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Festival Extremo entre concelhos: “Uma linha que une, não divide”

Sofia Rodrigues
Cultura \ sábado, agosto 02, 2025
© Direitos reservados
De capela em capela, o Extremo transformou o Monte da Falperra, entre concelhos, num refúgio de arte, comunhão e natureza, capaz de reunir 3000 pessoas num ambiente "slow" cheio de possibilidades.

A Capivara Azul - Associação Cultural, fundada em Guimarães em 2017, mas com direção atualmente repartida entre Braga e Guimarães, foi a autora, curadora e produtora do Festival Extremo. Com raízes na experiência de alguns dos seus membros na Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura, a associação viu na candidatura de Braga a Capital Europeia da Cultura 2025 uma oportunidade para criar algo verdadeiramente transfronteiriço. O resultado foi um evento profundamente simbólico e irreverente, pensado para ser vivido entre os dois concelhos.

O nome "Extremo" surge da reflexão sobre o conceito da palavra "fronteira", uma linha imaginária que, em vez de separar, aos olhos da organização, une. A escolha do território não foi neutra - foi precisamente ali, entre capelas e caminhos de romaria, onde ninguém sabe muito bem se está em Braga ou Guimarães, que o festival quis criar um espaço de encontro. "Uma linha que une, não divide", como resumiu Luísa Alvão, produtora e programadora cultural da Capivara Azul.

@José Caldeira

Esse espírito de união e partilha ecoou na forte adesão do público. Estima-se que cerca de 3 000 pessoas tenham passado pelo festival ao longo do dia, começando com os primeiros raios do sol e prolongando-se até de madrugada. As atividades paralelas - caminhada, oficinas, visita guiada e automação musical - esgotaram em poucas horas, refletindo a curiosidade e vontade de participar numa experiência onde arte, natureza e história se cruzavam.

O concerto mais concorrido foi o do compositor norte-americano William Basinski, como se previa, mas houve também surpresas, como é o caso do concerto de CODY XV, com cenografia de Diogo Mendes, realizado ao nascer do sol, capaz de reunir mais de 150 pessoas, o triplo do público esperado. 

@José Caldeira

Programação focada numa experiência slow

O festival foi concebido como um convite a viver o lugar entre músicas, performances e instalações que ativassem os sentidos e mediassem a ligação com a natureza. Já a fruição cultural foi pensada de forma "slow". Como? através de longos intervalos sem programação "formal" que permitiram ao público respirar, saborear o espaço e compartilhar experiências, tornando‑se parte do território, e não mero espectador.

"Queríamos pensar na fruição cultural de forma diferente - não a forma capitalista de consumo rápido, onde entramos num recinto e estamos sempre a correr para apanhar o máximo de concertos que queremos ver, mas uma forma de fruição cultural "slow" - queríamos que as pessoas pudessem ter uma experiência e antes da próxima, tivessem tempo para a digestão e para a partilha com amigos. Queríamos também ter momentos sem programação - uma coisa muito radical - ter intervalos de tempo onde as pessoas não tivessem nada para fazer a não ser aproveitar o espaço em que estão e as pessoas à volta.", revelou Luísa Alvão.

@José Caldeira

Cooperação entre municípios: "Acredito que a maioria das pessoas, tal como eu, deambula por estes dois municípios como se fosse apenas um"

Um dos aspetos mais notáveis do Extremo foi a sua natureza transfronteiriça, não apenas geográfica, mas também institucional. A colaboração entre o Município de Braga e o Município de Guimarães foi, aos olhos de Luísa Alvão, fluida e estratégica.

"A articulação correu perfeitamente", afirma Luísa Alvão, revelando que o convite à autarquia de Guimarães foi bem acolhido desde o início. "Fazia todo o sentido convidar o Município de Guimarães a ser também promotor do projeto, que aceitou de imediato."

Além da logística, essa cooperação refletiu uma visão mais ampla do território. "Apesar destes dois concelhos gozarem de uma reputação de que não se entendem, eu acredito que a maioria das pessoas, tal como eu, deambula por estes dois municípios como se fosse apenas um", afirmou Luísa. Para a produtora cultural, a dinâmica entre as duas cidades não se molda por linhas administrativas: "Há um continuum entre Braga e Guimarães; todos os dias há imensa gente de uma cidade que vai trabalhar para a outra e vice-versa."

@José Caldeira

Esta visão de território partilhado esteve na base do festival, e não apenas como pano de fundo. "Quando pensámos num projeto, sabíamos que queríamos fazer alguma coisa que envolvesse os dois municípios", explica. O festival foi pensado, precisamente, para materializar essa ideia de fronteira como ponto de contacto, não de separação. "Essa ideia levou-nos ao conceito de fronteira, de extremos - uma linha imaginária que divide dois concelhos e que é simultaneamente o extremo dos dois concelhos. Uma linha que para nós teria de unir e não dividir.", explicou Luísa Alvão.

Aos olhos da Capivara Azul, esta união de esforços permitiu também a partilha de recursos, a valorização conjunta do território e a criação de um evento com identidade própria - híbrida, descentralizada e plural. 

Sustentabilidade ambiental e fusão cultural

A preocupação com o ambiente foi um dos pilares do Extremo. O festival incentivou o uso de transportes públicos, recorreu a copos reutilizáveis e optou por uma "intervenção mínima" no território. "À medida que a nossa peregrinação ia avançando, tínhamos uma equipa que limpava tudo o que ficava para trás, na esperança de minimizar ao máximo o impacto ambiental", sublinhou Luísa Alvão.

Mas a sustentabilidade foi também cultural e simbólica. Realizar o festival na véspera da romaria de Santa Marta revelou‑se um gesto estratégico e poético por parte da organização. "Adoramos a ideia de fazer o Extremo nas vésperas da romaria - o que resultou numa fusão de públicos muito eclética", confessou a produtora cultural da Capivara Azul.

Essa fusão surpreendeu tanto visitantes como locais. "Uma parte do público mais urbano perguntava-nos se a parte da romaria tinha sido concebida por nós para o evento e dava-nos os parabéns por isso", revelou Luísa. Por outro lado, "as pessoas locais que costumam ir à romaria vinham muito curiosas ter connosco perguntar quem éramos porque achavam que a música era muito diferente da habitual, mas estavam felicíssimas de ver o espaço cheio de gente mais nova que o habitual".

@José Caldeira

Este encontro entre públicos, rituais e sensibilidades reforçou uma das ideias-chave do festival Extremo: o poder da arte em criar e adaptar comunidades de forma inesperada, fugaz, mas profundamente marcante. "Saímos com a ideia reforçada de que a arte e a cultura são de facto transformadoras e criadoras de comunidades — que é uma coisa que precisamos urgentemente", concluiu Luísa Alvão.

Quanto ao futuro do Festival Extremo, ainda não há datas definidas para novas edições. A organização admitiu que ainda está a "digerir" a experiência e recuperar energias, mas o saldo é positivo. "O que há é o que ficou do evento: a certeza de que conseguimos proporcionar a experiência que queríamos ao público, o potencial daquele local e do conceito do festival. O Extremo naquele dia mostrou-nos acima de tudo que este conceito tem imensas possibilidades para tal.", revelou Luísa Alvão.

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