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Diogo Leite Ribeiro: “Direção deve apresentar contas intercalares"

Redação
Desporto \ quinta-feira, fevereiro 23, 2023
© Direitos reservados
Vice-presidente do Vitória entre março e agosto de 2022, altura em que se demitiu, Diogo Leite Ribeiro lamenta "falta de colegialidade" nas decisões, numa entrevista onde aborda finanças e formação.

Na primeira entrevista após a demissão de agosto de 2022, o antigo vice-presidente do Vitória Sport Clube esclarece as razões da renúncia: falta de colegialidade, ausência de pareces técnicos para sustentar as decisões e o “modus operandi” nas contratações e nos despedimentos. Na entrevista em exclusivo ao jornal O Conquistador, o advogado vimaranense, de 46 anos, fala ainda da equipa B, da formação, do futuro do Vitória, da sua passagem pelo Xico Andebol e da possibilidade de desempenhar um cargo político.

 

ENTREVISTA: Esser Jorge Silva e José Luís Ribeiro

 

É-lhe atribuído o mérito de recuperar financeiramente e de estruturar o Xico Andebol. Sentiu reconhecimento público por esse trabalho?

Senti reconhecimento de quem esperava: da minha família, dos meus amigos, da “tribo” do Andebol (Federação: Miguel Laranjeiro e Augusto Silva; Presidente da Associação, Manuel Moreira), dos sócios, treinadores, jogadores, colaboradores, dos fornecedores, patrocinadores e de quem fez parte daquela equipa (Direção e demais Órgãos Sociais). Esse é o maior reconhecimento para quem trabalha no recato para, no futuro, entregar o clube melhor do que o recebeu. Não precisa de outro.

 

A “receita” aplicada na recuperação do Xico era possível no Vitória?

Há valores e princípios que se aplicam a todas as organizações desportivas mas ao nível de exigência e de recursos são exponencialmente mais elevados no Vitória. O Xico Andebol é uma estrutura amadora que teve uma gestão profissional, o Vitória é uma estrutura profissional e nunca deveria ter tido uma gestão amadora.

 

“Transparência” é uma palavra que lhe assenta? Sejamos então transparentes: porque se demitiu de Vice-Presidente do Vitória?

Os membros da Direção do Vitória têm de estar cientes que receberam um mandato, uma prova de confiança de cada um dos sócios e que estes esperam que quem está de passagem nos destinos do clube faça tudo pelo Vitória. Esta responsabilidade é muito maior por ter sido obtido um resultado com quase dois terços do universo eleitoral, pois significa que o projeto, o programa e a mensagem da campanha foram compreendidos e aceites de uma forma esmagadora.

 

A mensagem …

Uma das mensagens foi a colegialidade das decisões, esta é uma das regras que se aprende no associativismo. Tomar decisões colegiais, obter e recolher pareceres técnicos em detrimento de decisões isoladas. Dá muito trabalho, é preciso tempo e maturação mas é imprescindível ! Vejam os problemas que o Vitória teve com as decisões de um homem só, isolado e alheado da realidade e do universo vitoriano! O Vitória, para se vincular, necessita que os Vice-Presidentes assumam e assinem. Amanhã, cada um deles terá os louros e louvores do sucesso do caminho escolhido, o escrutínio e o peso das decisões, mesmo que admitidas por omissão ou se tomadas apenas pelo Presidente.

 

A demissão teve origem nisso?

A renúncia ao mandato foi o corolário de um processo gradual de deterioração, de avisos e chamadas de atenção. Decorridos 15 dias sem qualquer alteração na forma de gerir o futebol e na tomada de decisões estruturais na vida financeira do Vitória, nada mais me restava do que renunciar ao cargo, dando nota aos Presidentes dos demais órgãos. Manifestei total disponibilidade para passar todos os assuntos em mãos a quem me substituísse, mas deduzo que tal não foi necessário, pois nada me foi pedido. Remeti-me ao silêncio, preservando a instituição, fazendo-o apenas agora, depois de encerrado o mercado de inverno de transferências, ou seja, sem qualquer interferência ou possível prejuízo para o Vitória. No fundo, demiti-me por uma questão de princípio e na defesa de valores de que não abdico.

 

Pode concretizar?

Houve um “modus operandi”, nas contratações e nos despedimentos, que não se coadunava com as boas práticas de procedimentos e regras que preconizo como elementares. Se antes eram alvo de crítica às anteriores Direções, depois não podem cair em prática reiterada, mesmo que a comunicação do Vitória confira um embrulho que embeleze esse tipo de decisão.

 

Como por exemplo?

Era importante que a dispensa do diretor desportivo Diogo Boa Alma, do treinador Pepa, a venda do Rochinha ou do Herculano, as contratações dos treinadores Moreno, João Aroso, do diretor desportivo, do André Silva, as escolhas dos atletas da equipa sub23, as contratações da equipa B fossem precedidas de uma análise e ponderação das diferentes soluções. Acredito que a auditoria prometida para daqui a 2 anos, vai identificar o mesmo tipo de erros que a auditoria ao mandato anterior, cujos resultados preliminares já deviam ser conhecidos há 5 meses, certamente identificou.

