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“Quando foi anunciada a Jornada em Portugal houve festa e não polémica”

Redação
Sociedade \ terça-feira, agosto 01, 2023
© Direitos reservados
Nasceu perto do Castelo de Guimarães, brincou pelas ruas do Monte Largo e também fez asneiras como os seus pares que não acreditavam na sua inclinação para o sacerdócio.

Guilherme Peixoto, o padre Guilherme que também é DJ, veio ao mundo no ano da revolução e, no seminário, integrou uma banda Pop Rock e demonstrou rebeldia e irreverência. Depois de ter sido ordenado padre, soube que os pais o tinham “prometido” a Deus por se ter salvo de graves problemas de saúde. Não sabia nem sentiu pressão. Prestes a completar 49 anos, pároco em Amorim e Laúndos, na Póvoa de Varzim, é um fenómeno nas redes sociais, mas critica a busca de “experiências fantásticas”, sem continuidade, induzida aos jovens.

Em entrevista exclusiva a O Conquistador, Guilherme critica a lentidão e a ausência de posições conjuntas da Igreja e aborda temas como os abusos sexuais na Igreja e a Jornada Mundial da Juventude onde vai atuar.

ENTREVISTA E FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

É Tenente-Coronel do Serviço de Assistência Religiosa do Exército. O que faz um Capelão Militar ?

No passado, era muito associado à figura do psicólogo, o amigo, o confidente, aquele que ouvia os desabafos dos soldados. Hoje, esta figura do psicólogo não é tanto do Capelão porque o Exército foi trabalhando muito bem o Gabinete de Psicologia.

O que faz então ?

Estamos lá para aqueles que têm sentimentos religiosos, que são cristãos, poderem viver a sua fé. Procuramos estar presentes e ajudar. O exército não tem religião, mas permite que os seus homens e mulheres vivam a sua religião e a sua fé. É possível, inclusive, existirem Capelães de outras religiões.

Quando esteve no Kosovo e no Afeganistão, encontrou correspondência ao Capelão doutras matrizes ?

Sim. No Afeganistão o exército francês tinha três capelães, um católico, um protestante e um muçulmano. Consegui organizar, várias vezes, momentos conjuntos de oração pela paz.

Encontrou diferenças na expressão de sentimentos ?

Encontrei um respeito muito grande. Rezamos juntos e participamos em todos as fases da oração, independentemente de ser o momento do católico, protestante ou muçulmano.

Qual a razão para haver menos vocações ?

A principal é haver menos filhos, menos jovens. Mesmo fora do âmbito da Igreja, a “captação” de jovens não é fácil. Sinto que a mentalidade que as redes sociais, talvez inconscientemente, criaram nalguns jovens, os fazem viver para o momento.

Como assim ?

Vivem para o momento. Chegam a um lugar e, para muitos, a preocupação não é sentar-se, respirar e apreciar a paisagem. É tirar a foto perfeita, publicar nas redes sociais e seguir para o próximo lugar. Esta busca de “experiências fantásticas” não é de uma continuidade e para se ser voluntário numa instituição é preciso continuidade. Para uma “experiência fantástica” de ser bombeiro por um dia até se arranjam muitos jovens, mas para ser bombeiro durante 10, 20 ou 30 anos é difícil. Vive-se uma procura desenfreada de novas emoções. A própria sociedade vai-se organizando nesse sentido de proporcionar emoções. Até de prendas já se oferecem experiências.

Disruptivas e quanto menos usuais maior a graciosidade da experiência ?

Sim, sim. Nós vivemos com esta experiência constante de amar a Cristo, de sentir Cristo e de rezar e só quem faz esta experiência constante e permanente de Cristo é que quer ser padre. Numa família em que Cristo não seja uma experiência constante, em que Cristo não seja algo que toca o coração, é muito difícil que um filho sinta o chamamento para uma vida consagrada.

Sentiu algum chamamento?

Rezávamos em casa e ia à eucaristia a São Dâmaso e à Madre Deus. Olhava para o Monsenhor José Maria Lima de Carvalho, que era o meu pároco, e gostava muito dele, da maneira como interagia com as pessoas, como ele falava - com a sua piada fina - com a sua alegria, uma cara sempre sorridente, acolhedor. Conheci o trabalho que fez, principalmente, junto dos ciganos que ajudou muito. Foi neste ambiente e com este modelo que fui criado. Eu dizia: “quando for grande, quero ser como o Monsenhor”.

E entretanto …

No ano em que entro para o seminário, o Monsenhor José Maria foi para Oliveira. Fiquei sem a minha grande referência, mas - parece que foi Deus a acompanhar-me - quem vem para São Dâmaso é o padre Domingos Oliveira, saído do seminário, que me deu um grande apoio.

Mais tarde, revela-se uma expressão exterior de “folia” que faz de si um Disc Jockey (DJ)

Acontece tudo ao mesmo tempo. Neste percurso entrei para os escuteiros de São Dâmaso - onde faço grandes amigos – e era normal sairmos ao fim-de-semana, à noite, depois da reunião dos caminheiros. Esta vertente de gostar do convívio, de sair à noite, de estar com os jovens e de conviver com eles, sempre esteve presente. Mas nunca imaginei ser DJ.

