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Entre fantasmas e promessas, Teatro Oficina reflete ideia de “estar aquém”

Tiago Mendes Dias
Cultura \ quinta-feira, dezembro 04, 2025
© Direitos reservados
“Tudo em Avignon e eu aqui” é a mais recente criação de Bruno dos Reis, diretor convidado da companhia. Em palco, os intérpretes apresentam-se como fantasmas de figurações ideais, sempre inatingíveis.

Os atores em palco são de carne e osso, mas quase todos eles falam e representam como fantasmas. Esses fantasmas são projeções de diferentes facetas de Chalino Sánchez, um cowboy – representação do super-herói dos Estados Unidos que nunca despe a farda – que é “trovador dos cartéis” do México e cria uma lenda acerca de si próprio, numa “fantasia de algo que não aconteceu realmente assim”, sugere Bruno dos Reis, encenador e dramaturgo de “Tudo em Avignon e eu aqui”, a mais recente obra do Teatro Oficina, companhia da qual é diretor convidado.

As várias dimensões de Chalino Sánchez ecoam no imaginário de Rebeca Cunha, atriz que representa, em nome próprio, a única personagem que não se expõe como fantasma. A carga dramática que a acompanha advém de uma promessa estabelecida desde criança: a de subir ao palco como atriz após ter visto o pai, Jacinto, representar no Teatro Oficina.

“Há duas fações. Uma é como é que hipoteticamente a vida da Rebeca foi ela que a escolheu ou construída de certa maneira para ela. Como é que isso pode ter sido hipoteticamente uma promessa entre ela e o pai. E como é que esses mecanismos de representação vão ficar de certa maneira aquém, porque nunca conseguimos ser tudo aquilo que realmente queremos, porque as coisas nunca correm como realmente queremos”, descreve Bruno dos Reis, a propósito do espetáculo que se estreia no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), no Grande Auditório Francisca Abreu, com sessões nos dias 13 de dezembro (21h30) e 14 (18h00).

No ensaio de imprensa que antecedeu a estreia, realizado esta quinta-feira, na black box da Fábrica Asa, a promessa de Rebeca Cunha, atriz vimaranense, é o coração de uma obra em que Chalino Sánchez surge como engenho dramático - o seu nome, a sua lenda dão vida aos fantasmas que pairam sobre Rebeca – e em que as referências a Shakespeare, a Tchékov, a Tiago Rodrigues e à própria história do Teatro Oficina pontuam as cenas. "O teatro é uma máquina de fantasmas. O que aqui existe é a representação, a quase vida, mas não lhe conseguimos tocar, como escreve Pessoa. Como trabalhamos necessariamente sobre a memória, é inevitável que seja cheio de fantasmagorias. (…) Na forma como conversamos uns com os outros, há gestos que herdamos da forma como o teatro se fazia em 1500 e muitos. Essa forma do tempo avançar, do futuro ser transladação de gestos e de promessas e de palavras. A fantasmagoria é necessária à criação do futuro", assinala o encenador que já levou ao palco dos Festivais Gil Vicente “Vi o Ayrton Senna morrer nos olhos do meu irmão”.

A alusão no título da peça a Avignon, cidade que acolhe um dos mais reconhecidos festivais de teatro do mundo, é mais do que uma alusão a esse evento, uma alusão ao facto de a urbe francesa concentrar, todos os anos, “as grandes figuras que estão à frente da imaginação da civilização ocidental e não só”. Ou seja, o “aqui” do título evoca a noção de se estar aquém do cenário ideal.

“Se o que projetamos da vida e do teatro é sempre estar aquém, parece-me que, com o dobro da força, tudo em Avignon e nós aqui. Aqui não é Guimarães. Aqui é o lugar que não chega a esse bastião. Não é o festival. É a ideação perfeita", detalha.

 

Bruno dos Reis (à direita) com o elenco de "Tudo em Avignon e eu aqui" © Mafalda Mendes

Bruno dos Reis (à direita) com o elenco de "Tudo em Avignon e eu aqui" © Mafalda Mendes

 

“Os olhos de quem vê determinam o que está a ser visto”

Com assistência à encenação de Nuno dos Reis e assistência à dramaturgia de Simão Freitas, “Tudo em Avignon e eu aqui” é interpretada por Ana Fonseca, Daniel Seabra, Duarte Melo, Jacinto Cunha, Iuri dos Santos, Martinha Carvalho, Rebeca Cunha e João Cravo Cardoso, que vê na peça “um comentário sobre formas de se fazer teatro” e uma forma “de baralhar e voltar a dar elementos da realidade para compor uma ficção”, que reflete sobre a própria representação – tem portanto uma dimensão de metateatralidade.

A possibilidade de a obra desencadear sensações e significados diferentes entre o público é algo que lhe agrada em vez de o amedrontar. “Olhando para determinada obra de arte, uma pintura, por exemplo, um pintor verá a técnica, eu verei uma sensação. Os olhos de quem vê determinam o que está a ser visto. Poderá haver quem se sensibilize pela história do Chalino. Pelo facto de estarmos no Teatro Oficina, em Guimarães, muitos sensibilizar-se-ão com a história do Jacinto e da Rebeca. Eventualmente, alguém ficará sensibilizado com a metateatralidade e com o comentário implícito a várias formas de fazer teatro. Uma das características que me dá gosto ter aqui é justamente essa ambivalência. Não fechamos leituras. O risco está lá. Sem risco, faríamos outra coisa", descreve.

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