 

Falta cultura de exigência?

É evidente que há muitas decisões positivas, mas não podemos ficar satisfeitos se uma decisão errada hipoteca 7 ou 8 boas decisões. Somos muito exigentes com os treinadores e jogadores e temos de o ser com a Direção, pedir ao Conselho Fiscal e à Mesa da Assembleia que exerçam as suas funções, que o Conselho de Jurisdição seja vigilante e que o Conselho Vitoriano seja participante, do mesmo modo que todos os colaboradores do Vitória têm de ser ainda melhores profissionais.

 

Além da “transparência”, os desígnios da candidatura de António Miguel Cardoso – de que fazia parte - eram “competência, rigor, trabalho, ambição, garra e mais futuro”. Está tudo a ser concretizado ?

Posso garantir que dei o meu melhor nos cerca de 5 meses em que assumi a Vice-Presidência. Foram meses muito difíceis, sem a colaboração de quem precedeu, mas de total dedicação, onde era imperioso ao Vitória resolver muitos problemas. Quem conhece, com detalhe, a forma de funcionamento, sabe que o futebol é essencial para o “Mundo Vitoriano”, que o Vitória não teria nova oportunidade de sobreviver e que não existia margem de erro. Cada um tinha de dar, no mais curto espaço de tempo, 110%. Se todos deram ? Seguramente que não.

 

Conseguiu implementar mudanças?

Discuti e apresentei à equipa soluções para atualização e revisão da quotização e dos lugares anuais, do incentivo em pagamento antecipado, do reconhecimento ao sócio proponente e do débito direto a implementar. Isso marcará o Vitória nesta década e garantirá que, mesmo em dias e horas menos próprios, os fiéis sócios cumpram com o seu compromisso de apoio ao clube. Ainda falta a promoção do sócio coletivo e a recuperação dos sócios que, por algum motivo, deixaram de o ser.

 

Cada sócio do Vitória deve, em média, 3.300 euros. O clube custa, por dia, cerca de 60 mil euros. Os números mostram que o Vitória só é viável através de receitas extraordinárias. Não é esperar milagres a mais?

Quem acompanha as contas do Vitória e viu o aumento exponencial dos gastos com pessoal – primordialmente futebol – sabe que nos últimos 5/6 anos o Vitória iniciou um caminho de elevado risco, onde o desvio das despesas correntes em relação às receitas correntes passou de 3 ou 4 milhões para mais de 10 milhões. Daí que o Vitória tivesse que vender os seus melhores ativos por valores cada vez mais elevados. O problema é que esta receita já tinha sido concretizada num passado recente e com um resultado desastroso.

 

Isso justifica tudo?

É importante resgatar o Vitória do sequestro de que foi vítima por parte dos agentes de futebol que pululam por aí e saltam de clube em clube. Há gente a mais a passar por agente, a cobrar comissões e a fazer o papel de testas de ferro. O volume de dívida das comissões do Vitória atinge valores impensáveis. Felizmente o Presidente anunciou que o limite das comissões que o Vitória pagou foi de 10%-15% e lembro que a FIFA aprovou para esta época limites de 3% a 10%. Ora, tendo o Vitória anunciado vendas de 20 milhões, podemos considerar um encaixe líquido na tesouraria de 17/18 milhões. A ser verdade, este é um excelente resultado, para mais quando implicou igualmente uma redução da massa salarial, que o Presidente anunciou, de 35% e que certamente se traduzirá numa redução proporcional nos fornecimentos e serviços externos e no número de colaboradores.

 

Positivo, então?

Decisões que permitiram fazer o mercado de inverno sem vendas e ainda com compras. Se antes o Presidente anunciou que o Vitória, neste mercado, tinha apenas uma necessidade de realizar vendas de 2,5 milhões e se, pelo contrário, optou apenas por comprar, é imperioso que a Direção ainda este mês de fevereiro, evidencie em contas intercalares, reportadas a 30 de janeiro de 2023, qual a solução encontrada para garantir a estabilidade financeira do clube nos próximos 4 ou 5 meses.

 

Em que medida essas contas intercalares são importantes?

Estou certo de que em breve teremos novidades. A Direção deve apresentar contas intercalares para sabermos se o Vitória está no caminho da verdade e da recuperação. Só então perceberemos que o garrote está um pouco mais aliviado. Mesmo assim, não tenha dúvidas de que na próxima época desportiva o Vitória continuará sem qualquer capacidade financeira de investimento, pelo que não são admissíveis novos erros de casting. Salvo, se acontecer algo imprevisível, como a venda pelo Porto do Vasco Sousa ou do João Resende pelo Benfica.

 

A formação sofreu um revês que desarticulou a passagem futura de jogadores jovens para a equipa sénior. Como vai o Vitória sobreviver no futuro, sem ativos da formação e com um passivo de 50 milhões de euros?

