Montanha da Penha: O miradouro de Guimarães que clama horizontes
A Irmandade gostaria de ter uma Penha “melhor”, com teleférico em horário noturno e mais eventos culturais, por exemplo. Para a presidente da cooperativa Turipenha, a montanha é “um ex-libris vimaranense que todos temos a responsabilidade de acarinhar, preservar e ajudar a desenvolver”, enquanto perspetiva a requalificação do parque de campismo.
Enquadrar o postal ilustrado de Guimarães implicará, obrigatoriamente, exibir a Penha em pano de fundo. Enquadrar o postal ilustrado da Penha implicará, obrigatoriamente, apresentar a seus pés a malha urbana da cidade de Guimarães e o território concelhio a partir dos vários ângulos da encosta. As duas realidades - a montanha da Penha e o centro de Guimarães -, estão “umbilicalmente ligadas”, com o evoluir dos tempos a tornar cada vez mais próxima a conexão. O que outrora era um palco agreste e rochoso, quiseram os vimaranenses que se tornasse num “pulmão verde” em cenário de montanha, operando-se ao longo dos últimos três séculos uma transformação profunda no pico mais alto do concelho.
A marca religiosa foi, desde sempre, o principal baluarte da Penha, anteriormente chamada de Serra de Santa Catarina, quando ocupada por um ermitão. Quando em 1893, a 08 de setembro, os fiéis se fizeram à encosta para aquela que seria a primeira grande peregrinação, longe estariam de imaginar que já na década de 40 do século seguinte ali seria inaugurado o Santuário da Penha, um ícone altivo de Guimarães, visível de praticamente todo o território e ponto de referência na luminosidade noturna. Em torno da fé, o cume da montanha – com sensivelmente 60 hectares de área verde, a apenas cinco quilómetros do centro de Guimarães – foi-se desenvolvendo e mutando ao ritmo das necessidades, atraindo paulatinamente cada vez mais pessoas a escalar os 617 metros de altitude que permitem – em circunstâncias particulares – ver o mar a 55 quilómetros.
Classificada há um século (1923) como estância de turismo, os caminhos do cume da montanha são calcorreados pelo comboio da Penha, uma atração para veraneantes numa montanha oferece muito mais do que fé. Foram-se somando estabelecimentos de restauração, o espaço foi intervencionado com a instalação de diversas valências, e, em 1995 – há quase trinta anos –, estreitou-se ainda mais o vínculo com a edificação do teleférico, o primeiro do país. Depois de um processo moroso, a 13 de fevereiro de 1992 chegava a Guimarães o primeiro de 28 camiões vindos de França, para ligar o coração da cidade ao cume da montanha através de um cabo. Mais de três anos depois, o público pôde deslocar-se nas cabines voadoras e desde essa data, até afinal do ano passado, já foram mais de cinco milhões as pessoas transportadas.
Bolinhos de bacalhau debaixo do penedo, uma experiência “referenciada”
Por entre grutas diversas e pequenas capelas, são vários os recantos que a Penha esconde, quando o olhar é feito à vista desarmada. Recantos que, contudo, até estão referenciados além-fronteiras, como é o caso da Adega do Ermitão, onde é possível petiscar os afamados bolinhos de bacalhau debaixo do penedo; literalmente. Há mais de 50 anos que Fernando Monteiro se estabeleceu num sítio que, à partida, poucos recomendariam. “No verão é complicado arranjar mesas. Às vezes, às 10 horas da manhã, a cozinha ainda nem está a trabalhar e já estão pessoas a reservar mesa para poder petiscar”, dá conta o proprietário.
