No Toural, voltou-se a pôr a mesa e a tomar café dentro de portas
Num lugar onde há décadas existiu um café com motivos egípcios, a porta está aberta. Após a subida de vários lanços de escadas, há uma sala com mesas e talheres regularmente dispostos, à espera de quem deles se sirva. Integradas na fachada pombalina do Toural, as janelas abrem-se para a praça. Estas são imagens de um restaurante que se abre aos clientes após três meses de encerramento face aos efeitos da covid-19.
“Há aqui um misto de emoções, de começar a sentir que está a voltar alguma normalidade. Há uma coisa muito importante que é voltar a ter contacto com os clientes. Estamos aqui há 40 anos e temos clientes que nos visitam há quase 40 anos”, diz Abel Fernandes, proprietário do Oriental, ao Jornal de Guimarães.
Grato pela ausência de casos de infeção no staff, o sócio-gerente frisou ter resistido à pandemia sem perder funcionários, depois do serviço de take away na avenida D. João IV ter compensado a diminuição de 80% nas receitas entre 2019 e 2020. Durante o confinamento, aproveitou também para envernizar algumas das salas e, agora, com as portas de novo franqueadas, espera que as pessoas não receiem ali estar; Abel Fernandes confia, de facto, que a segunda retoma vai correr melhor do que a primeira.
“O primeiro desconfinamento foi um bocado perigoso, porque as pessoas tinham efetivamente medo. Acho há mais informação sobre o vírus e a forma como se transmite. Mas no final da semana já saberemos como as pessoas reagem”, explica. Olhando para trás, Abel Fernandes defende até que seria melhor o confinamento de 2020 ter tido mais um mês, já que, no arranque dessa retoma, o Oriental recebeu poucos clientes; além da parca faturação, a equipa teve de lidar com uma sensação de culpa. “Estar aberto e receber poucos ou nenhuns clientes é uma sensação horrível. A gente sente-se um pouco culpada quando os clientes não aparecem”, confessa.
A covid-19 obrigou estabelecimentos vários a mudarem a forma de trabalhar, mas também a forma como se encaram certas situações do dia a dia, reconhece ainda Abel Fernandes. A marca “mais esquisita” que a pandemia lhe deixou até agora é o “medo da polícia”. “A polícia existe para nos dar segurança e de cada vez que a vemos sentimos medo. Devia ser exatamente ao contrário”, observa.
O sítio das manhãs da reforma
Diante do chafariz renascentista do século XVI, a porta envidraçada do Milenário já pode ser empurrada. Sem esplanada que permitisse a reabertura a 05 de abril, o café fundado em 1953 voltou a ter gente dentro nesta segunda-feira. Numa das mesas circulares, encontram-se João Ramos e Manuel Guimarães.
Residente em S. Tiago de Candoso, Manuel é cliente há 23 anos e passa ali todas as manhãs desde que está na reforma. “Gosto de vir aqui conversar com os amigos. Custa muito estar em casa, sem fazer nada. Custa muito”, confidencia ao JdG o cidadão de 73 anos.
O confinamento do primeiro trimestre interrompeu esse ritual, deixando Manuel sem motivos para se deslocar ao centro da cidade, a não ser para fazer o Euromilhões, uma vez por semana. Para não se esquecer do hábito, tomava café em casa. “Não é igual. É muito diferente”, admitiu.
Se o cliente sentia falta do Milenário, os funcionários do café sentiam falta de quem lá vai. É o caso de Aníbal Loureiro, funcionário do estabelecimento há 14 anos. “Isto não foi bom para ninguém, principalmente porque estávamos habituados a conviver com as pessoas diariamente. Isso afeta muito também”, reconheceu.
A propósito da falta dessa “convivência diária”, Aníbal diz mesmo que Guimarães sem o movimento do Toural “não é nada”. O funcionário admite, porém, que a antiga normalidade do café demore a regressar face ao eventual “receio” dos clientes, maioritariamente idosos, em frequentarem o espaço.