Acredito no sucesso desportivo, muito por mérito da dupla Moreno/João. Não diria que o Vitória sofreu um revês na formação. O que se ponderou, há cerca de um ano, foi a existência da equipa sub23 e o nível competitivo em que estava inserido onde a faixa etária era coincidente com a nossa equipa B. Tínhamos duas equipas sub-23 e esta faz sentido para os clubes que não têm equipa B. Com o fim de um plantel, o que se esperava era que o departamento de observação, treinadores e scouting apresentassem um plano dos atletas que, tendo contrato com o Vitória, fossem jogadores para integrar - no momento ou no futuro - a equipa A e aqueles que apenas teriam condições para evoluir no patamar da equipa B. Só depois é que a administração da SAD, analisada a vertente financeira, é que deveria colegialmente decidir quem fica ou sai e, naturalmente, determinar quem ficaria encarregue de concretizar essa tarefa. Infelizmente, faltaram esses procedimentos e regras.

 

Os resultados da equipa B são péssimos!

A situação da equipa B é caótica e não compreendo alguma contestação ao “nosso” Moreno, que aceitou um desafio, recebeu um plantel com lacunas e não virou a cara à luta, enquanto reina uma “paz podre” no projeto da equipa B, que acabou de receber mais reforços e está numa situação preocupante. A equipa B não pode descer de divisão, sob pena de termos de questionar como poderá uma equipa profissional competir na 4.ª divisão! Para quem precisa de assentar o futebol na formação, a situação é quase semelhante à descida de divisão da equipa A. Vejam a diferença entre as equipas: na B temos quase 20 atletas estrangeiros de 10 diferentes nacionalidades, enquanto na A temos uma matriz claramente portuguesa. A sobrevivência do Vitória terá que passar pela formação local, pois o clube é um viveiro de atletas, alguns internacionais, com uma equipa modelo sub15/16, que tem de reter talento, seja de atletas, treinadores ou colaboradores. O Vitória vai continuar a criar talento como o André Almeida, o Gui, o Händel e a aproveitar outros como, por exemplo, o Tapsoba, o Marcus, o Raphinha, o Geromel, o Dani Silva ou o Bamba. Infelizmente, no mundo do futebol as escolhas são quase sempre feitas não pela competência e qualificações e segundo um parecer técnico, mas pelo conhecimento empírico.

 

Está a ser colocada ao Vitória a imagem de clube racista. De quem é a culpa: dos “inimigos externos”, que é preciso combater, ou dos “amigos internos” que é imperioso proteger?

Passamos tempos difíceis no que à comunicação diz respeito. O poder da imagem e da sugestão é letal. O cidadão partilha uma informação, notícia ou suspeita a uma velocidade instantânea, não cuidando de aferir a veracidade e de medir os danos. Nesta questão do racismo, houve um aproveitamento da comunicação, embora reconheça que temos muito trabalho a fazer no que concerne ao comportamento individual que potencia o coletivo. Continuo sem entender a razão pela qual se insultam adversários de jogo, quando podemos transferir essas energias para apoio aos nossos atletas.

 

A igreja, como defende D. Jorge Ortiga numa Carta Pastoral, deve ter um papel para tornar o desporto “verdadeiramente humano e aberto a valores intemporais” ?

É um papel de todos. Só com formação e apoio poderemos ter melhores jovens e um desporto mais sadio, onde a vitória e a derrota são faces da mesma moeda. Todos querem ganhar, mas todos têm de estar preparados para o fracasso e para a derrota. Saber ganhar é tão importante como saber perder. Só neste equilíbrio entre a mente e o corpo, teremos uma melhor sociedade.

 

Guimarães continua a afirmar-se no panorama regional ou nacional ou vivemos a era de “marcar passo”?

Vivemos a era do marcar passo. Falta uma aposta na meritocracia. A opção é da igualdade pela mediocridade e qualquer vitória num campeonato de rua ou de bairro é levado a um patamar de distribuição de medalhas e à celebração numa gala. O mínimo para o reconhecimento público deveria ser o título de campeão nacional, salvo honrosas exceções como o trabalho feito diariamente e de forma desinteressada pela integração de alguns jovens com limitações. Gostava que o Vereador do Desporto, Nélson Felgueiras, visse uma semana de treinos de judo dado pelo Mestre Emídio, no Vitória. É algo que não tem preço para a nossa sociedade e é o expoente máximo da igualdade entre todos. É impressionante como quase sem recursos físicos e financeiros, aquela equipa consegue fazer um trabalho de excelência, de “campeões nacionais”.

 

Pode-se imaginá-lo a desempenhar futuramente um cargo político?

Hoje diria que não, pois motiva-me mais o mundo das empresas, a dinâmica do mercado laboral, da inovação e da procura de soluções, sem medir e pensar que a decisão a tomar está balizada pelo voto anónimo ou por interesses ocultos.

 

5 RESPOSTAS RÁPIDAS
  1. Sugestão gastronómica?

Cabrito em forno a lenha.

 

  1. Que livro está a ler?

"A lista do juiz" – John Grisham

 

  1. A música que não lhe sai da cabeça?

"Come as you are" – Nirvana (versão unplugged)

 

  1. Um filme de referência?

"Os 7 pecados mortais" – David Fincher

 

  1. Passatempo preferido?

Fazer puzzles.

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de fevereiro de 2023 do Jornal O Conquistador.]

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