Meio ano de Guimabus. “Verdinhos” agradam, mas há afinações a fazer
Nova concessão de transporte público rodoviário de Guimarães está a funcionar há seis meses. “Ainda é cedo” para atestar a “revolução dos transportes” propalada por Sofia Ferreira ou a “mudança cultural” perspetivada por Fernando Salgado. Em meio ano, registaram-se 2,5 milhões de validações e foram percorridos dois milhões de quilómetros numa linha mais extensa, com mais horários. Mas o número de passageiros está ainda distante da meta traçada, apesar de subir mês após mês. A oferta ainda não chega a todo o município e nas fraldas do concelho há acertos a fazer a meias com a CIM do Ave. Há uma versão 2.0 a ser preparada para setembro.
São três da tarde e o ribatejano António Pirralho está na paragem de São Dâmaso Norte. Foge do calor insuportável da paragem para se esgueirar uns metros para trás enquanto espera pelo 138 em direção a Fermentões. “Tenho o cartão de combatente e, por isso, não pago. Ando poucas vezes, mas só posso dizer bem”. Ali praticamente ao lado, Francisca Gonçalves desembarca no Campo da Feira vinda de Nespereira. “No meu caso mantém-se tudo igual, os horários que uso e as paragens são as mesmas, mas há mais autocarros”, diz. Na mesma paragem está Francisca Araújo, aposentada, que espera pelo 517 com direção a Paçô Vieira, que a há de levar à Cruz da Argola: “No princípio andavam muito certinhos, muitos autocarros. Agora andam mais espaçados, mudaram algumas coisas que deveriam ter ficado como era antes, com a empresa anterior”, desabafa. Em correria para embarcar rumo a Urgezes num dos autocarros elétricos que se aproxima, com o passe desdobrável em punho, Pedro Teixeira adianta que “há mais flexibilidade para quem mora nos arredores”, com “mais autocarros e ao mesmo preço”. Num rápido sentir do pulso à nova concessão de transporte público rodoviário vimaranense, percebe-se a azáfama.
A Guimabus está a operar há meio ano, substituindo os TUG – Transurbanos de Guimarães – que operaram desde a década de 60 com uma rede claramente deficitária. Daí que o dia 1 de janeiro deste ano fosse considerado um passo importante para a “revolução dos transportes em Guimarães”, como frisou Sofia Ferreira, vereadora com esse pelouro. Fernando Salgado, CEO da Guimabus, apontou que a nova concessão trabalharia em conjunto com o município numa “mudança cultural” quanto à mobilidade dos vimaranenses. “Ainda é cedo” para aferir essa mudança cultural, assume Fernando Salgado meio ano depois do arranque da Guimabus.
Ao Jornal de Guimarães Sofia Ferreira sublinha que “a revolução carece sempre do tempo necessário à perceção da mudança e da sua integração nos hábitos adquiridos”. Mesmo sendo um período relativamente curto para se avaliar a implementação do serviço público de transportes num concelho como Guimarães, o balanço é “positivo”, quer por parte da empresa quer por parte do município, enquanto Autoridade de Transportes. “Neste momento a operação está estabilizada. Conseguimos implementar toda a oferta à qual nos propusemos”, sustenta Fernando Salgado.
Artur Sousa é o diretor de operações da Guimabus e um dos principais responsáveis pela operacionalização do serviço; tem de passar do papel para a estrada a frota mais elétrica do país. Também o seu balanço é “positivo”, ainda que “os primeiros quinze dias tenham sido complexos”, admite. Olhando para os números, mesmo não tendo uma base de comparação com a anterior concessão, o número de passageiros está abaixo do projetado pela empresa. “Ainda estamos fora do que entendemos como objetivo alcançável. Nos dias úteis andamos com uma média de 17 mil validações, aos sábados temos uma média de seis mil e aos domingos e feriados três mil. É bastante menos do que o que perspetivávamos”, refere Artur Sousa. A empresa apontou como objetivo transportar sete milhões de pessoas no primeiro ano, o que perfaz 3,5 milhões para os primeiros seis meses. Contas feitas, este primeiro objetivo está a um milhão de pessoas de distância; até agora foram validados sensivelmente 2,5 milhões.
