skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
09 novembro 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

“Foi precipitado o anúncio de nova candidatura a Capital Verde”

Redação
Sociedade \ quinta-feira, outubro 26, 2023
© Direitos reservados
Candidata da CDU à presidência da Câmara em 2021, Mariana Silva crê que "faltou saber-se o que se quer" na mais recente candidatura a CVE e pede mudança na mobilidade, sobretudo na ligação à ferrovia.

MARIANA SILVA | DESTAQUES

  • Na candidatura a Capital Verde “falhou, conhecimento, envolvimento e saber-se o que se quer, a começar na Câmara Municipal”
  • A exploração de lítio num território que inclui Serzedo "não é uma boa notícia"
  • Voltará a ser cabeça de lista da CDU nas autárquicas?: “O futuro a Deus pertence”
  • Guimarães precisa de melhorar a mobilidade, principalmente a intermodalidade com atenção redobrada na ferrovia
  • Em Guimarães ouvimos falar de metas de descarbonização de 80% até 2030, mas continua a afirmar-se que é preciso construir estradas novas.

 

ENTREVISTA E FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

Com um discurso fluído, capacidade argumentativa e firmeza nas convicções, Mariana Silva, remete para a divindade a possibilidade de voltar a ser candidata à Câmara Municipal de Guimarães. A vimaranense, professora de profissão, é dirigente nacional do partido ecologista Os Verdes e foi deputada na Assembleia da República, eleita nas listas da CDU. Em entrevista a O Conquistador, Mariana Silva, 41 anos, critica a precipitação do anúncio de uma nova candidatura a Capital Verde Europeia quando faltam poucos meses para o prazo de apresentação de novo documento e ainda nem se conhece a classificação dos indicadores ambientais da candidatura perdedora.

 

O que falhou para Guimarães não ser “Capital Verde”?

Quando não conhecemos devidamente nem a candidatura, nem a classificação dos indicadores ambientais, é difícil dizer o que falhou. No entanto, não nego que foi feito um caminho e que esse é de valorizar, sobretudo, o trabalho incansável dos trabalhadores, técnicos, investigadores e de todos os que estiveram envolvidos no processo. Mas talvez seja isso mesmo que falhou, conhecimento, envolvimento e saber-se o que se quer, a começar na CM Guimarães.

 

Apoia uma nova candidatura para 2026?

O anúncio foi precipitado, com o tempo talvez se perceba o porquê da precipitação. Não se entende, sobretudo, o que vai mudar da segunda candidatura para a terceira. Para ser Capital Verde Europeia, Guimarães precisa de melhorar a mobilidade, principalmente a intermodalidade com atenção redobrada na ferrovia. Uma Capital Verde deve ser exemplo para as outras cidades e, por isso, entendo que enquanto não se diminuir o tráfego na nossa cidade, enquanto não se criarem condições para as pessoas circularem a pé em segurança, não é possível ser esse exemplo.

 

Isso chegará?

Podia referir também a despoluição do rio Ave, onde já se investiram milhões na sua despoluição, mas continuamos sem uma praia fluvial digna desse nome. E em tempo de revisão do PDM não posso deixar de mencionar a importância dos solos, e a cada discurso que ouvimos do executivo municipal parece que o caminho tem muitas curvas: ora hoje queremos solos verdes e preservados ora amanhã queremos ser iguais aos nossos vizinhos onde a construção é feita de forma desordenada.

 

A exploração de lítio em Guimarães, em Serzedo, é uma boa notícia para quem quer ser Capital Verde?

A exploração de recursos naturais é uma consequência do desenvolvimento, mas acredito que essa exploração pode ser feita de forma equilibrada e sustentável. No caso da exploração de lítio, especificamente em Portugal, tenho uma opinião muito informada porque é uma questão que acompanho desde 2019. O trabalho que fizemos n’ Os Verdes levou-nos a concluir que os locais escolhidos para a exploração deste recurso, designadamente o Barroso, são por si só espaços que dão um grande contributo para o equilíbrio ambiental, para a preservação de práticas agrícolas sustentáveis e do património cultural.

