Em noite de Reis, foi João Mendes quem reencontrou a estrela perdida
O destino do 129.º dérbi do Minho parecia escrito em noite gélida de Reis, mas João Mendes teve inteligência e muita inspiração para dissipar as nuvens que se abatiam irremediavelmente sobre o Vitória e para fazer brilhar a estrela que conduziu o emblema do Rei não aos três desejados pontos, conforme o treinador Álvaro Pacheco pedira na antevisão, mas a um ponto.
Por sinal, bem saboroso para as cores preta e branca. O tempo de compensação já se esgotara quando o médio regressado de lesão se encheu de inspiração e desferiu uma bomba para o fundo das redes bracarenses, silenciando a maioria do Estádio Municipal de Braga e deixando em polvorosa os aficionados vitorianos na parte superior da bancada nascente. A bola até vai ao meio da baliza, mas com semelhante força e repentismo que Matheus nada podia fazer.
O golaço coroou o papel de João Mendes no ressurgimento do Vitória em campo. Os homens vestidos de negro pareciam moribundos quando o médio reentrou. Ele estabilizou a equipa, progrediu no terreno, desequilibrou. Enfim, jogou e fez jogar. No final, foi recompensado pelo perfume que deu a um dérbi amarrado na primeira parte e claramente inclinado para os homens da casa na segunda, até à sua entrada.
A inclusão de André Silva no onze era mais do que esperada após ter sido suplente com o Rio Ave. Quanto à vaga de ligação entre o meio-campo e o ataque, ocupada por Nélson da Luz após a lesão de João Mendes, subsistiam mais dúvidas. O extremo angolano esteve longe de brilhar nos dois jogos em que foi chamado à titularidade, e Álvaro Pacheco optou pela fórmula ensaiada no particular de 30 de dezembro, com o Trofense: Nuno Santos no trio de ataque.
Vestidos de negro, os vitorianos pareceram espevitados nos primeiros instantes, com duas incursões à área contrária, mas não tardaram a sentir o primeiro calafrio numa noite já de si gelada: Victor Gómez ganhou espaço na direita e cruzou para o amortecimento de Ricardo Horta ao primeiro toque para o remate de João Moutinho. Bruno Varela travou esse remate, mas nada pôde fazer para travar a recarga de Zalazar. Seria o 1-0 não fosse o fora de jogo de Ricardo Horta.
O golo pouco influenciou a toada vista até então: muita circulação de bola, com toques curtos, principalmente do lado arsenalista, mas pouco futebol junto às balizas. A inclusão de Vítor Carvalho no meio-campo dos bracarenses tornou mais compacto o adversário dos vitorianos e dificultou eventuais saídas em velocidade dos comandados de Álvaro Pacheco. A exceção à regra foi um remate surpresa de Abel Ruiz aos 14 minutos, com a bola a embater na parte exterior do poste.
O Vitória queria espaço para lançar ataques rápidos, mas eles escasseavam. Quando os conseguia, a definição ofensiva falhava quase sempre: um exemplo paradigmático dessa pecha foi o passe com demasiada força quando Ricardo Mangas já ganhara a linha de fundo. O mesmo Ricardo Mangas rematou muito por cima pouco depois, num ângulo que não era o melhor.
No último quarto de hora, os bracarenses projetaram-se um pouco mais para a frente e colocaram Bruno Varela à prova num cabeceamento de Serdar em boa posição, o único lance perigoso numa maralha que acabou quase sempre fora das quatro linhas ou tranquilamente nas mãos do guardião vitoriano. Foi nesse período que o Vitória teve o espaço que lhe faltava, mas sem astúcia para o aproveitar: entre os sucessivos passes errados, salvou-se uma iniciativa de André Silva, concluída com um remate de Nuno Santos por cima, e um remate de Jota Silva agarrado por Matheus.
O Vitória afinou essas saídas ao primeiro toque após o regresso dos balneários, com reflexos no perigo que levou à baliza arsenalista: Jota Silva perdeu, contudo, dois duelos com Matheus. Primeiro, rematou após uma incursão pela direita e. no canto subsequente, cabeceou para defesa do guardião brasileiro. À semelhança da primeira parte, contudo, os comandados de Álvaro Pacheco voltaram a sofrer na primeira vez em que se depararam com um ataque contrário, desta feita sem fora de jogo que lhes valesse.
Uma perda a meio-campo gerou muito espaço para o Braga atacar: fê-lo pela direita, com Ricardo Horta a abrir para Rony Lopes, que atrasou por sua vez para Vítor Carvalho. Com muito espaço à entrada da área na sequência do desequilíbrio vitoriano, o médio brasileiro rematou colocadíssimo para inaugurar o marcador.
O jogo mudou a partir daí: obrigado a reagir, o Vitória perdeu o discernimento, começou a falhar as saídas com bola ainda no seu meio-campo e concedeu ao adversário espaço que ele nunca tivera na primeira parte. A consequência foram as sucessivas oportunidades junto à oportunidade de Bruno Varela, irrepreensível a opor-se a um desvio de um avançado contrário no coração da área. Pouco tempo depois, limitou-se a ver a bola em arco de Rony Lopes rasar o seu poste.
O Vitória só travou a avalanche bracarense depois dos 70 minutos, com as entradas de Adrián Butzke e, sobretudo, de João Mendes. Regressado de lesão, o médio devolveu ao Vitória o critério que lhe falhava com bola. Foi a chave para o Vitória estabilizar e organizar o seu jogo, montando um cerco à área bracarense. Os homens de negro montaram um derradeiro assalto à baliza do Sp. Braga, parcialmente sucedido. No último suspiro, João Mendes chamou a si o protagonismo e selou o empate. Ninguém reivindicou a coroa nesta Noite de Reis, mas o Vitória despede-se dela com um sabor mais doce, inverso àquele com que deixara o Estádio do Bessa, em dezembro.