Guimarães é dos corações que mais irriga quem precisa
Não é preciso entrar na Casa do Dador para a gratidão com aqueles que socorrem dezenas, centenas, milhares de vidas saltar à vista. Está logo à porta, com um trabalho artístico num mural vermelho, sublinhado por uma mensagem bem literal: “O nosso agradecimento”. Inaugurada a 24 de julho, a peça foi a solução encontrada pela Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Guimarães para render as homenagens anuais a quem costuma dar parte de si – 10% do seu líquido vital a cada dádiva. “Todos os anos levamos a efeito uma sessão em março, onde galardoamos dadores com certo número de dádivas. Em 2020 e em 2021, não conseguimos fazer isso por causa da pandemia”, diz ao Jornal de Guimarães o presidente da instituição, Alberto Mota.
Quando descreve o universo que coordena, formado ainda pelos núcleos de Ronfe e de Felgueiras, o responsável menciona logo a palavra “orgulho”; com cerca de cinco mil dadores, estima Alberto Mota, a associação vimaranense é a segunda que mais litros fornece ao Instituto Português do Sangue e da Transfusão (IPST), atrás da de Santa Maria da Feira – 8.878 dadores em 2020.
Essa dimensão voluntária traduziu-se em 9.969 dádivas ao longo do ano passado, um número inferior ao do ano anterior – 2019 foi o pico da última década, com 10.441 dádivas -, mas superior aos dos principais centros hospitalares do país, à exceção do de Coimbra. “O Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e o Hospital de São João, no Porto, com doentes de várias cidades, não têm tantas dádivas. O Centro Hospitalar de Coimbra colhe mais sangue do que o de Guimarães, mas pouco”, compara o também presidente da Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue (FEPODABES).
No mais populoso dos concelhos banhados pelo Ave ou no resto do país, a doação de sangue é “sazonal”. E uma das “alturas menos boas” para se alimentar as reservas costuma ser o verão. “É um período de férias em que as pessoas se deslocam para outras áreas e depois estão com o seu lazer, com o seu descanso. Esquecem-se da dádiva de sangue”, descreve Alberto Mota.
No final de julho, o responsável adiantou à imprensa nacional que as reservas sanguíneas dos grupos O, A e B negativo estavam nos quatro dias, quando o ideal é que durem pelo menos 10. A FEPODABES tem realizado colheitas nas praias do país para aumentar os volumes em reserva, mas isso não quer dizer o sangue escasseie. “Nestes anos todos, nunca ninguém deixou de ser tratado ou operado por falta de sangue”, reitera.
Situação ainda mais crítica viveu-se em janeiro deste ano, quando as reservas para todos os grupos sanguíneos tinham prazos inferiores a quatro dias, recorda. O problema resolveu-se, porque os portugueses foram “solidários como sempre”, atesta o responsável. Em 2020, o país registou 287.958 colheitas, a partir de 188.601 dadores - Guimarães contribuiu assim com 3,5% das dádivas. Uma gota (que importa) num oceano de 92 milhões em todo o mundo a cada ano, estima a Organização Mundial da Saúde.
Fabricantes de sangue
Entre os milhares de dadores em território vimaranense, há “autênticas fábricas de sangue”, descreve Alberto Mota. Um desses casos é o de Álvaro Sousa. Como tem 67 anos, a produção já findou, mas, no tempo em que esteve no ativo, foi responsável por 85 a 90 dádivas. “A minha primeira foi com 18 ou 19 anos no antigo hospital de Guimarães. Costumava dar de três em três meses”, recorda o cidadão natural de Moreira de Cónegos, que hoje reside na União de Freguesias de Conde e Gandarela.
Perante tamanho volume – doou entre 38 a 40,5 litros, já que cada dádiva equivale a 450 mililitros -, foi galardoado várias vezes: recebeu as medalhas cobreada (20 dádivas), prateada (40) e dourada (60) do IPST e ainda uma gota de cristal da associação de dadores de Guimarães, quando completou as 75 doações. Encara por isso com “orgulho” o percurso de voluntário. “Salvou a vida de muita gente. Foram muitos litros de sangue que dei, não é? Atualmente precisamos de cerca de mil dádivas por dia”, afirma.
Há outras maneiras de garantir que esse tamanho chega a quem precisa, mesmo sem a partilha a que se habituou. Membro da direção da associação vimaranense, Álvaro Sousa participa nas colheitas pelas freguesias – são 36 as calendarizadas para este ano – e congratula-se com o aparecimento de novos dadores. “Não temos tido grandes quebras. Por vezes, aparecem cinco dadores novos. Em outras, dez. Numa outra vez, apareceram 20”, descreve.
À procura de artérias mais jovens
Alberto Mota enaltece a “onda de crescimento” de dadores, mas preocupa-se com a média etária do universo voluntário: 47 a 48 anos. “A Federação tem como obrigação criar formas de chegar à juventude o mais rapidamente possível”, assume.
Há, todavia, quem já tente puxar essa média para baixo. Lúcia Gomes tem 22 anos e doou pela primeira vez quando tirava a licenciatura em Biologia Aquática no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Os laços de sangue motivaram-na a avançar. “O que me fez tornar dadora foi um episódio em que a minha mãe precisou de várias transfusões de sangue. As primeiras quatro dádivas foram para os sacos da minha mãe quando estava hospitalizada”, refere a dadora residente em Felgueiras, portadora do tipo A positivo.
Graças à experiência, Lúcia tornou-se voluntária no núcleo felgueirense da Associação de Guimarães e procura cativar mais jovens através, por exemplo, das redes sociais. O dia a dia sugere que o esforço tem sido recompensado. “Há falta de juventude entre os dadores, mas mais nas zonas Centro e Sul do país. Nesta zona, tenho notado gente nova a dar sangue”.
Números
9969
As dádivas contabilizadas pela Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Guimarães em 2020, ano marcado pela pandemia. O número traduz uma quebra de 4,5% face a 2019.
36
As colheitas de sangue calendarizadas para 2021 nas várias freguesias de Guimarães. Além deste périplo, a associação abre a Casa do Dador, em Azurém, todas as terças-feiras à tarde e ao primeiro e terceiro sábado de cada mês.
82
As associações de dadores benévolos ligadas à FEPODABES, entre as quais a de Guimarães. A estrutura nacional foi fundada a 27 de março de 1982, data que passou a ser assinalada como o Dia Nacional de Dadores de Sangue.
2012
Ano da aprovação do Estatuto do Dador de Sangue. Entre outras normas, a Lei número 37/2012 proíbe a comercialização de sangue humano e garante, ao dador, a isenção das taxas moderadoras do SNS, entre outros direitos.
4
Os grupos sanguíneos do sistema ABO: A, B, AB e O, que é dador universal, mas só recebe do mesmo grupo. Já o AB recebe de todos, mas só doa ao mesmo grupo. A e O são os mais frequentes em Portugal. Quanto ao fator Rh, um portador de sangue negativo só recebe de outro negativo, enquanto os positivos recebem de ambos.