Para além dos bolinhos, aconselha que se prove também os bolos tradicionais de sardinhas e de toucinho, assim como as pataniscas, “que também são boas”, ou o bacalhau e os grelhados que se confecionam num local que aparenta ser improvisado. Falta falar no “principal, o vinho”. “É uma das imagens de marca cá da casa, as pessoas conhecem o nosso vinho, cá da região”. A partir do momento em que o lume entra e contacto com as panelas, qualquer hora é boa saborear a oferta da Adega do Ermitão. “Para além das pessoas de cá, vêm muitos turistas, porque estamos referenciados por dois sites americanos, por chefs com Estrela Michelin, que recomendam cá vir; está referenciado em muitos outros lados a nível europeu e vêm cá muitos turistas à procura”, sustenta.
Particularidades que fazem da Penha “um dos principais atrativos turísticos do concelho de Guimarães”, na visão de Paulo Lopes Silva, vereador com o pelouro do turismo. Um atrativo assente em várias grandezas, tais como “o turismo de natureza, a nível arquitetónico pelo próprio espaço e também do ponto de vista cultural”, que faz com que a Penha seja “uma das nossas ofertas turísticas que mais visitas recebe ao longo do ano, com especial incidência no período de verão”.
No cargo de juiz da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo da Penha há dezassete anos, Roriz Mendes faz quase que diariamente o percurso da cidade até ao cimo da montanha. É um dos grandes impulsionadores da “sagrada montanha”, tal como gosta de lhe chamar. “Sempre bateu forte no coração dos vimaranenses, tal foi a paixão que lhe dedicaram”, exorta o líder máximo da entidade que gere o património da Penha. Com alguma mágoa, diz que “a Penha podia estar muito melhor”, garantindo que, por parte da Irmandade, “não se tem evitado esforços para tornar aquele lugar cada vez mais atrativo e mais aprazível, com sustentabilidade e qualidade ambiental”.
“Faz todo o sentido a Penha estar umbilicalmente ligada à cidade e a cidade à Penha. Mas, há que tirar maior partido disso”, Roriz Mendes, juiz da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo da Penha
Nos últimos tempos, tem reclamado publicamente por mais investimento a vários níveis, lamentando os entraves que vai sentindo a nível burocrático. Uma das suas lutas é a “modernização” do teleférico, “um filho meu que deixei pelo caminho”. Roriz Mendes é um dos grandes rostos da instalação do Teleférico da Penha e considera que este equipamento, gerido pela cooperativa municipal Turipenha, “podia e devia ter condições para funcionar à noite”. “As cabines já estão obsoletas, é preciso substituí-las; não podemos ficar agarrados ao facto de termos o primeiro teleférico do país e não o atualizarmos, requalificá-lo e melhorá-lo”, aponta. É algo, no seu entender, urgente. O teleférico “cedo se pagou” e é um “equipamento rentável”, pelo que, acrescenta, a sua modernização “depende da vontade política de quem manda”. Para lá da questão do funcionamento noturno, Roriz Mendes é da opinião que o “horário de funcionamento deveria ser alargado”.
Outra das reivindicações do juiz da Irmandade verte na questão cultural. “Sentimos que a cidade não canaliza para a Penha cultura para todos os públicos”, refere, catalogando também como “urgente” que a Penha não seja só “programa domingueiro”, mas sim “programa ao anoitecer, concertos noturnos, música clássica”, atira, lembrando que na antecâmara da Capital Europeia da Cultura (CEC), em 2012, o espaço foi requalificado “num investimento de mais de um milhão de euros às custas da irmandade”. “A Penha ia ser o maior palco natural da CEC, mas não aconteceu nenhum evento na Penha”, lamenta.
A vontade da Irmandade, personificada por Roriz Mendes, é a de continuar a acrescentar valor àquela área verde, operacionalizando “alguns projetos em carteira”, como é o caso da requalificação da Adega do Ermitão, da Adega do Pio IX ou do Restaurante Dan José. E, um dos maiores objetivos, a requalificação do Hotel da Penha, que funciona apenas em parte como restaurante, uma vez que há muito deixou de ter condições para funcionar. “Em janeiro, fomos notificados do chumbo destes projetos”, informa, “por causa da reserva ecológica”. Respira fundo e argumenta: “Até 2015 sempre fizemos tudo, as intervenções necessárias, como zona social urbana. Acho que alguém nos passou de urbano para rural com o objetivo de alcançar a Capital Verde Europeia; acho que o presidente da Câmara tem vontade de solucionar os problemas, mas deixa-se enredar pelas questões técnicas”, lamenta.
