
Padre Paulino Carvalho: “Precisamos de crescer no trabalho de equipa”
Foi difícil convencê-lo a ser entrevistado, em especial, por ser diretor do jornal O Conquistador. Na passagem dos 75 anos da publicação periódica de inspiração cristã, impunha-se conhecer melhor o discreto Padre Paulino Carvalho. O também Vice Arcipreste de Guimarães e Vizela e pároco de Nossa Senhora da Oliveira, de 44 anos de idade, explica como descobriu a sua vocação e aborda a missão em Pemba. Não fugiu às perguntas difíceis e, entre outros assuntos, disse o que pensa sobre os jovens, a crise de vocações, as rivalidades de Guimarães e Braga e a necessidade de se passar de uma igreja de manutenção a uma igreja missionária.
ENTREVISTA: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva
Valter Hugo Mãe escreveu na Notícias Magazine que “Na Igreja da Oliveira, o Paulino Carvalho distribuiu sua fé entre nós como se procurasse que Deus fosse real para todos. Penso sempre que não haverá maior generosidade do que a de oferecer um Deus aos outros”. Onde nasceu essa generosidade? Como despertou o Paulino Carvalho para o sacerdócio?
As palavras dos amigos são sempre, essas sim, cheias de generosidade! Despertei no seio de uma família normal que participava e estava inserida na comunidade paroquial de onde sou natural, São Miguel de Refojos de Basto, uma paróquia do concelho de Cabeceiras de Basto. Aí nasci e cresci. Participei na catequese, nos escuteiros e no grupo de acólitos. Aos 12 anos, fruto de alguma curiosidade, do apoio do meu pároco e do acordo da minha família decidi entrar para o seminário. E fiz todo o meu percurso de discernimento e formação nos seminários diocesanos. Bons tempos!
Tão jovem, não tinha saudades …
Sim, custavam as saudades de casa e a saída de amigos que decidiam seguir por caminhos diferentes. Mas, já no seminário maior, foi oportuno tomar a decisão de dar o meu sim. Escolhi como mote bíblico o Salmo 23 que ajuda em cada dia a entregar as minhas fragilidades e falhas e a pedir força e graça para ser um bom sacerdote. Fui ordenado sacerdote em 2005 com mais quatro colegas. Este ano celebramos vinte anos de ordenação sacerdotal. Como passa o tempo … aprendizagem, serviço, desafios, entrega e alegria de viver e servir!
No mesmo artigo, o autor também refere que “quando temos o padre por um amigo, como pessoa entre nossos pares, uma missa torna-se exposição deslumbrante da fé”. Como convencer jovens “agarrados a ecrãs” que uma celebração litúrgica é uma viagem ao interior espiritual e que tal configura uma experiência?
Tornando-nos amigos para ser ponte para a amizade com Jesus! O Valter Hugo Mãe terminou o texto referindo “Na verdade, vejo o Paulino, como o Samuel e como tantos, enquanto plurais. A fé é a tradução da companhia. Por isso a cobiço também para mim. Maior fortuna de todas, a de sermos sempre plurais, admitidos numa esfera por onde um Deus caminha junto. Nada seria maior do que termos a certeza de tanger Deus, seu corpo ou sua fala.”
Daí que …
Hoje, como em cada tempo, precisamos de estar uns com os outros para, a partir daí, podermos caminhar juntos, também no âmbito da Fé e da vida na Igreja. Reparem: por estes dias decorreu o CPM (Centro de Preparação para o Matrimónio) com a participação de trinta e cinco pares de noivos. Estes jovens dispuseram de seis serões de sábado para, no encontro e na partilha, refletirem sobre temas importantes para que o “sim” do seu matrimónio possa ser preparado para toda a vida. Eu faço parte da equipa animadora que é constituída por seis casais com diferentes percursos de vida e anos de matrimónio. Aí experimento um modelo de proximidade com os jovens. Estou presente e ajudo no acolhimento! Só no último encontro é que me veem no altar paramentado. Durante todas as sessões vamos criando laços de simpatia, surgem sempre perguntas e curiosidades e procuro sempre ter uma palavra de animo para a vida das novas famílias acontecer também em Igreja, como o matrimónio, e com a sua juventude poderem fortalecer esta Igreja que somos todos, cada um com a sua missão.
Mas os jovens …
Os jovens, sim. Por estes dias decorreu a “Missão País”, um projeto católico de universitários que tem como objetivo levar Jesus às Universidades e evangelizar Portugal através do testemunho da fé, do serviço e da caridade (missaopais.pt). A edição deste ano levou cerca de quatro mil e 200 participantes, de 60 faculdades, a 73 localidades do País numa semana de fé, serviço e caridade. Os jovens, com todo o seu valor e inquietação, são também ‘presente’ da Igreja.
Voluntariou-se e esteve, durante dois anos, em Pemba, norte de Moçambique. Como surgiu essa vocação “mais missionária” e o que o marcou nessa missão pastoral?
Estive na Paróquia de Santa Cecília de Ocua, na Diocese de Pemba, com que a nossa Diocese tem um acordo de cooperação missionária. Foi numa troca de e-mail’s com o colega, Pe. Jorge Vilaça, que estava esse ano na missão. Perguntei, por alturas do Natal, como poderia ajudar a equipa que estava na missão. A resposta que recebi, mexeu comigo: “Bom, bom era dares um ano da tua vida aqui”! Comecei por considerar que nunca senti esse chamamento à missão e que não seria desafio para mim. No entanto, procurei informar-me do que seria necessário e as implicações desse voluntariado. Acabei por concluir que seria capaz de uma experiência assim naquela fase da minha vida.
A sério?
Sim e com dois propósitos: procurar integrar-me numa realidade muito diferente para aprender mais do que para ensinar e conseguir cumprir o ano de voluntariado sem ter férias para visitar a família. No final, acabei por fazer a experiência durante dois anos ...
E o que o marcou ?
A vida em equipa missionária com leigos. Vivi, no primeiro ano, com a Sofia e o António e, no segundo ano, com a Susana e o Rui que, depois de celebrarem o seu matrimónio, partiram para a missão. A experiência de vida em comunidade ajuda-me a ser melhor padre.
E além disso ?
Marcou-me a realidade diferente e a necessidade de se aprender a “não fazer nada”. Tantas coisas que não dependem de nós que nos fazem perceber a importância da entrega e da “utilidade da inutilidade” como diz no Evangelho: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. Há muito para fazer, nunca acaba o que fazer. Mas o mais importante, o fundamental, é estar. E para isso não é preciso fazer nada. Afinal, o que ansiamos fazer aqui para ultrapassar o ativismo em que somos envoltos na azafama do dia a dia. Digo muitas vezes: “Lá como cá; e cá como lá”! A missão é onde nos dispomos a servir e, como o trabalho é com as pessoas, há muito mais semelhanças do que diferenças entre “cá e lá”.
Em 2019 foi designado Pároco de Nossa Senhora da Oliveira e, em 2020, Vice Arcipreste de Guimarães e Vizela. Perdeu “o tempo e a maior tranquilidade que permitiam estar mais próximo das pessoas e possibilitava um maior envolvimento pastoral” que tinha em Pemba …?
Os ritmos de vida são outros. A paróquia de Santa Cecília de Ocua corresponde, em território, ao da Diocese de Braga. Como as distâncias são grandes, as comunidades têm a sua dinâmica e autonomia. Recorrem à equipa missionária em assuntos fundamentais. E sempre que há problemas as comunidades sabem que tem de fazer uma “sentada” (sentar e conversar debaixo da árvore) para, entre si, resolver e encontrar os melhores caminhos. Na nossa realidade ainda está tudo muito centrado no sacerdote. Isso faz com que nos dispersemos e possamos não dar o tempo necessário ao que é essencial da missão do padre: acompanhamento e escuta, por exemplo.
É muito diferente …
São realidades distintas e não se podem comparar, mas, em cada uma delas, pode-se aprender e levar para a vida. Os leigos têm um lugar fundamental na Igreja e cada vez mais assumem esse papel. O sacerdote só é indispensável para a celebração da Reconciliação e para a celebração da Eucaristia. Na verdade, precisamos de crescer no trabalho de equipa e comunhão, reconhecendo a missão e carisma de cada um.
Que realidade, ao nível de dificuldades e resistências, encontrou quando chegou à Paróquia da Oliveira?
Uma paróquia em expectativa por receber um “padre novo”. Qualquer mudança leva o seu tempo, não é imediata, pois o padre é apenas um e os paroquianos são muitos, assim como os hábitos - por vezes - já são “velhos” e enraizados. Por vezes aponta-se que o padre é “novo” pode fazer muito mais quando, na verdade e como diz a sabedoria “devemos ser muitos a fazer pouco e não poucos a fazer muito”. Após cinco anos penso que temos conseguido ter alguma renovação mas continuamos dispostos fazer caminho para perceber melhor a nossa identidade e a procurar servir a “todos, todos, todos” como é a nossa missão.
E encontrou desafios ?
Claro ! Um desafio grande é a gestão e sustentabilidade do Patronato de Nossa Senhora da Oliveira. Sendo uma IPSS que oferece respostas socias de Pré-Escolar e ATL ficou com muitas dificuldades quando estas respostas passaram para o acesso universal. Neste momento, a direção faz todos os esforços para que se possa oferecer a resposta social da creche. A instituição tem financiamento PRR para esse fim.
Quando chegou à Paróquia da Oliveira assumiu a direção deste jornal. Em tempos de fragmentação e híper individualismo, que sentido faz hoje um jornal?
Reflito muitas vezes nas possíveis respostas para esta pergunta. Uma resposta imediata e “fácil” seria terminar com o projeto. Porque é deficitário financeiramente e, apesar da boa vontade de quem colabora, ainda não temos uma estabilidade que permita ter uma edição mais abrangente. No entanto, enquanto for possível levaremos o “barco a bom porto” e tentaremos encontrar dinâmicas e lançar desafios para que o jornal possa continuar presente no meio da comunidade. Celebrar 75 anos anima-nos para seguir em frente e para seguir o legado recebido. Juntos – com todos, com os vimaranenses e com os nossos leitores - queremos ser voz e levar boas notícias.
Fala-se em inatividade do Arciprestado e até um certo distanciamento em relação aos fiéis e associações de fiéis. O que estará na origem disso?
As mudanças na nossa sociedade têm sido muito rápidas. E parece que, nem sempre, em Igreja conseguimos acompanhar. Essa pode ser uma razão. Outra podem ser as expectativas que não se cumprem. O Arciprestado é um agrupamento de paróquias que corresponde, no nosso caso, a dois concelhos: Guimarães e Vizela. Sendo um território tão vasto e diferente é sempre muito desafiante. De forma a haver maior proximidade e comunhão, o trabalho no terreno é feito em 5 zonas pastorais. As pessoas são as mesmas e nesse sentido, por vezes, a dimensão da missão arciprestal fica mais no âmbito da coordenação e de apoio do que na decisão e iniciativa.
Vive-se um momento de “progressistas” e “conservadores”. Pode a Igreja Católica do futuro próximo reverter o discurso progressista e aberto de Francisco?
Penso que não. Temos sempre alguma necessidade de criar categorias! Ao longo da história isso acontece e parece cíclico. Faz lembrar a 1ª Carta aos Coríntios onde, diante das divisões entre “os de Paulo” e os de Apolo”, se recordava que é Deus quem faz crescer. A Igreja continua presente no meio de nós porque é de Deus. E, em cada tempo, os protagonistas são movidos pelo Espírito Santo. São João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco são pastores que marcaram o seu tempo e a história da Igreja e da humanidade.
A Igreja em Guimarães tem a síndrome de viver na dependência de Braga?
É curioso que só aqui me apercebi que a “rivalidade” resulta de lutas antigas na igreja e não começou com o futebol. Há sempre algumas dificuldades, em tudo, em lidar com “as chefias”. Por vezes ouve-se e usa-se de forma depreciativa a expressão “vai tudo para Braga” no que respeita ao sentido das relações com a Diocese. Na minha opinião, não há dependência, mas comunhão. A Igreja em Guimarães e Vizela tem a sua marca própria e faz o seu caminho na comunhão com o Bispo que o Espírito Santo nos deu e, como ele, também procura fazer o melhor junto deste Povo de Deus que habita este território.
Perante uma crise de vocações e o aparente afastamento dos fiéis, que caminho sugere para a Igreja dos novos tempos?
Com as devidas atualizações gosto muito da afirmação de Karl Barth, teólogo protestante do século XX: “É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal”. Hoje, podemos complementar o jornal pela comunicação digital. Continuamos na procura da melhor forma de estar junto das pessoas deste tempo e dos seus desafios e procurar cumprir o que nos diz a Constituição Pastoral GAUDIUM ET SPES, no início do proémio: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”. O renovado desafio de passarmos de uma “igreja de manutenção a uma igreja missionária”.
Existe alguma figura da Igreja Católica que mais o tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano?
Irmão Roger. Nascido em 1915, suíço, fundou a comunidade monástica de Taizé, pequena aldeia da Borgonha (França), em 1940, quando se dirigiu para a aldeia e começou por acolher pessoas que fugiam dos nazis e da França ocupada. A comunidade de Taizé tornou-se um importante destino de peregrinação Cristã com milhares de pessoas que a visitam cada ano, grupos - até seis mil pessoas por semana - especialmente durante o verão. Os encontros de uma semana com jovens de várias nacionalidades (para jovens dos 17 aos 30 anos de idade) são a prioridade da comunidade. No coração de Taizé encontra-se uma paixão pela Igreja. É por essa razão que a comunidade nunca quis criar um "movimento" ou organização centrada em si mesma, mas sim enviar o jovem de volta dos encontros para a sua Igreja local, para a sua paróquia, grupo ou comunidade, para realizar, junto com muitos outros, a "peregrinação de confiança na terra".
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Sugestão gastronómica? “Os cozinhados” da minha mãe! Que livro está a ler? Mudar - Guia prático e apaixonado para paróquias transformadas “Existem comunidades cristãs em crescimento! Os autores deste livro foram ao seu encontro, na França e em outras partes do mundo. Por sua vez, iniciaram uma dinâmica de transformação pastoral nas suas paróquias.” A música que não lhe sai da cabeça? Parafernalia - Javier Portela. Uma música de louvor e oração. Um filme de referência? Favores em cadeia, de 2000, realizado por Mimi Leder. Passatempo preferido? Jogo de futsal com os amigos padres. |
[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de fevereiro de 2025 do Jornal O Conquistador.]