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Meireles Graça: recordista de pregões que “não soube dizer não à comissão”

Bruno José Ferreira
Cultura \ domingo, dezembro 05, 2021
© Direitos reservados
Rufam novamente as caixas e bombos, sob a batuta do pregoeiro. São Nicolau vai voltar a enviar uma mensagem ao burgo em forma de pregão. Meireles Graça encriptou essa mensagem vários anos.

Nas sacadas e varandas, de voz altiva e eloquente soltam-se as rimas. Críticas à sociedade vimaranense, de forma satírica mas ao mesmo tempo erudita, ao poder local e aos governantes saem da voz do pregoeiro em diração à multidão em mais um número das Nicolinas.

Este domingo, 5 dezembro, cumpre-se mais uma tradição, à qual é difícil fugir ao nome Meireles Graça. Atualmente com 84 anos, este Velho Nicolino é “recordista” na escrita de pregões. “Dezasseis ou dezoito, já nem sei” conta ao Jornal de Guimarães, recordando apenas que o último foi em 2005.

O primeiro terá sido recitado em 1961 pelo aluno do sétimo ano do Liceu de Guimarães António Salgado. Não querendo entrar em aulas de português, até porque diz não estar habilitado para tal, Meireles Graça atira que “escrever um pregão não é assim tão fácil como parece”.

 

“Há pregões que são autênticas obras literárias”

Aliás, “o pregão é literário”, atira o autor que já publicou vários livros sobre as tradições nicolinas. Fundador da Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães, o vimaranense sublinha que os pregões “não podem ser escritos de qualquer maneira” e têm de obedecer às regras.

“O pregão tem as suas regras próprias, não pode ser escrito de qualquer maneira, nem mudar a tradição. É em alexandrinos que deve ser escrito. Há pregões, não os meus, que são autênticos poemas, são obras literárias”, reconhece, acrescentando que os pregões são autênticos exercícios criativos de métrica.

Meireles Graça, considerado por todos um “bom Nicolino”, é recordista na escrita de pregões porque “nunca soube dizer que não às comissões”. E assim ajudou a dar corpo a mais do que um número das Nicolinas, “uma das formas de comunicação mais antigas, talvez a primeira”.

 

“São Nicolau manda pelo pregão uma mensagem”

Figura nobre na cidade, tendo colaborado com as mais diversas associações, Meireles Graça diz com propriedade o que é para si o pregão. Em traços gerais, até porque se não for sintético perde-se a falar das Nicolinas, para Meireles Graça através do pregão São Nicolau “manda uma mensagem” aos vimaranenses.

“São Nicolau manda pelo pregão uma mensagem, um recado e muitas vezes quase que uma ordem à população. Daí a grande adesão do povo ao Pregão Nicolino. Normalmente o Pregão Nicolino reproduzia os anseios do povo. Era um protesto contra o poder instituído. É por isso que o pregão ainda hoje sobrevive e não pode acabar”, explica.

Depois, abaixo do local onde o pregão for declamado, “lá está o povo para exigir ou pedir” o que o pregão vaticinar. Trata-se, portanto, de um momento erudito que “exige conhecimento a quem o escreve, e exige que o escreva com coração e com alma, e conheça as regras de metrificação".

 

“Ao ler os pregões temos a história de Guimarães”

A conversa já vai longa e Meireles Graça, que escreveu o último pregão há dezasseis anos, apesar da idade avançada continua a ler todos os pregões; “sem fazer comentários”. Comenta apenas os seus. “Os meus pregões são muito piores do que os pregões mais antigos, porque não consegui atingir o nível dos melhores autores de pregões. Não sou o melhor autor de pregões”, considera.

Frequentou o Liceu de Guimarães em 1948, ainda que por pouco tempo. Ainda assim, o suficiente para ficar com o “vício e a doença disto que é quase uma religião”. Mais do que um número festivo, mais do que um momento para pôr caixas e bombos a rufar, o pregão é uma forma de comunicação e uma forma de perpetuar a história.

“Há vários pregões que ainda subsistem e foram publicados pela AAELG e se forem a ler todos esses pregões quase que podemos fazer a história da cidade de Guimarães, mas também está aí registada quase que a história de Portugal. Isso não se pode perder”, remata.

Terminamos com uma espécie de recado de Meireles Graça, que sai de forma espontânea quase em tom de pregão. “As Nicolinas tiveram fases difíceis, são uma tradição com quatrocentos anos, e quatrocentos anos não é para brincar com a tradição. Quatrocentos anos é para ter muito respeito por esta tradição que uma cidade como Guimarães faz e mantém há quatrocentos anos”. Respeite-se então a tradição, como os vimaranenses sabem fazer. Este domingo lá estaremos para escutar a mensagem de São Nicolau para o burgo.

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