parente pobre da economia circular”
Para o presidente da ASWP, Luís Realista, a “recolha de resíduos é o parente pobre da economia circular”, numa referência a um trabalho do especialista em política económica e antigo ministro da Economia, Augusto Mateus. “As políticas e práticas de recolha têm de ser efetivas”, disse.
E têm de abranger todos os campos da produção de resíduos, como o dos “equipamentos elétricos e eletrónicos”, onde escasseia “a recolha e o tratamento em dimensão considerável”. O vidro é outro setor que merece atenção, como o papel, o cartão e os desperdícios alimentares. Já o plástico tem “mobilizado de forma singular muitos elementos de vários setores de atividade, da distribuição à produção, para a sua correta utilização”, frisou o dirigente.
O diretor executivo do CVR frisou, por seu turno, que Portugal apresenta uma taxa de tratamento de resíduos em aterro inferior à da União Europeia (UE) e uma taxa de reciclagem superior à média. Há, porém, “muita margem para maior circularidade dos materiais”.