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ENTREVISTA | Estela Machado: “O jornalismo ouve muito, mas ouve mal”

Redação
Sociedade \ sexta-feira, julho 01, 2022
© Direitos reservados
Deixou a RTP para assumir o cargo de Diretora-Adjunta do Porto Canal. Em criança entretinha-se em palcos imaginários de teatro e a fazer entrevistas a toda a gente.

Pertenceu a um grupo coral, foi catequista e estudou na secundária Martins Sarmento. Estela Machado, 42 anos, concretizou o sonho de menina abraçando o jornalismo com orgulho e sentido de missão. No cabal público apresentou o programa “Outras Histórias”, “uma página de jornalismo, mas jornalismo com tempo”.

Entrevista de José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

Aos 14 anos colaborava com a Rádio Fundação e depois prosseguiu pelo Rádio Felgueiras, NTV, RTP e agora é Diretora-Adjunta do Porto Canal. O jornalismo é uma vocação ou uma profissão como outra qualquer ?

Primeiro o jornalismo era um sonho. Depois percebi que tinha vocação e, mais tarde, tornou-se num propósito. Hoje é o meu sonho tornado realidade e a minha profissão com muito orgulho e sentido de missão e de grande responsabilidade.

Jornalismo é informar o que alguém não quer que se noticie, tudo o resto é propaganda ou relações-públicas. Este conceito permanece atual ?

Jornalismo é um conceito em evolução permanente, mas com princípios basilares muito vincados e sujeitos a poucas mudanças. O mercado onde esse jornalismo se insere é que é frequentemente reajustado e modificado e reflete-se na forma (por vezes no conteúdo) como a informação é contada. Não obstante os grupos económicos que detêm os órgãos de comunicação, eu acredito que os valores da notícia e o dever de informar serão sempre as estrelas-guia do jornalista.

 

Com a evolução do fenómeno da comunicação, quais são hoje os critérios da "notícia" ? Controvérsia, sensacionalismo, oportunidade, exclusividade ...

Há várias tipologias que se podem encaixar aqui. Perante a dinâmica concorrencial dos canais, sobretudo de notícias, esses critérios vão sendo aplicados. Creio que o rótulo de exclusividade é uma das marcas que mais pode distinguir, em determinado momento, os diferentes veiculadores de informação. Nas televisões, por exemplo, isso é mais notório ainda, mas o fenómeno está cada vez mais visível nos meios digitais.

Concorda com o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies que defende que "o jornalismo é livre, o jornalista não" ?

Eu costumo dizer que antes de ser jornalista, já era cidadã, filha, irmã, minhota, do norte, de Portugal, da Europa… Enfim, carregada de valores da minha educação e do meu contexto. Essa “genética” não se apaga. O que é certo é que no exercício da minha profissão e com o código deontológico que a rege, eu sou jornalista. Mas até como jornalista tenho um nome Estela Machado. Procuro ser independente e rigorosa, isso sim.

 

Já sentiu condicionalismos à sua liberdade enquanto jornalista ?

Externos não. Internos sim, porque sou demasiado exigente comigo e sou muitas vezes a minha própria condicionante. Quero ser tão isenta e tão correta, que consigo complicar a minha tarefa (risos)

 

A Comissão de Trabalhadores da RTP apontou o seu caso como um exemplo de precariedade, de alguém que permaneceu anos a fio com a carreira estagnada. A precariedade no emprego é uma forma de condicionar a ação os jornalistas ?

Eu não era nem nunca fui precária na RTP. Tenho um orgulho enorme em ter feito um percurso na grande casa histórica que é a televisão pública. Aprendi lá tudo o que sei. Devo referir que, tratando-se de uma empresa do setor empresarial do estado, está sujeita a regras próprias. Poderia ter sido mais valorizada? Talvez, mas nem sequer tive noção disso até ao momento de sair. A precariedade é um problema efetivo e grave na nossa área e que prejudica muito a capacidade de fazer melhor jornalismo.

A linguagem jornalística é uma ferramenta que qualquer pessoa pode assimilar. A formação deixou de ser importante para o exercício da profissão ?

A formação é sempre importante em todas as profissões, e o jornalismo não pode nem deve ser exceção. Algo fundamental é crescer e apostar em áreas de especialização, pois somos demasiados generalistas (risos). O mundo precisa cada vez mais de especialistas para informarem melhor as pessoas.

 

O espaço de comunicação multiplicou-se exponencialmente com a internet e a revolução digital. Cada cidadão é um potencial jornalista?

