Paulinho Cascavel: “Cheguei a casa e estava lá o Pimenta para assinar”
Finda a primeira época em Portugal, Paulinho Cascavel realizara apenas dois jogos pelo FC Porto, um para a 1.ª Divisão e outro para a Taça de Portugal, o suficiente para se sagrar campeão nacional, mas não para criar um futuro de carreira risonho na Europa. Reconhecido no Brasil, pelo que alcançara em alguns dos campeonatos estaduais, o ponta de lança foi contactado pelo Curitiba para regressar ao país natal e pediu uma semana de pausa até tomar uma decisão. Nesse intervalo, em junho de 1985, o então presidente do Vitória, António Pimenta Machado, apareceu-lhe de surpresa para assinar contrato, depois de fechado o acordo com o FC Porto para a troca com Best, um então promissor guarda-redes das camadas jovens vitorianos.
“Num dia de junho, cheguei a casa por volta das 17h00 e estava lá o Pimenta para assinar contrato”, lembra, no âmbito do podcast Dezanove22, iniciativa do clube vitoriano.
Paulinho recordou que o Vitória já o tentara contratar em 1984, mas não tinha dinheiro suficiente para o fazer. A direção de Pimenta Machado contratou então Roldão e César e viria a indicar o dianteiro brasileiro ao FC Porto. “O Pinto da Costa precisava de um ponta de lança, e o Pimenta indicou-lhe o meu nome. Disse-me também que, se não ficasse no Porto, no final da época vinha para o Vitória”, lembra.
Contratado também a pedido do então treinador vitoriano, António Morais, o ponta de lança nascido em 29 de setembro de 1959, então com 25 anos, lançou-se para duas temporadas memoráveis a preto e branco, com 60 golos – 31 em 1985/86 e 29 em 1986/87, temporada em que foi o melhor marcador da 1.ª Divisão, com 22, e da Taça UEFA, com cinco.
Esse trajeto nas competições europeias, o melhor da história vitoriana, começou com o Sparta de Praga, da então Checoslováquia. Depois de um empate a um golo em Praga, o Vitória decidiu a eliminatória perante um Estádio Municipal de Guimarães repleto, numa tarde de sol, em 01 de outubro de 1986. Com créditos bem firmados na época anterior, o dianteiro apontou os dois golos da reviravolta vitoriana; o segundo foi um pontapé fulminante de levantar a plateia, já nos instantes finais. Esse jogo persiste também na memória de Paulinho Cascavel, porque o seu filho, Guilherme, nasceu no dia 03 de outubro. “Foi um jogo dificílimo em casa. Ela ouviu o primeiro golo, não aguentou o nervosismo e foi para o estádio. Foi a tempo de ver o segundo golo”, lembra.
Esse jogo impulsionou um trajeto em que o Vitória derrubaria Atlético de Madrid e Groningen, antes de cair perante os alemães do Borussia de Mönchengladbach; Paulinho Cascavel viria a marcar aos colchoneros de penálti, aos alemães no empate a dois golos em Guimarães, insuficiente para virar a derrota por 3-0 da primeira mão, e aos neerlandeses no emblemático triunfo caseiro por 3-0, de 10 de dezembro… com a mão. “Foi um golo com a mão. A bola adiantou-se um pouquinho”, reconheceu.
“A grande virtude do Marinho era cativar os jogadores”
Nessa segunda temporada em Guimarães, Paulinho Cascavel era estrela de uma constelação que incluía Ademir Alcântara, Roldão ou N’Dinga. O timoneiro desse grupo era Marinho Peres, homem que se distinguia sobretudo pelo trato. “O Marinho foi um grande treinador, que se dava com o balneário. Um treinador tem de ser um bom psicólogo. É bom ter um balneário onde se marca um golo e toda a gente gosta, toda a gente te aplaude. A grande virtude do Marinho era cativar os jogadores. Ele dava mais cartão aos jogadores suplentes. E tinha grande apoio do Paulo Autuori e do Pina de Morais”, recorda o ponta de lança.
Paulinho Cascavel foi o melhor marcador da 1.ª Divisão por duas épocas seguidas – no Vitória, em 1986/87, e no Sporting, em 1987/88 -, depois de ter espreitado esse título na primeira época em Guimarães; o sportinguista Manuel Fernandes ultrapassou-o no final da prova, num testemunho das intensas batalhas entre os avançados de então pela de então. “O Manuel Fernandes fez cinco ou seis golos a terminar”, recorda, antes de ter superado o “bibota” Fernando Gomes nos anos seguintes. “Marquei um golo pelo Vitória no 1-1 em Alvalade, para ficar à frente do Fernando Gomes. Na época seguinte, marquei quatro golos ao Penafiel na última jornada [Sporting 7-0 Penafiel] e também fui o melhor marcador”, lembra.
O avançado mencionou também o gosto que tinha pelo treino específico: “Quando cheguei a Portugal, não havia muito treino específico. No Brasil, era normal. Hoje o treino é diferente. No FC Porto, pedia aos laterais das reservas para cruzarem para o primeiro poste, para o segundo poste, para mandarem bolas pelo chão. Treinava muitos livres e penáltis, pelo menos uns 10 ou 20 depois dos treinos conjuntos”, lembra.
Na recente visita ao plantel do Vitória, Paulinho Cascavel tentou passar-lhes alguns exemplos da “mística da cidade”, como a deslocação acima da dezena de milhar de pessoas ao antigo Estádio das Antes, no empate com o FC Porto (2-2). O avançado diz-se, aliás, eternamente grato a uma cidade que visita pelo menos “ano sim, ano não”.
“Felizmente, essa terra tem um carinho muito grande pela gente. A muitos lugares [restaurantes] que vamos, não pagamos a conta. Sou muito acarinhado no país, mas aqui em Guimarães é muito forte. Deixo a minha gratidão eterna. É difícil encontrar explicação para o carinho que as pessoas sentem por mim. Reviver isto dá-me mais anos de vida”, afirma.