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Jordão dá nova volta ao mundo… a ver e ouvir histórias com o Travel Fest

Tiago Mendes Dias
Cultura \ segunda-feira, maio 13, 2024
© Direitos reservados
Do Brasil às Montanhas Malditas, os 10 autores convidados testemunharam os seus encontros com os outros e consigo mesmos e partilharam o seu método de trabalho, nas fotos, no vídeo ou na escrita.

Com a tarde já longa, as cerca de 250 pessoas que enchiam o piso inferior do Teatro Jordão irromperam numa salva de palmas aos viajantes alinhados sobre o palco: coube ao presidente da Associação de Bloggers de Viagens Portugueses (ABVP), Filipe Morato Gomes, e ao seu vice-presidente, Rui Barbosa Batista, proferirem as derradeiras palavras de um fim de semana tão amplo como as paisagens e as pessoas contadas pelos 10 oradores convidados para a quarta edição do ABVP Travel Fest. O derradeiro vídeo do programa, da youtuber Eva Zu Beck a completar uma ultramaratona nas Montanhas Malditas – cordilheira entre Albânia, Montenegro e Kosovo –, evocou a sensação de caminho que envolveu o festival desde a primeira apresentação, no sábado de manhã; ao falar do seu blogue “Raízes do mundo”, Cris Marques testemunhou o esforço de melhorar alguns locais do Brasil através do turismo de base comunitária.

Essas histórias abriram as portas a muitas outras, separadas umas das outras por milhares de quilómetros, mas unidas no efeito transformador em que as viveu. O catalão Joan Torres partilhou as suas experiências em lugares muitas vezes considerados de risco e Bernardo Conde, autor do “Trilhos da terra”, partilhou as suas vivências em Madagáscar, antes de uma tarde com filmes documentais, uma mesa‐redonda e a partilha de Phoebe Smith, britânica à procura do lado mais aventureiro das viagens.

O domingo começou com o trabalho da ativista sócio‐ambiental Shivya Nath com várias comunidades da Índia e com as imagens de Vicente Fraga que contam histórias de alguns dos mais recônditos lugares de Espanha, Galiza sobretudo. De seguida, a escritora de viagens Raquel Ochoa partilhou algumas das suas experiências e a forma como as transcreve para livros.

 

 

O poder dos detalhes

Vencedora do Prémio Agustina Bessa‐Luís em 2009, com “A casa‐comboio”, romance histórico com ação em Goa, Damão e Diu, territórios indianos outrora sob administração portuguesa, Raquel Ochoa contou uma experiência de quase‐morte no Brasil, durante a viagem à América do Sul que inspirou o seu primeiro livro – “O vento dos outros” –, uma experiência de perigo na República Checa ou uma situação insólita vivida nas Filipinas; na sequência de um tufão, uma casa ficou inclinada a 90 graus face à sua posição original, mas sem mácula.

Os testemunhos pontuaram uma apresentação que realçou a importância dos detalhes para quem quer escrever. E de se tirar notas para não os perder. “Os detalhes em questão são os detalhes para o contador de histórias, aqueles que despertam a imaginação e a capacidade narrativa”, frisa. As obsessões, a metáfora e o tom, a “respiração do autor”, também definem o que pode ser a escrita de viagens, sempre atenta às dimensões física, cultural e interior da aventura. Evitar a repetição de palavras é um pormenor a ter em conta, o “aspeto que praticamente diferencia a escrita amadora da profissional”, considerou. Os seus livros são um exercício de intimidade, mas não de voyeurismo. “Nos livros, partilho um terço do que me acontece em viagem. E quero que o leitor possa ver o que os meus olhos viram, que viaje comigo”, reflete a escritora lisboeta.

 

 

Seguir as emoções como modo de filmar

Antes sequer de começar a falar, já a plateia compreendia o que era o trabalho de Brandon Li; depois da exibição de “Paixão da Andaluzia”, uma curta‐metragem de pouco mais de oito minutos, repleta de vertigem, movimento e cor, num todo coerente entre transições surpreendentes, o norte‐americano de St. Louis partilhou, em cerca de meia hora, a essência técnica e artística do seu trabalho. Uma pequena câmara, um estabilizador e um microfone são um ponto de partida para os seus vídeos, normalmente criados num intervalo de quatro a seis meses.

