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"Guimarães não tem acompanhado o crescimento de Famalicão,Braga e Barcelos"

Redação
Política \ segunda-feira, abril 24, 2023
© Direitos reservados
Após 24 anos na presidência, em 2013, António Magalhães deixou a Câmara Municipal de Guimarães. Entrevista Jornal O Conquistador.

Já depois de ter presidido à Assembleia Municipal, deixando lá para trás os tempos em que foi deputado à Assembleia da República.Aos 79 anos, Magalhães passa em revista uma série de assuntos da vida política local. Não tem dúvidas que a cultura foi o seu ponto alto. Explica e defende a alteração do Toural. Cauteloso e medindo as palavras, mostra-se preocupado com a forma como se processa o estacionamento na cidade e, de caminho, adverte que é preciso ter cuidado com a realidade dos comerciantes e “integrar a sociedade civil”.

Admite perda de dinâmica de Guimarães, não só em relação a Braga mas também para Famalicão e Barcelos. Vê qualidade duvidosa nos grupos parlamentares da Assembleia da República e, a nível local, na oposição, elogia o trabalho de André Coelho Lima. Mas para o futuro do Partido Socialista não tem dúvidas em apoiar Ricardo Costa.

 

ENTREVISTA E FOTOS: Esser Jorge Silva e José Luís Ribeiro

 

Esteve 24 anos à frente da Câmara de Guimarães. Saiu há 10 anos. Costuma ser escutado nas decisões autárquicas ?

Não costumam consultar-me e é verdade que não têm de o fazer.

 

Passados tantos anos, como classificaria os seus anos de Presidente de Câmara ?

O meu passado autárquico foi facilitado pelos conhecimentos que adquiri como Deputado da Assembleia da República. Para além dessa aprendizagem, uma vida militar muito exigente preparou-me para agir sem receio quando urgia tomar decisões menos populares que ultrapassei, julgo, com algum êxito.

 

Alguma decisão ou projeto de que se arrependa ?

Quando falamos de nós próprios a nossa opinião é sempre suspeita. Todavia, posso dizer que me entreguei de alma e coração à responsabilidade que os vimaranenses me cometeram. Num período onde tudo faltava, penso que tive um desempenho feliz. Reconheço que houve decisões difíceis por mexerem com interesses instalados.

E as insistentes vozes contra o arranjo do largo do Toural ?

A reabilitação do Centro Histórico e do Toural é uma ideia de intervenção política, mas depois quem é capaz de levar à prática um projeto com essas características e dimensão são os especialistas. Contratamos especialistas de alto gabarito que defenderam soluções de espaço aberto, do género de “Praça Maior”.

 

E, depois de si, que decisões ou projetos merecem especial discórdia ?

Tantas coisas que não sei qual deva escolher. Olhe … não concordo com a maneira exagerada da gestão do estacionamento proibido/condicionado no centro da cidade. No outro dia fui à Cruz Verde que antigamente tinha 4 lugares para utentes. Pregaram lá com a máquina de pagamento e um indivíduo que chegue ali e tenha dificuldades de acessibilidade tem de ir ao outro lado da rua, atravessar a passadeira … …

 

E a intenção de fechar o Centro Histórico ao trânsito …

Penso que isso não vai passar. É preciso ter em conta o equilíbrio, ser uma coisa pensada de modo a satisfazer os interesses das pessoas que, legitimamente, têm os seus comércios, as suas atividades. É preciso ter cuidado porque as pessoas precisam de ter acessibilidade – admito que controlada – mas sem que se dê azo a que a atividade comercial seja muito prejudicada.

 

Do concelho-cultura para o concelho-ambiente. Guimarães ganhou ou perdeu?

A cultura foi o ponto alto dos mandatos que presidi e isso deveu-se à Dra. Francisca Abreu que nos deixou tão cedo. Assumiu o pelouro da cultura que conduziu - com o êxito que se conhece - e deu a visibilidade e dimensão que Guimarães não tinha.

 

Depois da Capital Europeia da Cultura, em 2012, Guimarães permanece como uma cidade de cultura ?

Penso que estamos muito fragilizados. Não quer dizer que não haja cultura na cidade, não é isso, mas a dimensão que foi possível depois da Capital Europeia da Cultura … Guimarães 2012 foi um marco importantíssimo que nos deu um elã tremendo a nível nacional e internacional. Exige-se um pouco mais, com verbas que eu não sei se têm ou não. É preciso complementar a atratividade que trouxe a reabilitação urbana, com a Capital Europeia da Cultura, e não deixar morrer este projeto. Nós não teríamos Capital Europeia da Cultura se não se tivesse reabilitado o Centro Histórico.

