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Gaivotas: as novas inquilinas das cidades também sobrevoam Guimarães

Pedro C. Esteves
Ambiente \ domingo, agosto 29, 2021
© Direitos reservados
O grasnar das gaivotas já não provoca estranheza em quem palmilha a cidade. Mas o que fazem em ambientes apartados da costa marítima? Não há respostas fáceis, mas um censo da SPEA pode dar pistas.

Mudam a paisagem sonora das cidades e há quem jure que vê passar um “casal” cedo pela manhã e ao fim da tarde. Depende a quem se pergunta o que vê nos céus – até se lançam palpites: “São, à vontade, umas três” –, mas é complicado encontrar a resposta certa. Em pleno Largo do Toural, mesmo por cima das nossas cabeças, dá a sensação que a cidade vai ganhando novos inquilinos – ou visitantes assíduos.

Nem sempre foi assim. O grasnar das gaivotas que ecoa pela malha urbana vimaranense é recente. Os primeiros registos fotográficos da presença destas aves marítimas datam de 2010: aproveitavam os espelhos de água em frente à Escola Secundária Francisco de Holanda e captaram a atenção de quem não estava habituado a ver estas aves de dorso e asas prateadas. Mas o que procuram numa cidade como Guimarães? São cada vez mais? Perguntas de resposta difícil. No entanto, uma iniciativa recente da Sociedade para o Estudo das Aves (SPEA) pode dar algumas pistas.

Num desafio lançado aos portugueses, a SPEA levou a cabo a primeira contagem nacional de gaivotas urbanas. Terminou no dia 31 de julho e as observações vão contribuir para o censo nacional da espécie. “O último censo que havia no continente e que cobriu toda a costa é de 2002. Nessa altura, não havia qualquer nidificação registada de Peniche para cima. Toda esta situação é muito recente”. As palavras são de Nuno Oliveira, técnico de conservação marinha na SPEA e coordenador da iniciativa.

A necessidade era ainda mais premente porque “era notório que estavam a acontecer alguns problemas nos centros urbanos”. Para já, não há relatos de transtornos causados pela gaivota-de-patas-amarelas – a espécie predominante em Portugal – no concelho. Mas, alerta Nuno Oliveira, “isto é um problema que está em crescimento, em curva ascendente” e há muitos municípios que se vêm a braços com contratempos.

“[Em cidades como Guimarães] é importante estar atento. Pode não ser grande problema agora, mas é sempre bom começar a abordar temáticas como o investimento na gestão de resíduos. A presença das gaivotas em zonas urbanas é, no fundo, mais um indicador de que temos de tomar precauções”, explica o técnico de conservação marinha.

 

Palavra-chave: oportunismo

Para estas aves de longevidade –podem viver mais de 20 anos –, a distância entre a costa marítima e as cidades do Quadrilátero não é impeditiva. “Super adaptáveis”, galgam os 50 quilómetros que distanciam a cidade berço da orla rapidamente. Não se deve falar em “migração”, mas sim de “oportunismo”, indica Pedro Gomes, professor no departamento de Biologia da Escola de Ciências da Universidade do Minho. “Se for preciso vir às cidades interiores, comer e voltar para o litoral, fazem-no. Nas zonas urbanas, se se fixam é porque encontram o que precisam. Estamos a criar condições para que isso aconteça”, indica o também investigador no Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA).

“As gaivotas sempre subiram os cursos de água. Há muitos anos, há mais de 30, seguramente, havia gaivotas no Lindoso. São aves oportunistas, vão onde há alimento, o que faz com que gostem das cidades. Onde há homem, há sempre comida”, resume o investigador.

Cávado ou Ave acima, chegam cá facilmente. Daniel Ferreira, do Centro de Ciência Viva, indica que a presença destas aves marítimas no concelho tem “despertado curiosidade” nas pessoas. “Ainda há pouco fizemos um percurso de observação de aves ali na Penha e tivemos gente de Caldas das Taipas a fazer o reparo, o de terem observado algumas a aparecer no rio Ave”, exemplifica.

Mas não é certo que estejam a nidificar nos telhados da cidade. A gaivota-de-patas-amarelas já tem presença e nidificação confirmada na barragem do Alto Rabagão. “Aqui em Guimarães, em 2018, na Rua de Santo António, há sinal de um juvenil a fazer os primeiros voos, mas ainda não é confirmado que esteja a nidificar”, frisa Daniel Ferreira. O biólogo atesta que a presença destas aves argutas “não era mesmo nada habitual”, mas que em alguns locais começam a vislumbrar-se: perto do Instituto de Design, na Plataforma das Artes ou na Veiga de Creixomil, por exemplo.

 

Uma história que começa nas Berlengas

Quando falamos de gaivotas em ambiente urbano falamos de uma espécie em particular: a gaivota-de-patas-amarelas. Tem um longo historial em Portugal. “Nidifica nas Berlengas desde o século XIX e quando é feito o primeiro atlas de nidificantes, em princípios da década de 80, mostra-se que a distribuição costeira é de Peniche para baixo”. Gonçalo Elias, um entusiasta pelo que acontece nos céus e fundador do avesdeportugal.pt, um projeto totalmente voluntário que junta apaixonados e curiosos, dá conta de que a partir dos anos 80 “começa a haver um aumento explosivo das gaivotas nas Berlengas”. “Se há 80 anos eram 1000 casais, na década de 90 já eram mais de 20 mil: era um cenário absolutamente descontrolado”.

Tentou-se “controlar a população” através de estratagemas artificiais. A mão humana diminuiu a população, mas as gaivotas “também perceberam que o local não era totalmente seguro”. Na interpretação de Gonçalo Elias, isto levou a uma “relocalização”. “A partir dos 2000 começam a nidificar em cidades costeiras – e agora mais no interior”, refere. “Elas nunca o fizeram antes porque nunca tiveram necessidade de o fazer”. Com a destruição das posturas nas Berlengas, o sítio então ótimo deixou de ser tão ótimo”. As cidades, não sendo um sítio tão natural, surgiram como alternativa. Para já, os telhados das casas são sítios seguros.

 

A questão dos aterros

Como as movimentações das gaivotas da costa para o interior são reguladas pelo alimento disponível, os aterros também entram nesta equação. “Se nós não queremos que se expandam desta maneira, devemos limitar o alimento fácil. E neste momento ele é encontrado em aterros”, indica Gonçalo Elias.

E, por isso, o problema não se resolve com a destruição de ninhos – falamos de uma espécie que se adapta a diferentes configurações. “Tem que haver um trabalho elaborado”, reitera Nuno Oliveira. “Guimarães até pode ter algumas limitações como fica longe do mar e não há de ser uma área muito abrupta em termos de crescimento, mas pode vir a ter alguns ninhos no futuro”, refere o técnico de conservação marinha na SPEA. Fica, no entanto, o apelo para que se “comecem a resolver alguns aterros em zonas afastadas do litoral”. “Terá de haver mais investimento na gestão de resíduos”, salienta.

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