Do sonho de ver um trabalho seu na National Geographic – os caçadores de águias na fronteira entre Mongólia e Cazaquistão, num trabalho em que uma câmara esteve em cima de uma águia –, às cores de Hong Kong numa fase em que lutavam por manter à tona a sua identidade, aos mercados e à rigorosa cultura académica da Coreia do Sul, antes das filmagens na Andaluzia e em Marrocos, também partilhou a visão que pretende transmitir dos lugares: eles têm de ter uma cultura de vida dinâmica e de representar os sentimentos da população local. Antes de qualquer viagem, Brandon Li reúne‐se sempre com alguém nativo para lhe perguntar o que gosta e o que não gosta na sua terra e o que nela sobressai. Depois, é uma questão de “seguir as emoções”, de filmar, transparecendo a energia e a cor, de encontrar conexões inesperadas para ligar um trabalho que nunca começa com storyboard.

 

 

Saber encontrar o outro… com cunho vimaranense

O vimaranense do painel, Vítor da Silva, abriu a tarde de domingo para partilhar as experiências de etnógrafo entre comunidades indígenas da Amazónia e dos Himalaias, região do mundo onde se veio a radicar com a sua esposa.

Crítico para com as ideias de desenvolvimento impostas pelo “homem branco” a essas populações ao longo dos últimos 500 anos, Ethnopoet – assim se intitula a sua página no Instagram – contou as aprendizagens no seio dessas comunidades, enalteceu a competência com que regem o dia a dia, numa harmonia com o ambiente em redor e alertou para os efeitos das alterações climáticas no seu modo de vida. Deixou ainda algumas recomendações a quem se quiser encontrar com comunidades indígenas, feitas de pessoas que, como todas as outras, querem ser felizes à sua maneira.

Um viajante com postura ética deve assim fazer pesquisa prévia, estar aberto a contar a sua história antes de ouvir a de quem é visitado, garantir um consentimento prévio e informado se quiser produzir algum conteúdo em que as pessoas nativas participem e estar disposto a colaborar com eles em alguma tarefa, de forma orgânica, com sentido de reciprocidade. No fundo, ter “um coração aberto”.

 

 

De uma vida convencional a youtuber de viagens: transformação em cinco passos

A quarta edição do ABVP Travel Fest encerrou com Eva Zu Beck, viajante com cerca de quatro milhões de seguidores nas várias redes sociais. No Youtube, plataforma onde divulga os seus vídeos, são 1,8 milhões. Apresentadora dos vídeos onde mostra os locais que visita e as peripécias que vive pelo meio, a youtuber polaca, nascida em Wroclaw e crescida em Londres, falou de transformação interior em cinco passos, associados a cinco lugares.

Relacionou o Paquistão, segundo lugar que experienciou na sua vida nómada, com a importância da confiança, a Mongólia com o poder da solidão, a experiência com o povo Bakhtiari, nos Montes Zagros (Irão), com exemplo de turismo que tenta beneficiar as comunidades locais, a passagem por Socotra (Iémen), ilha sem qualquer infraestrutura turística, como forma de escapar aos confortos durante a pandemia, ao mesmo tempo que colaborou num movimento para preservar as típicas árvores sangue de dragão, e as Montanhas Malditas com a relevância das coisas difíceis. Os 200 quilómetros que ali fez despertaram‐lhe o hábito das ultramaratonas.

Embora as viagens não tornem uma pessoa necessariamente melhor, Eva Zu Beck acredita no seu potencial para cada um reencontrar “fragmentos de si próprio”. E reconheceu também o dilema ético de ter tantas pessoas a acompanharem as suas passagens por lugares remotos, pelo perigo de se exporem à massificação do turismo, com eventuais comportamentos irresponsáveis que daí advenham.

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