 

Deixou esse legado e Domingos Bragança que marca deixará dos seus mandatos ?

(silêncio)

 

Dedicou-se às questões do ambiente …

Mas é normal, não é ? O conceito do ambiente surge, a nível nacional, numa fase muito posterior à minha Presidência, mas isso não significa que não tenha mérito e que não se dê sequência a isso. Agora, neste momento, isso é o vulgar em qualquer Câmara do País.

 

Guimarães está a evoluir ou a regredir ?

Sou suspeito, não quero emitir opinião. Alguns cidadãos de rua que vou encontrando vão-me dizendo umas coisas, mas também pode ser por simpatia. Se fizerem uma ronda pelas pessoas elas dirão, com outra propriedade, o que pensam sobre o que está a acontecer.

 

E não quer dizer o que pensa sobre o que está a acontecer ?

Eu vejo o que está a acontecer, mas, naturalmente, não quero pronunciar-me sobre isso.

 

A ligação à Alta Velocidade é tema crucial para o futuro.  Como é que Guimarães pode apanhar esse comboio?

Algo há a fazer para melhorar a interligação entre Guimarães e os grandes municípios que nos são próximos. A responsabilidade é do Governo e só um lobby junto do poder central permitirá sonhar com um projeto de tal dimensão e ter a consciência que não é um projeto para o curto prazo. É preciso estar atento à política nacional para não se perderem oportunidades para disputar os grandes projetos que nos convêm.

Parece haver dificuldades na atração de projetos empresariais. Considerando o passado de Guimarães, com uma indústria pujante, houve regressão ?

Guimarães não tem acompanhado o ritmo de crescimento das três cidades próximas de nós: Famalicão, Braga e Barcelos. Deveríamos ter em conta algumas capacidades de poder arranjar processos de atratividade para que as empresas com essas características não nos faltem e, em consequência, termos empregabilidade.

 

Guimarães tem um problema que vem do seu tempo: a falta de habitação!

Passe a imodéstia, o meu tempo foi rico nessa matéria. Herdei da Câmara anterior - ainda do tempo do Bernardino Abreu que deu o impulso - o Bairro da Conceição e tive a “sorte” de terem sido distribuídas aquelas casas, cerca de mil, que eram muito procuradas por gente de Guimarães, da periferia e de todo o País. Depois disso voltei à carga com obras que conseguimos levar à prática, por exemplo, com bairros em Fermentões.

 

Guimarães progride para a concretização da sua ideia de “Cidade de 100 mil habitantes” ?

Não chega, não chega … tem de ir mais longe. Abrandou bastante no que toca a novas construções. Reconheço que é difícil, mas, na verdade, no período em que estive na autarquia, a Câmara teve a oportunidade de levar à prática vários projetos, com centenas de habitações, para complementar aquilo que, de algum modo, foi a herança que tivemos do Bernardino Abreu. É preciso um projeto, feito por quem de direito e com especialistas na matéria, que vá resolvendo as dificuldades - que cada vez serão maiores, em função da maneira como as pessoas querem viver, com alguma qualidade.

 

Domingos Bragança está no seu último mandato. Quem apoia para candidato do Partido Socialista às autárquicas de 2025?

Apoio o Dr. Ricardo Costa que tem todas as condições para assumir um cargo de tão grande responsabilidade.

 

Como vê o futuro de Guimarães ?

Em termos partidários, vamos ter aí uma luta ... Lamento muito que o PSD não tenha candidatos à altura como teve no meu tempo. Não conheço muito bem os que lá estão, mas - tanto quanto sei, pelo que leio - não têm a dimensão, pelo menos daquele líder que era difícil de travar, mas que dava contributos, de forma indireta, para que fossemos capazes de levar à prática projetos e ideias que saltavam a terreiro na altura das discussões muito acaloradas.

 

Está a falar de quem ?

Um atual deputado, o André Coelho Lima, com quem tenho uma boa relação.

 

Quer dizer que, neste momento, o PSD de Guimarães não tem substância?

