Entre o recato do dia a dia, uma quadra que não passa ao lado desta família
O dezembro de Guimarães é mais ameno que o dezembro de Damasco; abrigada pelas montanhas, a capital da Síria exibe um clima árido, mais quente do que o vimaranense no verão e mais frio no inverno. Muçulmana, a família de Muhamad vive na cidade-berço há sete anos, mas já conhecia as celebrações de Natal antes da mudança. No seu país de origem, o quarteirão cristão de Damasco reveste-se de iluminações e decorações, enquanto a pequena cidade de Maaloula, um dos derradeiros bastiões do aramaico, a língua associada a Jesus Cristo, celebra a data.
“Em Maaloula, vivem muito o Natal. Não vivemos o Natal, mas respeitamos”, explica a família. Este é, contudo, um tempo que não passa ao lado da família; as pausas letivas e a crescente relação com as amigas mais próximas deu-lhe a conhecer um dos hábitos do Natal luso, a troca de presentes.
Uma das mais novas do clã descreve o momento: “Em casa, não trocamos presentes, mas com as minhas amigas sim. Na escola, trocávamos prendas”. Há um de que se recorda em particular: a entrega de uma lembrança a uma amiga com o seu nome em alfabeto árabe. “Foi com as minhas amigas que aprendi muito do português que falo. Elas também têm curiosidade pela minha língua”, resume.
O bulício da cidade nesta altura do ano é-lhe cada vez mais familiar, das luzes das decorações à pista de gelo que já experimentou. A 29 de novembro, também foi parte do infindável ribombar do Pinheiro, embora a palavra na ponta da língua Natal das Comunidades — Síria para descrever Guimarães seja “calma”; afinal cresceu nos arredores de uma metrópole com 2,5 milhões de habitantes, antes de passar pelo Egito e de se mudar para a Europa.
Os dias 24 e 25 de dezembro pautam-se pela serenidade: "Não é um dia muito importante para nós, mas percebemos que é importante para as pessoas à nossa volta. Fazemos as nossas orações como nos outros dias. E também não há grandes diferenças na comida”.
Ainda assim, são dias em que há mais tempo para estar em redor da mesa: o kibbeh, espécie de croquete de carne picada de ovelha ou borrego, ou o kishik, à base de iogurte, são alguns dos pratos sírios mais reconhecidos, tal como o falafel, também semelhante a um croquete, comum a todo o Médio Oriente.
A família já dispõe desses produtos em supermercados de Guimarães. A noz, a canela, o arroz e o leite compõem muitas das sobremesas, embora, nesse Quanto aos doces, a família já abraçou o que Portugal lhe oferece: o bolo-rei e o pão-de-ló já fazem parte da ementa. O bacalhau, esse, é mais difícil. “É muito salgado”, confessa. Habituada a conversar todos os dias à mesa, ritual apreciado na sua cultura nativa, a família também aproveita o dia 25 para passear. Embora goste de visitar o Porto, sente-se mais relaxada no Vale do Ave. Encontra até semelhanças entre as mais antigas casas vimaranenses e algumas velhas casas de Damasco: “Eram muito parecidas”.