 

Mas …

O maior obstáculo para a formação de uma posição e para a resposta a esta pergunta é a falta de transparência destes processos. Não há certeza que aquela exploração seja economicamente viável, não é certo que exista lítio que justifique a destruição de floresta autóctone, pastos, campos agrícolas, biodiversidade e espécies preservadas. E em Serzedo, o que sabemos? Nada ! Por isso, daquilo que é o meu conhecimento não é boa notícia para Guimarães, se é boa notícia para quem quer ser Capital Verde já é outra história.

 

Sustentabilidade é haver ciclovias, mas só haver utilizadores dominicais? O que falha aqui e como se resolve?

O conceito de sustentabilidade é muito complexo. No que diz respeito à mobilidade suave é importante que os utilizadores dominicais das ciclovias passem a adotar a bicicleta nas suas deslocações diárias e que outros se inspirem nesse comportamento. Porém, o que assistimos há anos, porque a criação de ciclovias não é de hoje, o que continuamos a sentir é que não é seguro andar a pé nem usar a bicicleta para as deslocações para o trabalho/comércio/escola.

 

Faturar com o Turismo e empobrecer com os preços da habitação por causa do Turismo (e o Alojamento Local) parece contraditório. Que solução?

Essa é a lógica de um sistema que não tem as pessoas no centro das suas preocupações, mas antes o lucro. O problema da questão que colocam é que ela não deixa claro que há uns que faturam com o turismo e outros que empobrecem por causa do preço das habitações. E que isso tem responsáveis.

 

Que são?

Esses mesmos responsáveis que permitem que um país como Portugal aposte unicamente na maximização do turismo, dando lugar à gentrificação que apenas transforma a nossa realidade num cenário com a preocupação de agradar aos que nos visitam em vez de criar condições de vida dignas para quem cá vive.

 

E a solução?

Apostar na oferta de habitação pública, fixar preços e pôr os lucros da banca a pagar o aumento das taxas de juro.

 

 

Professores, médicos, enfermeiros, advogados, engenheiros, há cada vez mais proletários, mas todos desunidos”. Será que o mundo está a falhar?

Reconhecer como proletários trabalhadores especializados revela bem o que se tem caminhado nos últimos tempos ...

 

E estão desunidos?

A desunião que possa existir advém de várias políticas que têm sido implementadas com o único objetivo de tentar travar a luta de classes que, ao contrário do que se possa pensar, não está resolvida porque as desigualdades existentes persistem. No entanto, ao contrário do que se afirma, esses trabalhadores têm-se revelado bastante unidos na defesa dos seus direitos, dos seus salários, dos serviços públicos, das condições de vida. E eu orgulho-me de fazer parte dos que estão ao seu lado em todas estas lutas.

 

Como se explica que Karl Marx nunca se tenha lembrado de ser Ecologista e Verde e o PCP ampare tanto o PEV com tanto arreganho?

Premissas erradas levam a conclusões erradas. Karl Marx e, com ele, Friedrich Engels eram grandes ecologistas. E o que eles indicaram é que não haverá justiça social sem equilíbrio ambiental, ou seja, não é possível cuidar do ambiente com uma sociedade sem justiça social, liberdade, solidariedade e paz.

 

Mas …

Como dizia Marx, "O ser humano vive da natureza, significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele precisa de estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza”. E, no Capital, acrescentava que, “mesmo uma sociedade inteira, uma nação, enfim, todas as sociedades contemporâneas tomadas em conjunto, não são proprietárias da terra. Elas são apenas ocupantes, usufrutuárias, e devem, como bons pais de família, deixá-la em melhor estado para as futuras gerações.”

 

Atirar tinta a um Ministro, vandalizar obras de arte, pintar edifícios ou cortar as estradas - como fez o grupo Climáximo - são ações admissíveis para defender as causas ambientais?

Só com condições de vida dignas para todos seremos capazes de ser atores diretos da mudança, da exigência de melhores políticas, nem tudo pode ser feito em nome do lucro.

 

E então?