Junta ao rol a classificação como zona de “alta perigosidade de incêndio rural”, desde 2018, na sequência dos incêndios ocorridos em Pedrógão. Uma classificação que coloca ainda mais entraves às intenções a Irmandade, apesar do trabalho constante de florestação e de manutenção – que leva a que a Penha tenha um histórico imaculado no que a incêndios diz respeito, como veremos mais à frente.
Bungalows permitirão abrir o parque de campismo todo o ano
A sazonalidade será, porventura, uma das maiores brechas da Penha enquanto atrativo turístico. Os números comprovam-no, quer no que respeita à utilização do teleférico, quer na utilização do parque de campismo, dois equipamentos geridos pela Turipenha; o Parque de Campismo da Penha está aberto entre março e outubro, fechando portas nos meses de inverno. “A Turipenha é uma das instituições com maior impacto direto na dinamização turística, e não só, da Penha”, pontua Sofia Ferreira, presidente da cooperativa municipal e também vereadora da Câmara Municipal de Guimarães.
O teleférico, que em 2022 registou a segunda maior faturação de sempre, ao arrecadar mais de 750 mil euros, é o principal equipamento da entidade, mas atualmente “um dos principais projetos” destina-se ao parque de campismo. O projeto está em fase de especialidade, e Sofia Ferreira espera poder arrancar em breve com as obras de transformação do parque de campismo. “Será uma intervenção muito interessante, que tem como objetivo criar condições para que o parque esteja aberto todo ano, com a criação de bungalows”, indica. O projeto prevê também a reabilitação da casa abrigo e de zona comuns, com a criação de novas zonas comuns – como um espaço de atividade desportiva – e disponibilização de novas áreas de lazer.
Voltando ao teleférico, Sofia Ferreira destaca os “investimentos avultados” regulares que “têm de ser feitos nas revisões anuais”. “A segurança está no topo do investimento que vamos fazendo”, sustenta, apontando que as grandes revisões chegam a custar mais de meio milhão de euros. A modernização do equipamento está “identificada” como necessária, até poderá passar pela “substituição” das cabines, “mas não será a curto prazo”, assume a presidente da Turipenha. “Trata-se de um investimento brutal que exige financiamento: está em equação, não no imediato, mas por exemplo se pudermos enquadrar no Portugal 2030 é algo que equacionaremos”, revela Sofia Ferreira, lembrando que a Cooperativa Turipenha é uma “instituição estável, que gera receita e que tem feito as grandes manutenções com verbas da instituição.”
No que ao funcionamento noturno diz respeito, Sofia Ferreira destaca que “por muito boa vontade que haja não podemos tomar decisões sem enquadramento legal”, acrescentando que “existe legislação e o nosso teleférico, em virtude das suas características, não pode funcionar em período noturno”. Em causa estão questões que não se colocavam quando o teleférico foi instalado, mas com a evolução da legislação há necessidades difíceis de cumprir, segundo a presidente da Turipenha, que têm a ver, não só com a colocação de iluminação apropriada nos postes e cabines, mas também na criação de um caminho de evacuação ao longo do percurso com três metros de cada lado, também ele iluminado.
“Ao longo dos últimos anos quer a Irmandade da Penha, quer a Câmara Municipal de Guimarães e também outras entidades têm vindo a diversificar a oferta cultural na Penha, com várias iniciativas”. Paulo Lopes Silva, vereador do turismo e da cultura
Com duas das principais pastas com impacto na Penha, a cultura e o turismo, Paulo Lopes Silva reforça a ideia de que “sem dúvida, a Penha é um dos elementos mais importantes da nossa oferta turística”. “Aliás, na última Bolsa de Turismo de Lisboa, a Penha, e o teleférico, fizeram parte dos nossos destaques”, revela o vereador, complementando que o município tem trabalhado com a Turipenha “um conjunto de iniciativas que possam ajudar a sinalizar e a divulgar o teleférico como um dos elementos turísticos a projetar na nossa oferta”.
