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Fátima Alçada: “Fazer espetáculos ao final do dia virá para ficar”

Tiago Mendes Dias
Cultura \ domingo, abril 04, 2021
© Direitos reservados
Enquanto prepara o regresso do público, a Oficina já sabe que o futuro da vida cultural vimaranense reserva muitos eventos às 19:00, revela a diretora artística ao Jornal de Guimarães.

Abril será a primavera da atividade cultural presencial da Oficina após um inverno de confinamento. O novo ciclo expositivo do Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG), já com curadoria de Marta Mestre, é inaugurado a 16 de Abril. Duas semanas depois, o Centro Cultural Vila Flor (CCVF) reabre com as restrições já conhecidas para exibir três dos espetáculos programados para o GuiDance, entretanto suspensos. Para Fátima Alçada, o digital é incapaz de substituir o “ritual inerente” à performance ao vivo. A exceção é o Westway Lab, disponível online, entre a próxima quarta-feira e o próximo sábado.

 

Como tem sido viver estes dois últimos meses com espaços encerrados? Sem espetáculos, nem exposições, o que tem sido possível fazer?

Tem sido difícil. Não apenas para a Oficina ou para o setor cultural, mas para todos. Como já não é a primeira vez que estamos nesta situação, este segundo momento torna-se um pouco mais difícil. Não temos parado, ainda que estejamos com os espaços encerrados. Logo em janeiro, houve o trabalho de cancelar e de reagendar tudo o que estava programado. Esta edição do GuiDance não aconteceu. Foi pensar como é que poderíamos apresentar os espetáculos do GuiDance e assim sucessivamente. Depois, também houve trabalho que fomos desenvolvendo online. Nós, Oficina, optámos por não passar para o digital os espetáculos. Acreditamos que precisam da presença do público e dos artistas. Ainda que seja uma solução adotada por muitas instituições, pareceu-nos que passar para o digital não era aquilo que defendemos. Por isso, optámos por, digitalmente, fazer conversas com pensadores, com artistas, pensar também os tempos que estamos a viver; estes tempos podem ajudar-nos a refletir sobre como temos trabalhado até agora e a enfrentar os desafios que virão. Os espetáculos são para acontecer no futuro mais próximo possível.

 

O que já está definido quanto aos espetáculos?

Em todo este trabalho, pensamos sempre num plano A, num plano B e às vezes até num plano C. Em relação ao GuiDance, decidiu-se que os espetáculos pudessem acontecer no contexto da programação regular do Centro Cultural Vila Flor ao longo do ano. Tentámos isso com todos os artistas e companhias envolvidas. Se tudo estiver de acordo com o que está planeado e não houver retrocesso, teremos um fim de semana intenso de dança, que não será um GuiDance, mas terá espetáculos pensados para o GuiDance, entre 30 de abril e 02 de maio. Os espetáculos serão com a companhia Dançando com a Diferença e Vera Mantero, logo no dia 01, o espetáculo do João dos Santos Martins, que acontecerá no dia 02, e o espetáculo da Joana von Mayer Trindade [e Hugo Calhim Cristóvão], que acontecerá no dia 30 e será uma estreia absoluta no CIAJG. Não foi possível reagendar os outros espetáculos para este ano. Foram já reagendados para 2022. Em relação ao Westway Lab, irá ter lugar já em abril, ainda antes do desconfinamento das salas de espetáculos. Como é uma parceria com várias instituições internacionais, foi opção passá-lo para o online. A edição deste ano será sempre online: tanto os concertos, como as conferências Pro. Quanto à restante programação, tal como os Festivais Gil Vicente, estamos bastante expectantes que aconteça presencialmente, sempre com as regras em vigor até janeiro: lotação limitada das salas, uso de máscara, pessoas sentadas em lugares sim e lugares não. Temos a noção de que essas regras ir-se-ão manter durante algum tempo.

 

Espetáculos com restrições ao público não serão novidade. Que feedback receberam de eventos como o último Guimarães Jazz, realizado nessas circunstâncias?

Temos um ótimo feedback, tanto dos artistas, como do público. Eu acredito que este feedback tenha acontecido porque tanto os artistas, como os públicos queriam muito assistir a espetáculos e apresentar os seus trabalhos. Este esforço coletivo da Oficina, dos artistas e do público foi bem sucedido porque havia esta vontade muito grande de estar numa sala de espetáculos. As pessoas disponibilizaram-se a ver concertos de jazz às 10:00, o que não é de todo habitual. Houve coisas que correram bastante bem, mas idealmente gostaríamos que tanto o Guimarães Jazz, como a restante programação pudessem acontecer de forma mais livre, mais tranquila, sem estarmos presos a estas restrições todas. Mesmo assim, foi uma ótima experiência. Valeu a pena o esforço.

 

“Optámos por não passar para o digital os espetáculos. Acreditamos que precisam da presença do público e dos artistas”

 

No último verão, a Oficina lançou um programa cultural adaptado aos tempos que vivemos, com iniciativas ao ar livre como a Lufada? Pode-se esperar o mesmo para este ano?

