O Excentricidade levava arte às freguesias. Agora quer residir nelas
“De uma forma geral, tem acontecido música, cantar e pegar na tradição oral minhota, mais especificamente de Moreira de Cónegos, como músicas da procissão das Senhoras do Monte. A partir daí, é preciso tentar construir algo que não seja só de Portugal, mas também de Moreira”, resume Nuno Duarte, ao abordar Verde Preto, o trabalho em curso entre a Discos de Platão, associação cultural, e a comunidade daquela vila de indústria.
A busca por tradições que se perdem nos tempos norteia uma residência artística que ilustra o novo paradigma do Excentricidade, programa de descentralização cultural interrompido nos anos de maior impacto pandémico, 2020 e 2021; os polos são os mesmos – Moreira de Cónegos, Pevidém, Ronfe, Brito, Ponte, Taipas, Barco, União de Freguesias de São Salvador e Santa Leocádia de Briteiros, bem como São Torcato -, mas o desenho da iniciativa será outro.
A rigidez dos espetáculos bimensais, sempre marcados para o mesmo dia da semana, desdobra-se num calendário que inclui residências artísticas, espetáculos de música ou teatro, sessões de cinema e até conversas sobre temas específicos. O vereador municipal para a Cultura crê que o novo modelo combate a “estagnação” da simples oferta de espetáculos, instaurada em 2015, e torna “mais rico” o processo de envolvimento cultural de cada um dos polos.
“O Excentricidade continua a acontecer nos nove polos em que acontecia. Prescinde da regularidade, mas não da qualidade”, defendeu Paulo Lopes Silva, no centro paroquial de Moreira de Cónegos. “Ao invés de um dia em que contratamos um espetáculo para aquele dia e ele desaparece, teremos um processo de residências artísticas na comunidade em que vai acontecer”.
Além de Verde Preto, há outras três residências artísticas já em curso: uma residência de Frederico Dinis, artista ligado à Universidade de Coimbra, para a cartografia das memórias têxteis de Pevidém, o trabalho do artista Bruno Laborinho com o grupo de teatro Citânia e a cooperativa Castreja, em Briteiros, e a colaboração do grupo de teatro etcetera, de Vila Nova de Gaia, com a comunidade de Ronfe.
Para Paulo Lopes Silva, espetáculos dessa natureza são fruto de projetos de “menor intensidade”, mas “mais ricos a nível de criação artística”. “Se o espetáculo permite este envolvimento mais profundo, com levantamento das tradições locais, permite também aos artistas trabalharem com uma calma nem sempre associada à atividade”, disse.
A previsão da Câmara Municipal é que, em 2022, cada um dos polos disponha de uma intervenção artística de comunidade até ao final do ano, “complementada com dois ou três momentos de programação regular”. Para 2023, consoante a “gestão orçamental”, a estimativa é ainda mais ambiciosa. “Queremos que cada polo do Excentricidade possa ter duas residências e quatro ou cinco espetáculos durante o ano. Não temos a cadência bimensal que existia, mas temos a quantidade de apresentações públicas equivalente”, esclareceu.
Com a ideia das residências, cada polo pode agora “passar dois ou três meses sem um espetáculo”, mas ter, por exemplo, “uma conversa, uma sessão de cinema ou uma sessão de trabalho sobre determinada temática” nesse entretanto, detalhou.
O “novo paradigma”, explicou ainda o vereador, prevê ainda que os espetáculos nos moldes anteriores possam coincidir com “momentos altos” da respetiva freguesia – exemplo da Festa da Juventude, em São Torcato -, não significando um “aumento de investimento”; o projeto arrancou com 100 mil euros anuais, em 2015.
Linguajares que se perpetuam, venham eles dos pedreiros, dos lavradores, das lavadeiras
Associada a Nuno Duarte e a Rui Souza na Discos de Platão, Alexandra Saldanha frisou que a criação de Verde Preto vai gravitar em volta da tradição oral, um universo que lhes tem dado a “conhecer pessoas maravilhosas”, inspiração para a criação de espetáculos.
Num painel ainda composto por representantes de algumas das freguesias, o anfitrião António Brás Mendes Pereira testemunhou alguns desses exemplos, mesmo que já não sejam do seu tempo: os cânticos das vindimas, repletos de “alegria para compensar o esforço de um trabalho duro”, dos pedreiros que faziam a pedra rolar para erguer aquela que é hoje a igreja da vila, dos rapazes que comunicavam com os bois, das mulheres que lavavam no regato do Arquinho e dos cânticos entoados na procissão às Senhoras do Monte, a cada 10 de junho.
“Em 1963, os primeiros homens que regressavam da Guerra Colonial iam às padroeiras do exército. Nessa romagem, só poderiam ir homens. Essa romagem existe em Moreira de Cónegos desde 1963, a 10 de junho. Só podiam ir os homens, que têm um cântico muito próprio”, contou o presidente da Junta de Freguesia de Moreira de Cónegos.