Sob o ponto de vista cultural, Paulo Lopes Silva crê que “é possível continuar a encontrar novas propostas culturais nos espaços existentes” na Penha, nos quais “o município e outras entidades projetam uma parte significativa de iniciativas”. Não só O Verão é na Penha, mas “levámos também para a Penha o Festival Internacional de Música Religiosa – que tem tido muito sucesso – este fim de semana (15 e 16 de julho) temos o Guimarães Allegro, e estamos a tentar, ainda este ano, que um dos concertos protocolados com a Orquestra do Norte possa ser no Santuário”, enumera. Mas Paulo Lopes Silva destaca ainda outros eventos, como o Vai-me’à Banda “produzido pela produtora vimaranense Revolve, que procura levar programação interessante às tascas vimaranenses, passando também pelo Ermitão e pelos Amigos da Penha”.
De uma forma genérica, o vereador considera que “seria muito importante que a Penha pudesse requalificar e reforçar os seus equipamentos turísticos”, na medida em que “uma estância turística vive daquilo que é a sua oferta”. Neste contexto, a intervenção e funcionamento do hotel seria uma mais-valia, considera. “Um parecer da Direção-Geral do Património Cultural implica uma alteração no projeto; portanto, terá de ser feito um ajuste à proposta feita pela Irmandade para que possa ser aprovado”, conclui.
Telefones “bloqueiam” quando há qualquer indício de fumo
Miradouro de olhos constantemente postos no centro de Guimarães, como que a fazer guarda de honra, na tal “ligação umbilical” entre a malha urbana e a montanha, a Penha está também sob olhar atento dos vimaranenses. “Quando há qualquer indício de fumo, ou de ignição, nem precisamos de ser alertados. Daqui vemos constantemente a Penha, mas os telefones bloqueiam logo”, exorta Bento Marques, comandante dos Bombeiros Voluntários de Guimarães nas últimas duas décadas. O pulmão verde tem estado a salvo: “Já há muitos anos que não temos qualquer ignição”, ressalva. “A Penha é acarinhada por todos, de minha casa vejo a Penha, e seria uma desilusão ver uma mancha negra lá”.
É por isso que os bombeiros fazem trabalhos regulares na Penha. “É uma zona protegida, pelo seu valor histórico e patrimonial. Só se tivermos os meios hipotecados noutra ocorrência, é que não faremos um ataque musculado; a Penha tem um ponto de água para meios aéreos e é um local com direito a dois meios aéreos logo na primeira fase de incêndio”, revela. Com 43 anos de serviço, Bento Marques destaca “o trabalho muito bom” da Irmandade na limpeza e na conservação, assim como o do município, no apoio aos “trabalhos regulares de abertura de caminhos e de prevenção”.
De resto, o comandante tem dificuldade em compreender a definição de zona de alta perigosidade de incêndio rural. “Não encontro explicação”, diz. “A zona prioritária que temos na nossa área de atuação, dos Bombeiros de Guimarães, é Gonça, de acordo com as entidades credenciadas para definir as zonas de risco”, sustenta Bento Marques. “A Penha não está cadastrada como zona prioritária, mas sim zona histórica”.
Certo é que a “Penha é o nosso pulmão, a zona verde que se vê de toda a cidade e assim tem de continuar, com o esforço de todos”, conclui o comandante Bento Marques. Como que encontrando o “denominador comum” que Sofia Ferreira preconiza: “Todos amamos a Penha de forma igual”; um “ex-líbris” de Guimarães que “todos temos a responsabilidade de acarinhar, preservar e ajudar a desenvolver”.