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Estilhaços da guerra sentidos em Guimarães: “Durmo com o telemóvel”

Bruno José Ferreira
Sociedade \ domingo, março 13, 2022
© Direitos reservados
Os ucranianos que escolheram Guimarães para residir estão em sobressalto com o que se vive no seu país. Após mobilização da Rede Solidária vimaranense, os primeiros refugiados já foram abraçados.

24 de fevereiro, três horas da manhã – hora portuguesa. Vladimir Putin, presidente da Federação Russa, faz o anúncio de que seria perpetrado aquilo a que chamou uma “operação militar especial” na Ucrânia. A partir daí, o curso da história tem vindo a ser alterado no leste da Europa. Mísseis e bombardeamentos, juntamente com blindados e tanques nas ruas tornaram-se no dia a dia do país que tem quase 45 milhões de habitantes.

O resto já todos sabem. As imagens do conflito atestam o flagelo que se está a sentir na Ucrânia, com repercussões um pouco por todo o globo. As sanções económicas ao maior país do mundo não têm surtido efeitos práticos, as tropas russas avançam deixando um cenário de destruição perante a resistência ucraniana. O

s estilhaços desta guerra têm-se feito sentir de várias formas, com milhões de refugiados a abandonarem o seu país, essencialmente mulheres e crianças, à procura de um lugar a salvo. Em contraponto, em direção à Ucrânia seguem toneladas de solidariedade em forma de ajuda humanitária e também homens dispostos a lutar pela sua pátria e pela democracia do seu país.

Também em Guimarães, a sensivelmente 3.900 quilómetros de Kiev, capital da Ucrânia, os resquícios da guerra fazem-se sentir, com especial enfoque na comunidade ucraniana, composta por sensivelmente uma centena de pessoas. A 2 de março, seis dias após o início da invasão russa, o Toural foi palco de uma vigília organizada pelo arciprestado de Guimarães e Vizela que reuniu centenas de pessoas com luzes de esperança a pedir o fim da guerra.

 

“Uma dor forte e constante”

Entre a multidão salta à vista a emoção ainda mais forte de Valentina Ivanchuk. A ucraniana de 34 anos está em Guimarães há uma década e carrega aos ombros uma bandeira do seu país. Uma lista azul sobreposta a uma lista amarela naquela que, por estes dias, será a bandeira mais conhecida e mais agitada um pouco por todo o lado. Valentina agarra-a com propriedade.

“Sentimos uma dor muito forte e constante em relação ao que se passa na Ucrânia. Tenho lá a minha família e amigos. Não paramos de chorar; rezamos pela paz. É o nosso país”, desabafa a terapeuta de massagem e estética. “Gosto de viajar, apaixonei-me por Guimarães, por Portugal, e fiquei por cá”, relata, acompanhada pela mãe.

A mãe está em Guimarães por acaso, veio visitar a filha quando a guerra se iniciou. Naturais de Chernivtsy, a poucos quilómetros da fronteira com a Roménia, a mãe de Valentina Ivanchuk pretende regressar à sua aldeia, Korynte, algo que não agrada à jovem. “A minha mãe só me veio visitar. Quer voltar, mas eu não vou deixar”, diz Valentina, que rapidamente se prontifica a contar a sua história: “Se de alguma forma puder ajudar o mínimo que seja o meu país e o meu povo, se for uma pequena ajuda para o parar, claro que falarei”, destaca a ucraniana, referindo-se a Vladimir Putin.

Na cabeça da jovem ucraniana há um sentimento de conformismo quanto ao que está a acontecer. A esperança era que não acontecesse, mas no fundo havia esse tremor. “Já estávamos à espera. Sabíamos que isto poderia vir a acontecer, e tivemos de nos habituar a essa ideia. Desde 2014 as nossas forças militares estavam a preparar-se. Há muitos anos que ele não deixa a Ucrânia em paz”, conclui.

 

 

“Não sei por quanto tempo sobrevivem com a comida que têm”

Uns metros ao lado está Olesia Abreu, ucraniana de Sumy casada com um vimaranense. Está há menos tempo em Portugal: um ano. “Durmo com o telemóvel debaixo da almofada. Mal me levanto a primeira coisa que faço é ver o telemóvel. Ainda hoje a minha prima escreveu que a Academia Militar foi bombardeada: é perto da casa dela”, exprime-se num tom ofegante e com a irrequietude de quem não pode fazer nada.

“Tenho na Ucrânia todos os familiares e amigos. No interior da nossa cidade os ucranianos estão a resistir, mas à volta estão muitas tropas russas, mesmo muitas. As pessoas no interior da cidade estão muito unidas, preparam comida para as crianças e para os mais velhos, mas tenho medo”, diz, com mais um forte suspiro. Continua o seu raciocínio para transmitir a ansiedade que acaba por sentir: “Outra cidade, onde tenho muitos amigos, é Glukhov, perto da fronteira com a Rússia. Os meus amigos têm comida, por agora, mas tiveram de destruir as pontes para evitar o avanço dos russos. Não sei por quanto tempo podem sobreviver com a comida que têm neste momento”.

Olesia remata um sentimento comum dos ucranianos, que se alastra por muitos milhões de pessoas: “As pessoas não querem os russos na Ucrânia, querem paz. Sentimo-nos de mãos e pés atados”.

 

Guimarães a ajudar a Ucrânia e a preparar para “integrar”

A onda de solidariedade para com o povo ucraniano é global e tem-se manifestado de várias formas. Levar bens essenciais para o país e para as zonas limítrofes, onde refugiados encontram escapatória, é uma das ajudas. Acolher refugiados é outra das missões com que a Europa se depara.

Nas duas vertentes a Câmara Municipal de Guimarães, através da sua Rede Solidária, está a dar respostas. Todas as juntas de freguesia do concelho aderiram ao repto do município e estão a angariar bens numa campanha que está a “correr muito bem”, de acordo com a vereadora Paula Oliveira. “Os bens estão a ser recolhidos nas juntas de freguesia, algumas juntas já têm os seus espaços cheios e estão a trazer para o armazém central. O tecido empresarial está também a contribuir, e várias empresas estão a deixar um grande volume de bens”, dá conta.

Na passada terça-feira, 8 de março, saíram duas carrinhas para o leste da Europa, para um país limítrofe da Ucrânia, com a missão de trazer a primeira leva de 14 refugiados que serão, nos próximos dias, abraçados pela cidade-berço. Por via particular, cinco ucranianos já estão em Guimarães. Mais do que acolher, o município tem trabalhado na integração na cidade.

“Queremos integrar bem os cidadãos que necessitam de proteção internacional e chegam ao nosso território. É fundamental integrar bem, mais do que acolher, em todos os setores, nas escolas, nas IPSS, nos empregos, nos alojamentos”, aponta a vereadora com o pelouro da ação social.

O “trabalho dinâmico, organizado e planificado” prossegue com pontos de situação constantes referentes aos bens recebidos, alojamentos disponíveis e voluntários para ajudar. Além do município, outras associações já demonstraram também a intenção de poder fazer parte desta onda solidária em tons de azul e amarelo.

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