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O troço Paris-Viana-Guimarães de cultura "às costas": a viagem de Rui Ramos

Pedro C. Esteves
Cultura \ sábado, julho 24, 2021
© Direitos reservados
O trabalho de Rui Ramos em prol da cultura começou cedo. Fixou-se em Guimarães e a "possibilidade de poder partilhar, viver e experimentar coisas com outras pessoas" continua a alimentar projetos.

Um vaivém é um movimento oscilatório. Se quisermos, o ato de baloiçar entre ponto A e ponto B. Rui Ramos tem dois locais bem referenciados: Viana do Castelo (ponto de partida) e Guimarães (chegada). Passou por várias latitudes – até pelo estrangeiro –, mas pouso encontrou-o neste território do Baixo Minho. “Costumo dizer que o meu frigorífico está em Guimarães. E essa é a minha cidade. É a cidade que me acolheu”, relata.

Rui Ramos, 50 anos, é muita coisa. E é tarefa complicada traçar um percurso profissional com mais de 35 anos numa conversa à distância. É que Rui Ramos fala ao Jornal de Guimarães enquanto esquarteja, ao volante, os concelhos que separam Melgaço (município de Viana do Castelo) e, lá está, o ponto B, a cidade berço. Está a dias de começar mais uma edição do MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço, projeto que viu nascer e crescer. Um de muitos. “Tenho sempre muito dificuldade [em definir-me]”, indica. Ou seja, “para não chatear o interlocutor” que pergunta: “O que fazes?”, a resposta difere “em função” de quem questiona. Vindo a pergunta de um vimaranense, talvez acenasse com o trabalho na BIG, a Bienal de Ilustração de Guimarães. Mas já lá vamos.

 

©CMG                                                                                                     Rui Ramos, à esquerda, na apresentação da 3.ª edição da Bienal de Ilustração de Guimarães

©CMG Rui Ramos, à esquerda, na apresentação da 3.ª edição da Bienal de Ilustração de Guimarães

 

Para contextualizar, convém começar pelo início. Há uma migração que precede o arribar minhoto. Rui Ramos nasceu em 1971, em Paris. Há “poucas memórias” da capital francesa. “Os meus pais estavam lá precisamente porque não eram de forma alguma coniventes com o regime”, enquadra. Para fugir às perseguições, procuraram “outro país que cultivasse a liberdade”. O regresso a Portugal dá-se quando a noite longa finalmente se extingue ao fim de 48 anos. Viana foi âncora.

 

© Direitos Reservados                                                                                                                                                               Sessão de cinema promovida pela Ao Norte

© Direitos Reservados Sessão de cinema promovida pela Ao Norte

 

O Alto Minho foi “outro berço”. O da descoberta – e pela mão do cinema. “Era um espetador assíduo e fui convidado a integrar o Cineclube de Viana do Castelo, que depois resultou na criação de uma associação, um Cineclube, a Associação Ao Norte – Associação de Produção e Animação Audiovisual", onde assume a direção de produção dos festivais.

“Sou de uma geração em que havia dificuldade em encontrar formação para a área das artes e cedo percebi que teria que seguir uma outra opção em termos de formação a académica, mas que poderia estar ligado na mesma. O Cineclube foi o meu outro berço de poder conversar, perceber muito desta linguagem do cinema e produção”, acrescenta.

 

Encontra uma coisa que gostes de fazer…

Deambulou pelo Norte e até pelo estrangeiro. A busca pelo conhecimento acabou por, indiretamente, o fixar em Guimarães – foi na formação superior na área de Turismo que conheceu a mulher, que é vimaranense. “A possibilidade de poder partilhar, viver e experimentar coisas com outras pessoas que sabiam mais do que eu: pensei que achei esse fosse o meu melhor percurso”.

Cultivou encontros e partilhas: “Estar presente com os outros é essencial para a formação de qualquer indivíduo”. Esse sentimento levou-o a abraçar ideias, associação. O índice de ocupação de tempo é elevado, mas poucas queixas. “Um conselho que o meu pai me deu há muito tempo, e que ajuda a contornar esta dificuldade que tenho em me identificar: encontra uma coisa que gostes de fazer e nunca mais vais trabalhar na vida”.

 

“Tenho um prazer imenso naquilo que faço, dá dores de cabeça, mas esta sorte, privilégio, permite-me fazer muitas coisas e estar sempre satisfeito com o que estou a fazer”

 

O “bravo” rio Minho

Esta satisfação que se arrasta no tempo é sentida agora em Guimarães. “Havia a necessidade de termos um frigorífico fixo”, enquadra, e a partir daí, por volta de 2005, Rui Ramos estabelece-se na cidade-berço. A estada permitiu ver a cidade influenciar o crescimento dos filhos. “Apesar de terem nascido no Porto, já têm sotaque. Eu farto-me de rir com o sotaque deles, eles provavelmente com o meu. São dois miúdos típicos. A pronúncia e (a atitude) denuncia-os”, brinca.

Rui acredita que “há uma identificação clara com o território” por parte de quem aqui mora. “Não tem nada a ver com o futebol. Tem a ver provavelmente com esta origem da nacionalidade” e a cultura de trabalho que existe no concelho. “É uma cidade viva, de trabalho”, entende. A notícia de que vive em Guimarães deveria agradar ao Rui que, na mocidade, visitava a cidade regularmente. “Estava sempre a ir a Guimarães, quando me perguntam onde queres ir a resposta era sempre Guimarães. Adorava, era uma fixação, talvez pela figura mitológica de Afonso Henriques”.

Para trás deixou o “bravo” rio Minho. E “toda a gente que nasce perto” daquele curso de água “sente essa falta”. A lacuna foi ultrapassada por um “conjunto de virtudes do concelho”. “Há uma identificação clara com o território, que não tem nada a ver com o futebol. Tem a ver provavelmente com esta origem da nacionalidade”. Junta o centro histórico, património “vivo”. “Não é só para turista ver. As pessoas moram, vêm à janela, trabalham circulam”, Portas a abrir, janelas. Em Viana, o centro está desabitado. Como outros centros. Guimarães deve continuar a reunir condições para que as pessoas se fixem.

 

© Direitos Reservados Rio Minho, a fronteira natural entre Portugal e Galiza

© Direitos Reservados Rio Minho, a fronteira natural entre Portugal e Galiza

 

2012, o ano da concretização

Intimamente ligado às artes, Rui Ramos viu uma cidade recompensada pelo trabalho de preparação, com “uma rede organizada de produção”. O reconhecimento de Guimarães como Capital Europeia da Cultura “deixou referências não só do ponto de vista de quem produz mas também do ponto de vista de quem consome”. “O paradigma foi totalmente alterado, para aquelas pessoas que não iam ao cinema, ao teatro, dança”, indica.

Talvez 2012 tenha preparado terreno para que, anos depois, surgisse a BIG. Diretor-técnico da bienal, o vianense explica que o conceito nasceu a partir da “identificação de que não existia um evento que dignificasse o papel do ilustrador.”. “Há muitos festivais em que os autores e os produtores são figuras de adereço. E o que se pensou é colocar a figura central os ilustradores, essas pessoas que trabalham nesta área são postas num local de destaque”.

A bienal parte agora para a terceira edição. É apenas um dos ramos que floresce na floresta de projetos gizados por Rui Ramos. O homem, a base que alimenta atividades culturais, vai permanecer em Guimarães “durante muitos anos”.

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