Vivemos tempos de grandes declarações de amor à proteção do planeta. O problema é que, na prática, as promessas não se cumprem. Em Guimarães, ouvimos falar de metas de descarbonização de 80% até 2030, mas continua a afirmar-se que é preciso construir estradas novas. No país, ouvimos dizer que Portugal está à frente no compromisso da descarbonização até 2050, no entanto, uma das primeiras medidas do Governo PS de maioria foi criar o Simplex Ambiental, “escancarando” as portas dos projetos que são delapidadores da natureza, da qualidade da água, da preservação da biodiversidade. A luta ambiental é muito dura e precisa de consciencialização, de força, de massas, como aconteceu nas manifestações de 2019.

 

 

Em 2021 falhou a eleição à Câmara Municipal de Guimarães. Voltará a ser cabeça de lista da CDU nas próximas autárquicas?

O futuro a Deus pertence.

 

A passagem pela Assembleia da República “soube-lhe a pouco”, como diz o Sérgio Godinho?

Nesta vida só tenho mesmo saudades do futuro. Na minha passagem pela Assembleia da República (AR) enquanto deputada de Os Verdes, eleita pela CDU, trabalhei em 240 iniciativas legislativas e em 315 perguntas ao Governo. Quanto às intervenções sobre os mais variados temas no Plenário e nas Comissões perdi-lhe a conta … Soube-me, sobretudo, a um contributo para melhorar a vida dos portugueses e a natureza, dando-lhes voz.

 

Exemplo de um bom e eficaz trabalho que desenvolveu na Assembleia?

É difícil escolher apenas um trabalho que foi bom e eficaz. Posso referir que foi muito gratificante trabalhar e dar contributos para a Lei de Bases do Clima, por exemplo. No entanto, o trabalho feito quando surgiu a covid-19 e durante os confinamentos foi muito eficaz.

 

A sério?

O grupo parlamentar de Os Verdes nunca parou, participámos nas reuniões do Infarmed e contribuímos para que muitos não fossem esquecidos, como os mais idosos, crianças e jovens que estavam em casa sem condições para a aprendizagem, relembrando os produtores locais que não podiam vender nos mercados, enquanto que os grandes supermercados continuavam a vender. Nunca paramos, e essa experiência foi muito enriquecedora.

 

E aquilo que não conseguiu concretizar?

Foram mais as lutas que não conseguimos ver concretizadas. Lutamos por mais transparência nos projetos delapidadores da natureza, pelo reforço de meios humanos e materiais nos serviços públicos. A proposta para a redução de resíduos de embalagens secundárias, desnecessárias, que em nome do lucro mereceu sempre o voto contra do PS, PSD, CDS, IL.

 

O que teria sido uma grande conquista?

O que teria sido uma grande conquista para a luta para a proteção do ambiente era a implementação de passes gratuitos até aos 23 anos, uma medida que teria que ser implementada em todo o território, levando também o transporte público coletivo onde foi retirado. A mudança de comportamentos só acontece com um investimento sério, precisamos de tirar carros das estradas.

 

É uma pessoa de fé?

Tenho fé numa sociedade e num Mundo melhor. Fé num Mundo em que é dada uma oportunidade à Paz. E é a minha forte fé que me dá força para a luta diária dando voz a quem não a tem e convencendo muitos de que é possível.

 

Existe alguma figura da Igreja Católica que mais a tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano?

O padre Domingos, pároco de São Dâmaso. Conheço-o há muitos anos e de cada vez que nos cruzamos na rua fazemos questão de dar dois dedos de conversa.

 

"5 respostas rápidas"
  1. Sugestão gastronómica?

Sou o que se chama “um bom garfo” mas gosto muito de Rojões à Minhota e Tortas de Guimarães.

 

  1. Que livro está a ler?

“Mulher Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável” de Rosi Braidotti

 

  1. A música que não lhe sai da cabeça?

A Canção a Zé Mário Branco da Garota Não, principalmente o refrão “Liberdade/Querida liberdade/O nosso chão tem sonhos e vontade”

 

    4. Um filme de referência?
“O Pianista”, de Roman Polanski.

 

  1. Passatempo preferido?

Gosto muito de trabalhos manuais, neste momento o desafio é terminar o tapete de Arraiolos, ao qual não dedico o tempo que precisava.

 

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de 19 de outubro de 2023 do Jornal O Conquistador.]

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #83