Pelo “direito a viver”: Guimarães entra num projeto de inclusão
“Quando tive um acidente há 22 anos, a frase que mais ouvi é: “Não consegues”. Consegui ser modelo, consegui saltar de avião, consegui conduzir, saio em Guimarães ou em qualquer lugar, porque tenho direito a viver”, testemunhou Sara Coutinho, a embaixadora do projeto “Mais acesso para todos por comunidades mais inclusivas”, com origem na Associação Salvador e no programa Portugal Inovação Social, que tem a Câmara Municipal de Guimarães como um dos municípios investidores.
Sara move-se há 22 anos numa cadeira de rodas e diz-se uma pessoa “extremamente ativa”, que “gosta muito de viver”, de estar na rua e quer que mais pessoas com deficiência possam usufruir do mesmo, até porque conhece inúmeros exemplos de pessoas “há anos fechadas em casa”. “Espero que este projeto seja o início de tudo e que as pessoas possam vir para a rua, sentindo-se felizes”, acrescentou.
A embaixadora do projeto reconhece, porém, que Guimarães “não é uma cidade fácil”, pelo facto de não ser plana e pelo facto de as acessibilidades não serem, por vezes, “as melhores”, ainda que não haja “sítios perfeitos”.
Além da apresentação pública de quarta-feira, que se repete pelos outros municípios investidores, o projeto contempla cinco palestras para a comunidade escolar sobre inclusão e 25 ações de sensibilização para escolas, com peddy paper das acessbilidades, um evento por concelho para a atribuição da distinção de acessibilidades às empresas locais, sete ações de sensibilização junto da sociedade civil e sete ações “Ponha-se no nosso lugar”, com presidente da Câmara, vereadores, presidentes da Junta de Freguesia e técnicos, ao longo de 2022.
Presente em Guimarães, a gestora do projeto realça que muitas das pessoas com deficiência já conseguem fazer certos trajetos com autonomia, como de casa para o trabalho, mas perdem-na quando têm de mudar de rota, o que limita as suas vidas. “As pessoas com deficiência querem andar na sua vida. Se estivermos um degrau deste tamanho, já não conseguimos entrar”, disse Joana Gorgueira, apontando para o degrau de acesso ao palco do Pequeno Auditório do Centro Cultural Vila Flor, onde decorreu a sessão.
Diante de uma plateia que incluía presidentes da Junta e responsáveis de ação social, a responsável questionou se alguém conhecia “uma rua totalmente acessível”, antes de vincar que a acessibilidade deveria deixar de ser tema quando se planeia um espaço público ou um equipamento. “Se pensamos num parque infantil ou num pavilhão desportivo, deveríamos pensar desde o início para pessoas com deficiência e não falar só naquela rampa ou naquela atividade”, disse.
Por videoconferência, Salvador Mendes de Almeida, líder da Associação Salvador, vinculado a uma cadeira de rodas há mais de 20 anos, disse que “muitos sentem que a lei das acessibilidades nem sempre é respeitada ou posta em prática” e que as pessoas, por norma, só se lembram da questão quando têm alguém próximo nessas condições.
A aplicação + Acesso para Todos, outra das componentes do projeto, vai permitir a qualquer pessoa avaliar um espaço ou equipamento, à semelhança do Trip Advisor.
Grato a Guimarães por ser um dos 15 municípios investidores – os outros são Porto, Amarante, Gondomar, Maia, Leiria, Torres Vedras, Batalha, Tomar, Santarém, Rio Maior, Grândola, Ourique, Almodôvar e Castro Verde -, Salvador realçou que é preciso acabar em que as pessoas com deficiência estão “encostadas num cantinho da escola ou não podem frequentar as aulas de desporto”.
Domingos Bragança: “Não temos feito tudo o que é possível”
O presidente da Câmara Municipal, Domingos Bragança, disse-se pessoalmente “alerta” para a questão das acessibilidades, mas reconheceu que a “sensibilização” tem de ser “constante” para o planeamento ser mesmo “para todos”. O autarca reconhece que Guimarães tem, em parte, falhado nesse esforço.
“Sinto que não temos feito tudo o que é possível. Esta sensibilização desperta-nos a consciência de que há muito por fazer (…). “Temos um território, uma cidade histórica, construída, mas não se pensou muito na acessibilidade para todos. Não se pensou até hoje, nem se pensa para amanhã. Facilita-se, relativiza-se. Isso exige planeamento muito pormenorizado”, disse.
A partir do exemplo de Sara Coutinho, mas também dos casos de pessoas retidas em suas casas, “sem a mesma retaguarda”, Domingos Bragança frisou que qualquer cidadão tem “direito à dignidade, à liberdade, a um projeto de vida” e que Guimarães precisa de ser um território “para todos”, sem “barreiras físicas nem psicológicas”.
O presidente da Câmara referiu ainda que o projeto pode dar certo se se “envolver a comunidade vimaranense inteira”, através das Comissões Sociais Inter-Freguesia.
Já a vereadora com o pelouro da Ação Social realçou que o município encara com “muita felicidade” o “longo caminho a percorrer” para Guimarães ultrapassar “as barreiras físicas”, mas também as do “preconceito”. “Estamos a falar da dignidade de cada pessoa, independentemente da sua capacidade física”, vincou.