A guerra da Síria acabou por ser um exemplo disso. A determinada altura a noticiabilidade - ou melhor - as informações (sem filtro) eram lançadas por civis e organizações, sem filtros jornalísticos. Naquele contexto tornou-se importante, porque não havia outra forma de revelar o que se passava para fora do país, mas noutros casos pode ser muito perigoso. Veja-se o que se passa com o fenómeno das “fake news”.

 

Na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco alertou para o surgimento de uma “infodemia” que desvaloriza o papel da imprensa e dificulta tornar credível e transparente o mundo da informação. É uma dificuldade efectiva ?

A imprensa também tem responsabilidades nisso. Porque vulgarizou o papel que tem, porque perdeu credibilidade, porque não soube adaptar-se à velocidade das tecnologias. Não sei se existe uma “infodemia”, mas que existem autoexcluídos dos medias, existem. Esse é o maior problema.

O Para Francisco defende também que “não se comunica se primeiro não se escutou, nem se faz bom jornalismo sem a capacidade de escutar”. O jornalismo português “ouve” pouco ?

Ouve muito, mas ouve mal. Precisamos de ouvir para questionar, essa é uma regra básica desta profissão. Sempre: questionar-ouvir-ouvir-questionar-ouvir-ouvir-questionar. Escutar sempre, atenção plena.

 

Quando ingressou no Porto Canal disse que “o crescimento do canal passa pela informação do território”. O Porto Canal é um canal do Porto e do Futebol Clube do Porto ou a intenção é alargar a implantação ?

O Porto Canal é uma televisão que fala do território, que traz para a tv os temas que as outras televisões marginalizam. É um canal generalista em que a aposta da informação se tem revelado vencedora, em articulação com os conteúdos do Futebol Clube do Porto e de um reforço crescente das plataformas digitais.

A importância da imagem e da simultaneidade, a importância do direto, é uma ameaça ou uma oportunidade para o Porto Canal ?

O Porto Canal está em todas as frentes onde está qualquer televisão: imagem e direto, mas com prioridade para conteúdos estratégicos do e para o território que não são relevantes nos outros canais televisivos.

 

Enquanto Diretora-Adjunta, terá a oportunidade “de mais intervenção, decisão e chatices” como reconheceu. É uma mulher de desafios ?

Sou assumidamente uma pessoa que gosta de desafios, e quando acrescento a minha condição de mulher isso é sinónimo de fogo (risos). Sou apaixonada por desafios, não pelo poder. Neste caso tenho no poder um desafio e só me resta enfrentá-lo com orgulho e responsabilidade.

 

Além do jornalismo, adora desporto. Praticante ou espetadora ?

Sou praticante de exercício, não posso de dizer que faço um desporto. Adoro caminhar na natureza… Isso permite-me observar em atenção plena aquilo que acontece à minha volta e que nem sempre tenho tempo para olhar. Vou ao ginásio muitas vezes (quase todos os dias) e procuro ter uma vida saudável. Toda a gente que queira viver melhor deve procurar uma atividade física de que goste, pois é transformador para o todo: lado físico e emocional.

 

Apesar de ser uma figura pública, adotou sempre um registo de descrição. Feitio ou mecanismo de defesa ?

Ups… Não sei… Talvez as duas coisas. A idade trouxe-me a segurança de que preciso para estar como quero e onde quero. Mas, assumo que sou cautelosa com a minha imagem em público.

 

As raízes vimaranenses estão sempre presentes e em que medida influenciam o seu quotidiano ?

A minha família materna é de Serzedelo e eu vivi lá muito anos. Tenho muito orgulho nisso e do facto dessas raízes me carregarem de coragem, determinação e sensibilidade certas para lidar com a vida (riso).

 

Do “palco” do jornalismo nacional, como se vê Guimarães ?

Esta pergunta… Bem… Já fui homenageada pela Junta de Freguesia de Serzedelo. Acho que isso pode ajudar a responder (riso). Mas, provavelmente, o que mais gosto é de ser respeitada e acarinhada pelas gentes que me conhecem antes de estar nesse palco. Isso é a maior honra que posso sentir!

"5 respostas rápidas"
  1. Sugestão gastronómica?

Bacalhau à Zé do Pipo (da minha mãe)

 

  1. Que livro está a ler?

Vários ao mesmo tempo, mas destaco “O Escândalo do Século” de Gabriel Garcia Marquez

 

  1. A música que não lhe sai da cabeça?

Bersu d’Oru de Elida Almeida

 

  1. Um filme de referência?

O Clube dos Poetas Mortos

 

  1. Passatempo preferido?

Não ter agenda (risos)

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de junho de 2022 do Jornal O Conquistador.]

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