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Em tempo de indefinição, Beatriz Batarda fala de equívocos e seus traumas

Tiago Mendes Dias
Cultura \ quarta-feira, maio 03, 2023
© Direitos reservados
A atriz e professora apresenta instalação vídeo “Corpos Celestes” e espetáculo “C. Celeste e a Primeira Virtude” numa era de pressão sobre os jovens artistas para serem “empreendedores de negócio”.

Foi em 2019 que Beatriz Batarda começou a preparar o espetáculo agendado para as 21h30 de 05 e 06 de maio, sempre a partir das 21h30, no Pequeno Auditório do Centro Cultural Vila Flor; ao princípio, era um monólogo inspirado na sua experiência como atriz e professora de teatro, intitulado A primeira virtude. Estava ali “uma espécie de metáfora”, “um pretexto para uma reflexão sobre o ensino na contemporaneidade”, mas sem as vozes dos alunos.

Como sentiu que “não era justo” condicionar os discursos de quem hoje estuda artes ao seu ponto de vista acerca do fenómeno, promoveu Depois do fim, um ciclo de encontros com 43 ex-alunos de teatro, principalmente, mas também de música, de dança e de artes plásticas, repartido por cinco locais; um deles foi o Espaço Oficina, em Guimarães, entre 06 e 12 de junho de 2023.

Daí floresceu “material muito bom”, “possivelmente melhor do que a peça que estava a escrever”, vertido, este ano, para a instalação vídeo Corpos Celestes, patente em Guimarães de quinta-feira até sábado, e para a peça C. Celeste e a Primeira Virtude, na qual Beatriz Batarda assume o personagem de “Mestra” e contracena com seis alunos. Inspirada pelas experiências de ensino, é obra não é uma resposta ao que o ensino deve ser. Em vez disso, o espetáculo estreado a 11 de abril, no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, abre “uma mancha de perguntas sobre o tema” e evoca outras realidades. “O pretexto é o ensino, mas o espetáculo é sobre os equívocos e sobre a dimensão que o trauma pode ganhar na nossa memória física e emocional com esses equívocos”, reitera a artista.

Além do palco, a videoinstalação Corpos Celestes testemunha “a evolução do processo criativo do espetáculo” a partir de cinco janelas de vídeo; a primeira delas é uma “montagem sobre entrevistas que fiz a professores das várias áreas, da dança, da música e do teatro”. Embora não haja qualquer imposição, Beatriz Batarda crê que o usufruto dos dois objetos artísticos perfaz “uma experiência mais rica”.

Os bilhetes para cada uma das sessões têm um custo unitário de 7,5 euros ou cinco euros (com desconto). O espetáculo de sábado terá interpretação em Língua Gestual Portuguesa e com áudiodescrição.

 

Quem hoje estuda artes tem “dificuldade em definir o caminho que lhe assenta”

A atriz e professora nota que uma das inquietações dos alunos de teatro – a principal, porventura – é a “dificuldade muito grande em definirem a sua posição em relação ao trabalho”. Essa indefinição nas escolhas provém, a seu ver, “da pressão para que os jovens artistas se comportem como empreendedores de negócio, façam uma gestão da carreira artística e tenham sucesso financeiro”. “Há uma dificuldade em definir a prioridade: se é essa ou a construção de um pensamento artístico, de uma voz própria, de uma viagem evolutiva que vá ganhando consistência e profundidade à medida que vá avançando. Há dificuldade em definir o que caminho que lhes assenta bem”, crê.

Convencida de que “o percurso que dá resposta a um mercado”, “o que dá resposta à popularidade”, o “que dá resposta a um pensamento próprio interior” ou o que envereda pela dimensão académica são válidos, Beatriz Batarda lamenta que, neste momento, só se valorize um, “o chamado percurso do sucesso, relacionado com a visibilidade pública e os resultados financeiros”.

“É pena. Os outros percursos são fundamentais e complementam-se uns aos outros, mas precisamos dessas pessoas dedicadas ao pensamento e não ao resultado, dessas pessoas dedicadas à investigação, à experimentação e não necessariamente a dar resposta a um consumo”, realça.

Numa época em que “as pessoas ficam logo inquietas quando se fala que um espetáculo dura duas horas”, a artista considera que “há coisas pelas quais vale a pena perder tempo”. “Pensar sobre o nosso lugar no mundo, em coletivo, é, no fundo, o lugar da arte. É sempre tempo bem perdido dar espaço a alguma contemplação, melancolia e reflexão. Não só reflexão que chegue a conclusões, mas também reflexão que seja abertura para um imaginário. Esse lado da cabeça é o que nos diferencia dos restantes animais”, expressa.

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