“Depois da desconfiança inicial, o número de validações tem vindo a crescer progressivamente todos os meses”, Artur Sousa, diretor de operações da Guimabus
Voltemos ao coração da cidade, entre as conhecidas paragens de São Dâmaso e do Campo da Feira. “Por vezes até há excesso de horários em algumas linhas no centro da cidade”, deixa escapar Artur Sousa, o que facilmente se constata pela presença constante de autocarros por estas zonas, que se desdobram para quase todo o concelho. Quase todo, porque freguesias como Arosa e Castelões ou Serzedo e Calvos não entram nas rotas da Guimabus. Uma situação que estará perto de ser resolvida, como veremos mais à frente. Os maiores problemas no que concerne aos transportes públicos está precisamente nas periferias do concelho, onde a oferta se reparte entre município e CIM do Ave – Comunidade Intermunicipal do Ave. É essa a principal conclusão que se pode retirar da conversa entre o Jornal de Guimarães e os presidentes de Junta de Freguesia de quatro vilas: Caldelas, Lordelo, Ronfe e São Torcato. [Ver páginas 14 e 15]
Para lá dos números, a nova concessionária dos transportes de Guimarães foca-se, para já, na operacionalização de toda uma “nova rede com mais oferta e melhores autocarros”, sustenta o CEO da empresa. Com a Guimabus, a oferta aumentou de forma incomparável no que à extensão da rede diz respeito, assim como os horários. Apesar de, tal como apontado anteriormente, os números estarem fora do perspetivado, a empresa destaca o crescimento gradual de pessoas a usar os “verdinhos”, como alguns lhe chamam, para sustentar o trabalho desenvolvido. A alta fiabilidade, assente em vários parâmetros, é outro dos fatores que contribui para o propalado balanço positivo.
“Na eficácia operacional temos um índice de fiabilidade superior a 99%, o que é muito bom, tendo em conta que a maioria da nossa rede é urbana. Nas redes urbanas há, normalmente, supressões de horários, devido ao trânsito, por a cadência ser inferior ao esperado nas horas de ponta. Daí este índice ser raro em Portugal. Notamos também um crescendo de adesão ao transporte público em Guimarães: a Guimabus não era uma marca conhecida, as pessoas no início achavam que ia ser sol de pouca dura, mas foram ganhando confiança e temos notado isso nas validações. Temos crescido de mês para mês”, aponta Artur Sousa.
Mais elétricos a caminho: objetivo é percorrer 40% dos quilómetros diários com esta fonte de energia
Apresentada como a concessionária de transportes com mais autocarros elétricos do país e, ao mesmo tempo, a frota mais jovem de Portugal, a Guimabus tem no ambiente – de mãos dadas com o município que que quer ser Capital Verde Europeia em 2025 – uma das principais preocupações. Uma percentagem significativa da produção quilométrica dos “verdinhos” é feita em autocarros elétricos, essencialmente nas linhas urbanas da cidade, sendo que o objetivo é aumentar essa percentagem nos próximos tempos.
“Temos 22 autocarros elétricos e tentamos fazer uma otimização ao máximo desses autocarros, que neste momento representam 30% da nossa produção quilométrica. Vamos receber mais quatro autocarros elétricos e o nosso objetivo é otimizar ainda mais estes carros, também devido ao aumento dos custos dos combustíveis, aumentando para 40% os quilómetros efetuados em elétricos. Isto é, obviamente, bom para o ambiente devido às emissões de carbono”, defende Fernando Salgado.
