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O lirismo da voz humana também se encontra nas vielas e ilhas de uma cidade

Tiago Mendes Dias
Cultura \ segunda-feira, setembro 06, 2021
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Outrora repleta de indústria e de pobreza, a área entre a rua D. João I e Couros vai acolher trechos operáticos de Mozart, Bizet, Verdi ou Puccini, no âmbito do Festival de Canto Lírico.

A ilha do Sabão, a travessa do rio de Couros, o túnel sob a Avenida D. Afonso Henriques, as vielas da Caldeiroa e o beco de Trás-de-Gaia são algumas das peças inscritas no emaranhado urbano que se estende de Couros até à rua D. João I. Revestidos no passado com artesãos e indústrias como a dos curtumes, os arrabaldes do antigo burgo estão prestes a unir-se por outro motivo: os cantos das óperas de Mozart, Schubert, Puccini, Bizet, Verdi ou Henry Purcell.

A abertura da terceira edição do Festival de Canto Lírico de Guimarães, marcada para 18 e 19 de setembro, far-se-á com Nessun Dorma, momento em que 19 recantos daquele território vão acolher 19 solistas. Esses músicos vão repetir a mesma obra por uma hora – 16h00 às 17h00. Esta parceria entre a Orquestra do Norte e o Atelier de Ópera de Setúbal está assim desenhada para que os ouvintes circulem pelos vários espaços, alguns deles pouco ou nada conhecidos do público. “Às pessoas, competirá percorrer os vários locais e ir ouvindo as peças que se vão sucedendo, conhecendo locais que, de outra maneira, não conheceriam”, vincou Francisco Teixeira, programador do festival organizado pela ASMAV, com o apoio da Câmara Municipal.

A principal motivação para o número inaugural do evento é o de que “há uma Guimarães desconhecida a 100 metros do Toural”.” Depois de toda a nossa planificação, foi mais surpreendente verificar que as pessoas na ASMAV e na Escola Secundária Francisco de Holanda não conheciam a zona. É algo surpreendente para uma cidade da dimensão urbanística e cultural de Guimarães”, acrescentou.

O responsável disse até preferir que os transeuntes se percam ao invés de usarem o Google Street View, já que essas plataformas, a seu ver, são um atalho para a invasão turística de locais que devem permanecer fiéis ao espírito da comunidade que os habita. “Esperemos que estas belíssimas ruas não sejam tomadas pelos turistas. Nos nossos piores momentos, somos turistas. Nos melhores, somos viajantes. Já fizemos dois circuitos para as pessoas não se perderem”, explicou. Esses trechos operáticos serão um “desafio enorme” a nível logístico, já que requerem gente em 20 sítios ao mesmo tempo, observou ainda.

O programa completa-se com Dois Homens e uma Orquestra, gala de ópera da Orquestra do Norte agendada para as 21h30 de sábado, no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, e A nave dos diabos, performance da Companhia de Ópera de Setúbal, também no CCVF, que encerra o festival a partir das 21h30 de domingo. No primeiro momento, os solistas Marco Alves dos Santos e André Henriques vão mostrar, através de árias clássicas da ópera, que o “masculino é uma derivação e uma variação da forma originária de onde se veio”, numa referência às saudades do ventre de uma mãe. O concerto em questão custa três euros.

Já a ópera de encerramento retrata, num ato e 13 cenas, uma “história dramática de capitães e líderes que não sabem para onde vão e culpam os marinheiros porque não sabem para onde vão”, referiu Francisco Teixeira. A performance em questão, com um custo de três euros por bilhete, vai “exigir à ASMAV e à Companhia de Ópera de Setúbal um esforço muito grande no CCVF”, face à “dimensão” do espetáculo, acrescentou.

 

Lógica “comunitária e cívica”, não de “indústria cultural”

Na conferência de imprensa realizada ao ar livre, na rua D. João I, a presidente da ASMAV, Eva Machado, vincou que o festival é mais uma tentativa para “erguer o povo ao nível da cultura”, à semelhança do que preconizava a filósofa francesa Simone de Beauvoir.

A dirigente associativa frisou que a terceira edição do Festival de Canto Lírico é uma forma de cumprir “um dos objetivos estatutários” da associação fundada em 1866: “promover o desenvolvimento cultural, educacional e cívico dos seus associados, contribuindo para o progresso da comunidade onde se insere e para um mundo mais humanizado”.

Eva Machado vincou ainda que as iniciativas da ASMAV aliam “qualidade estética e cultural” ao “caráter voluntário”, rejeitando o conceito de “indústria cultural que promove eventos”. Ao lado, Francisco Teixeira, realçou que a associação é uma “pequena comunidade que quer fazer da cultura um palco de gregarismo comunitário e de intervenção cívica”, promovendo a “agitação popular”.

Presente na apresentação do festival, a ainda vereadora da Educação e Cultura, Adelina Paula Pinto, realçou que o canto lírico é a “forma mais bonita” de mostrar uma “cidade desconhecida”, acrescentando novos espaços ao usufruto da população.

A Câmara Municipal de Guimarães prestou um apoio financeiro de 12.500 euros e apoio logístico a um festival orçado em 22 mil euros.

 

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