Não conheço ninguém que se distinga como ele. Praticamente não havia uma reunião de câmara que tivesse uma aprovação generalizada. Ele tinha a propensão de poder encontrar alguma coisa que pudesse pôr em xeque o nosso trabalho. Da maneira que as coisas funcionavam na altura, um voto contra e uma declaração de voto bem feita, chegava às estruturas nacionais e, de quando em vez, aparecia uma inspeção para vigiar tudo o que fazíamos. Tanto quanto eu sei, agora não tem havido nada de especial, porque a oposição não faz o trabalho de casa.

 

A falta de inspeções tem a ver com o facto de a oposição não ser acutilante ?

Não é só ser acutilante. Tem de dar uma margem de manobra a quem recebe a informação do que se está a passar na Câmara de Guimarães - ou noutra Câmara qualquer - num registo, se quiser, inflamatório e com um argumentário que possa motivar a intervenção de terceiros. Tive vários casos e, no entanto, nunca fui penalizado de nada. As visitas das várias entidades a nível nacional eram frequentes no meu tempo.

E hoje não são ?

Que eu saiba, não. Parto do princípio que é a falta de um guerrilheiro, como era o André Coelho Lima que permite que as coisas - aparentemente e aos olhos de todos e mais alguns - estejam a correr muito bem e, porventura, estão, não posso dizer o contrário pois não vou às reuniões nem tenho elementos. Mas há uma diferença efetiva - até porque eu vejo o que se passa noutras câmaras – mas não quero com isto dizer que há coisas que exigem uma vigilância da cúpula. Só sei que eu e os meus pares, normalmente, tínhamos uma vigilância apertada e quando trabalhávamos com toda a seriedade.

 

“Esta democracia abre lugar a uma progressão de carreira partidária, clientelismo e submissão”, como afirmou a ex-vereadora Luísa Oliveira, nomeadamente em Guimarães ?

Sinceramente, salvo exceções raras, o poder local não é o melhor caminho para fazer carreira política de outro nível. O nível de exigência em vários “ramos” da política baixou muito, ao ponto de qualquer atrevido poder atingir um patamar mesmo a nível nacional. Os grupos parlamentares da atual Assembleia da República são um exemplo da dimensão negativa que estamos a passar.

 

António Emílio defende que “em Guimarães, a cidadania ativa aparece e desaparece”. Concorda ? Os vimaranenses estão adormecidos ou acordados e atentos ?

O Dr. António Emílio é capaz de ter razão. Falta coesão nas pretensões pelas quais devemos bater-nos e, para além da autarquia, integrar a sociedade civil que em áreas específicas tem muito poder.

 

E o Vitória ? O clube vive uma realidade diferente daquela que tinha quando foi Presidente da Câmara …

Aquando do Campeonato da Europa tivemos dificuldades, mas conseguimos ultrapassar e obter um financiamento para reabilitar o estádio, uma instalação que nos orgulha. O modelo de gerir o clube era diferente, embora com algumas complicações que, de vez em quando, o Pimenta Machado nos criava. Depois disso as coisas correram bem. Temos um belo estádio, mas não temos equipa, uma equipa compatível com aquilo que Guimarães já teve.

 

Equipa de futebol ou equipa dirigente ?

Equipa de futebol que depende da direção. Conheço o atual Presidente, por quem tenho estima e apoiei na primeira candidatura - em que ele perdeu - mas na segunda já não fui ao “barulho”. Reconheço que é uma pessoa simpática e, porventura, preocupada com aquilo que são os interesses do clube. Mas os tempos também são outros …  se não houver recursos, não houver vitórias e não houver, enfim, um elã que traga mais gente ao estádio, é difícil levar à prática um projeto daqueles que normalmente empolgam os vimaranenses.

 

É uma pessoa de fé ?

Conheço a Igreja por dentro. Não sou um religioso tradicional, antes crítico do que se está a passar.

 

Existe alguma figura da Igreja Católica que mais o tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano ?

O Papa Francisco é um exemplo do que deve ser um Homem de Fé.

"5 respostas rápidas"

1. Sugestão gastronómica?

Bacalhau assado na brasa no Restaurante Botas em Arosa, Cavez, Cabeceiras de Basto

2. Que livro está a ler?

"Catarina, a Grande" de Silvia Miguens

3 .A música que não lhe sai da cabeça?

Amália Rodrigues, tudo o que é Amália

4. Um filme de referência?

"E Tudo o Vento Levou"

5. Passatempo preferido?

Ler

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de abril de 2023 do Jornal O Conquistador.]

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