Outra variável a ter em conta é o preço. Na maioria dos casos o preço dos passes manteve-se inalterável. A este nível o município destaca as “significativas reduções no preço a pagar pelos diferentes grupos-alvo”, no âmbito do PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária, que se faz sentir, conforme detalha Sofia Ferreira, “nos passes gerais, com uma diminuição indiferenciada de 50%”, assim como na “gratuitidade até ao ensino superior, sem prejuízo de outros, associados aos maiores de 65 asnos, reformados, ou de pessoas com mobilidade condicionada”. Elenca a vereadora que foi inclusivamente pensado o comboio, “consignando medidas para os respetivos utentes, numa utilização multimodal”.
Processo dinâmico: versão 2.0 prometida para setembro
Desde o início da concessão, essencialmente no arranque, como já foi frisado, a Guimabus procedeu a alguns ajustes na sua oferta. Correções de horários, adaptações logísticas e alterações de linhas foram as principais modificações de um “processo dinâmico”, conforme faz alusão Fernando Salgado. Este dinamismo está, em grande parte, relacionado com a interação que a empresa tem tido, e pretende continuar a ter, junto das associações do concelho, juntas de freguesia, escolas e outras entidades. “Não queremos ser simplesmente um operador que coloca a sua oferta no mercado e quem quiser que a procure. Tentamos de estar sempre próximos das pessoas para que nos seja possível melhorar o serviço, a nossa rede, os nossos horários os recursos, a logística e tudo o que tiver de ser alterado”, pontua o CEO da empresa: “Estamos a preparar o novo plano de rede e oferta para o município. Esperamos em setembro ter novos horários e correções aos percursos para servir melhor a população”.
É deste processo dinâmico que está a ser preparada uma espécie de versão 2.0 da concessão de transportes públicos. “Com seis meses de operação, através da procura e da oferta, já temos dados para fazer ajustes”, refere o diretor de operações da Guimabus. Os ajustes estavam já previstos no caderno de encargos e irão incidir em vários aspetos, não só a nível de horários e de rede, mas também de medidas, já anunciadas, relativamente à bilhética e à interatividade com os utilizadores. “Várias situações tiveram um atraso na implementação, não por falta de vontade e de esforço da nossa parte, mas porque o nosso fornecedor de bilhética teve alguns problemas. O pagamento por SaltPay já está disponível em dez pontos do concelho, mas o objetivo é ter em cada freguesia pelo menos um posto SaltPay. Penso que até ao final do ano o pagamento por MBway, e de preferência por multibanco, também ficará ativo. E neste momento estamos a fazer a implementação na nossa app da funcionalidade que permite acompanhar em tempo real as nossas viaturas, o que é um salto qualitativo enorme”, explica Artur Sousa.
Outra das novidades que está a ser alinhavada, não pela Guimabus, mas pelo município como proposta complementar à rede regular, é o Transporte de Passageiros Flexível (TPF), ou o “transporte a pedido”. É neste ponto que se pode resolver a questão de Arosa e Castelões ou de Serzedo e Calvos. Sofia Ferreira adianta que este “processo se encontra numa fase avançada de operacionalização com a empresa municipal Vitrus Ambiente, prevendo-se a sua contratualização em reunião de Câmara e Assembleia Municipal a realizar em setembro”.
Apresentada na divulgação do estudo de mobilidade para o concelho, reunião de Câmara, o modelo permitirá aos vimaranenses onde a oferta é escassa, ou nula, usufruírem do serviço. “Este modelo não coloca em causa o serviço público em todo o território com caráter regular”, sustenta a vereadora, acrescentando que “o objetivo do TPF passará essencialmente pela cobertura territorial de menor densidade ou com défice de oferta”.
O processo é, então, dinâmico “devendo ser objeto de constante aperfeiçoamento e resposta às necessidades dos utentes”, assume Sofia Ferreira. Assim sendo, a vereadora ressalva que, no futuro, todos os contributos de utentes, empresas, juntas de freguesia ou outras entidades, bem como pelos serviços da Câmara Municipal serão “objeto de análise” e eventualmente de “provimento”, porventura “em regime temporário experimental”.