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O fantasma do fim volta a pairar sobre a Coelima 30 anos depois

Tiago Mendes Dias
Economia \ quinta-feira, abril 15, 2021
© Direitos reservados
O pedido de insolvência traz à memória o verão de 91, quando a empresa se viu na mesma situação, com dez vezes mais trabalhadores. Sindicato vai fazer plenários e critica anterior administração.

Aproximam-se as 08:00 e ouve-se o ruído de passos. Oriundos de várias direções, grupos de trabalhadores, mulheres sobretudo, deslocam-se apressadamente para a única entrada da Coelima. Seria mais um dia de trabalho como outro qualquer, não fosse a novidade vinda nesta quarta-feira a público: a empresa do grupo MoreTextile pediu insolvência face a uma alegada quebra de 60% na faturação e ao insucesso das candidaturas às linhas de crédito para o combate à covid-19.

“Logicamente que foi uma surpresa. Os salários estão em dia”, afirma Fátima Fernandes ao Jornal de Guimarães, antes de se voltar para seguir rumo ao trabalho. Um pouco antes, a colega Conceição Oliveira afirma ter ficado a par da situação pela comunicação social. “As primeiras pessoas a saberem foram as que foram almoçar a casa. Mais tarde, a chefe andou a ler-nos o comunicado”, descreve.

Com 58 anos, Conceição trabalha ali há 43 e reconhece que a surpresa também advém do facto de ninguém ter sabido nada antes da confirmação oficial. “Normalmente, há sempre fugas de informação. Desta vez, não houve. Não contávamos realmente que acontecesse alguma coisa”, acrescenta.

O espectro do encerramento pode ter surgido repentinamente, mas não é virgem na têxtil de Pevidém. Há 30 anos, a Coelima apresentou-se para um processo judicial de recuperação. Se hoje há 250 pessoas com o emprego em risco, na altura eram 2.240. Conceição Oliveira recorda-se da situação então vivida, no seu entender “ainda pior” do que a atual. “Há 30 anos, havia muitas famílias completas a trabalhar. Era um bocado triste, porque havia gente a passar necessidade. Desta vez, penso que não vai ser o caso”, recorda.

À medida que atravessavam o portão da empresa, os trabalhadores recebiam os incentivos, mas também os apelos à serenidade do coordenador do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes, Francisco Vieira. Residente em Pevidém, o dirigente adiantou que irá haver plenários com os trabalhadores a partir de segunda-feira e mostrou-se pronto para a “luta” na Coelima, inspirando-se no “sucesso” de há três décadas. “Hoje só é possível falar da Coelima, ainda que numa dimensão menor, fruto da luta dos trabalhadores e das suas organizações, que foram as estruturas da CGTP. Foi um trabalho muito profundo”, lembra.

O combate de então, acrescenta, teve como aliado o então governador civil de Braga, o vimaranense Fernando Alberto, que viu o problema da Coelima como “um problema de iniciativa privada” e gastou “800 ou 900 contos (cerca de quatro mil a 4.500 euros) em publicidade na comunicação social” para que a empresa continuasse a laborar sem despedir qualquer trabalhador.

 

Francisco Vieira cataloga ex-administrador de “coveiro”

Neste novo capítulo da quase centenária história da Coelima, há ainda dúvidas por dissipar. Esta quinta-feira é “o primeiro de três úteis em que o tribunal terá de proferir uma decisão”, adianta Francisco Vieira. Já a empresa “tem 30 dias para apresentar um plano de recuperação”. Para já, o que se sabe é que os trabalhadores têm os salários em dia e estão a trabalhar normalmente, acrescenta. O sindicato pediu informações sobre a faturação e o passivo, mas ainda não foi esclarecido.

O grupo MoreTextile, criado em 2011 para albergar a Coelima, a António de Almeida & Filhos, em Moreira de Cónegos, e a JMA, em São Martinho do Campo, já no concelho de Santo Tirso, mudou recentemente de administração, face à saída de Artur Soutinho, em março. Para Francisco Vieira, o anterior presidente do conselho de administração é o “principal responsável pela situação em a empresa se encontra”.

“Cheguei a perguntar ao doutor Soutinho se vinha fazer as funções de coveiro. As decisões tomadas, suportadas em estudos e mais estudos, para nós era fazer tudo ao contrário. O resultado está aí. Muito mais vai surgir, porque há para aí engenharias financeiras. A seu tempo, estaremos aqui para denunciar estas situações”, critica.

O coordenador do sindicato têxtil recorda, aliás, que o único despedimento coletivo ocorrido na Coelima desde 1991 foi precisamente sob a tutela de Artur Soutinho: cerca de meia dúzia de trabalhadores da estamparia deixaram a empresa. “Correu tão mal que não fizeram mais. O resto saiu ou por sua iniciativa ou por acordos”, disse.

Ainda assim, a empresa têxtil perdeu cerca de dois mil trabalhadores nas últimas três décadas, depois do auge vivido nas décadas de 60 e de 70. Mesmo que as mãos e as máquinas se continuem a coordenar para dali saírem artigos de têxteis-lar, a ideia do fim da empresa nunca abandonou totalmente quem ali ganha a vida. “Isto vai ser para morrer. A gente está à espera. Não sabe é a hora”, diz, encolhendo os ombros.

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