Há algumas diferenças. O Lufada foi uma boa experiência no ano passado, que iremos repetir neste ano. E temos muita vontade de manter este projeto na programação do futuro, independentemente destas restrições. Houve uma ótima reação por parte do público. Para nós, também foi muito bom apresentar espetáculos no exterior. Temos um espaço exterior absolutamente extraordinário, que é o jardim. O Lufada irá acontecer novamente até meados de julho, neste ano. A edição deste será acima de tudo música. Serão concertos espalhados por diferentes locais do jardim, todas as semanas, à sexta-feira, ao final do dia. Essa é outra alteração que a pandemia nos trouxe: a alteração dos horários. Vamos mantê-la no futuro. Foi uma boa experiência. Permite-nos fruir de uma outra forma os espetáculos e termos tempo para outras coisas. Fazer espetáculos ao final do dia era uma questão que discutíamos há algum tempo e que a pandemia acelerou por força das circunstâncias. Isto virá para ficar.

 

A intenção é então realizá-los às 19:00?

Exatamente. Os espetáculos serão, por excelência, ao final do dia, seja à semana ou ao fim de semana. Eles acontecerão por volta das 19:00, dependendo depois do volume de espetáculos que tenhamos programados. A exceção será o café-concerto; os concertos decorrerão mais tarde. Os horários de inauguração das exposições, dos concertos, das peças de teatro e das peças de dança serão sempre ao final do dia.

 

Quanto à dimensão expositiva em infraestruturas como o Centro Internacional de Artes José de Guimarães, o que está pensado?

A dimensão expositiva acaba por acompanhar, e muito, as restantes dimensões. Temos um novo ciclo para inaugurar no CIAJG já há algum tempo. A data inicial seria março. Fomos obrigados a recalendarizar esta inauguração, que acontecerá no dia 16 de abril, ao final do dia. A inauguração do novo ciclo já é da responsabilidade da Marta Mestre, a nova curadora geral do CIAJG. A nova exposição do Palácio [Vila Flor] será inaugurada no mesmo dia. Mantivemos a data prevista, sendo que a inauguração vai ser sobretudo uma abertura, dadas as limitações de público. Nunca poderemos ter mais de 20 pessoas, no caso do CIAJG, a circular pelo espaço. Isso não nos permitirá uma inauguração como a que gostaríamos de fazer, até porque é a inauguração de um novo ciclo e um trabalho de uma nova curadora, agora responsável pelo pensamento artístico do CIAJG. Mas é a circunstância possível; entre adiar, à espera da circunstância ideal que sabemos que vai demorar ainda bastante tempo, e abrir as portas, decidimos pela segunda opção.

 

Mas, a nível de resposta às necessidades de saúde pública, é mais complexo preparar o regresso de uma exposição ou de um concerto? 

Os processos têm o mesmo grau de complexidade. Se este ano de pandemia nos trouxe alguma coisa, foi alguma experiência com estas questões da segurança, com estas regras todas que tiveram de ser implementadas. Se num processo inicial, no ano passado, era tudo muito novo e estávamos a tentar perceber como as regras iam funcionar, neste momento temos a capacidade de nos adaptarmos às circunstâncias mais difíceis. Já faz parte da nossa rotina. Os trabalhos de montagem das diferentes exposições estão a decorrer com muita normalidade.

 

Considera possível a criação e a fruição cultural voltarem ao que eram? Ou serão irremediavelmente diferentes, absorvendo as marcas deixadas pela pandemia? 

Perspetivo o futuro com grande otimismo; com alguma prudência, mas otimismo. Mudanças mais práticas, como os horários, iriam acontecer mais tarde ou mais cedo, até porque é uma tendência muito global do resto dos países, e também já existia em Portugal. Tem-se efetivamente verificado que o público está mais disponível ao final do dia, principalmente no Inverno, mas não apenas, do que à noite, depois do jantar. Esta dinâmica vai-se instalar depois da pandemia. Em relação ao regresso, vai ser lento, até porque as regras não permitem um regresso rápido. Há público que ainda vai demorar algum tempo a regressar às salas de espetáculos, mas nada se perdeu irremediavelmente. Vai ser um regresso mais cauteloso. Há alterações que aconteceram e novas dinâmicas que se descobriram. O digital não veio substituir o presencial, nem faria sentido, mas deu oportunidade aos artistas, aos programadores e às instituições de descobrirem algumas potencialidades. Haver alguns processos documentados que estão disponíveis para o público através de plataformas digitais é uma mais-valia. E acaba por ser uma aproximação. Mas um espetáculo de teatro, um espetáculo de dança, um concerto têm todo um ritual inerente. É muito importante para nós, enquanto humanidade, voltarmos a esse sítio. A pandemia trouxe este afastamento entre as pessoas. É urgente que isso se retome. É uma ânsia coletiva.

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