Que vai contra a figura circunspecta geralmente associada aos padres …

“Ser DJ” nasceu na comunidade e com a comunidade, não foi uma coisa que desenvolvi à parte. Foi em 2006, em Laúndos, onde cheguei em 2005. Tínhamos uma grande dívida (o final do restauro da residência paroquial), não tínhamos salas de catequese e havia carências a resolver. Falei com as confrarias e com a autarquia no sentido de nos ajudarem.

Daí a ser DJ ?

Uma confraria cedeu um espaço e nasceu aí o “Ar de Rock Laúndos” que, nos primeiros anos, permitiu abater a dívida e restaurar as salas de catequese. Liquidada a dívida, passamos a juntar dinheiro para restaurar a Igreja Matriz (que conseguimos) e agora estamos a trabalhar para construir a sede dos escuteiros. Com esta dinâmica, levamos lá os maestros, os coros da paróquia e o karaoke. Os jovens escolhiam as músicas, cantavam e eu reparava que as músicas eram muito calminhas e o pessoal adormecia um bocado. Fui para o computador e comecei a escolher música para tocar no intervalo do karaoke.

Até que …

Senti que havia muitas debilidades e inscrevi-me em aulas de DJ.

Faz parte de uma hierarquia da Igreja que é conhecida por ter alguma rigidez. Como é que ela recebeu a notícia ?

Na hierarquia nunca tive problemas. Nunca o fez publicamente - nem tinha de o fazer - mas, desde o início, D. Jorge Ortiga conheceu o projeto. É claro que, na Igreja, houve muitos que criticaram e disseram que era um escândalo, mas, no meio disso tudo, o então senhor Arcebispo D. Jorge sempre soube filtrar e sempre me deixou criar.

As vozes críticas eram mais dos pares, dos padres …

Cristãos para quem isto é um escândalo, podendo isso englobar padres e outros que não são padres, que são fiéis. Alguns nunca apareceram lá, ao menos podiam vir para falarem daquilo que viram.

E D. José Cordeiro, atual Arcebispo de Braga, já viu ?

Ainda não veio, mas sabe o trabalho que estou a fazer e conhece a perspetiva que está subjacente.

Que é ?

Não é trazer a música eletrónica para a Igreja, mas, através da música eletrónica, conseguir criar junto dos jovens uma viagem de paz, de alegria e de fé. Claro que não é um processo que se consegue concretizar num mês ou num ano.

Também é importante ter uns auscultadores abençoados pelo Papa ?

Sempre gostei de música sacra e participei em todas as edições do simpósio que o Vaticano organiza desde os 50 anos da encíclica Musicae Sacrae. Numa das edições levei uma t-shirt do “Laúndos em movimento” para oferecer e os fones que o Santo Padre acedeu benzer.

Agora com um padre vimaranense, o Padre José Miguel Cardoso, no Dicastério para a Cultura e a Educação do Vaticano, existe uma “via aberta” para que sua atividade de DJ seja mais reconhecida até pelo Vaticano ?

Olhe, a gente não pode estar aqui a trabalhar a pensar nisso. Na Igreja não existe isso de “reconhecer”. Aquilo que nós fazemos, fazemos por Deus, para a glória de Deus e termina aí. Qualquer interesse em ser reconhecido, o projeto morre à nascença.

Neste advento de tecnologias, a própria Igreja tem de se aproximar desta realidade. O seu papel acaba por trazer a tecnologia para a Igreja ?

Não é tanto a Igreja como instituição, mas mais o medo que, alguns que a servem, têm em sair da zona de conforto. Digamos que foram preparados no seminário para serem “médicos de clínica geral” e depois, cada um, deve colocar os seus talentos a render. Não posso dizer que a Igreja não me apoiou. Se a Igreja, a estrutura, não me apoiasse, há muito que tinha deixado este sonho.

Quando participou num anúncio televisivo a uma empresa de apostas desportivas, também deu um passo que não é habitual num padre …

Foi-me pedido que - com o estilo que me caracteriza e com humor - eu apelasse ao jogo responsável pois detetaram que o vício do jogo estava a crescer e não queriam apenas pôr aquelas letras pequeninas no fim do anúncio. A única coisa que negociei foi o preço, até brinquei com eles dizendo: “Eu sei que isto vai dar problemas, ao menos tem que compensar”. Pagaram metade à paróquia de Amorim e a outra metade à paróquia de Laúndos, não passou sequer pela minha conta. Isto aconteceu na pandemia e permitiu às paróquias pagar algumas contas. Participei noutra campanha de produtores de raças autóctones e a contrapartida foi para colmatar a dificuldade que estávamos a ter para apoiar famílias carenciadas.

200 mil seguidores no TikTok, 120 mil no Instagram, 100 mil no Facebook e milhões de visualizações dos seus vídeos. É um grande produtor e propagador das ideias da Igreja Católica ?

O Papa Francisco pede-nos originalidade e criatividade. A mensagem é a mesma, mas uma coisa é a mensagem ser a mesma e outra é usarmos os métodos de há 2000 anos quando o mundo está em constante evolução. De uma forma criativa, temos de conseguir trazer Cristo a este mundo, também nas redes sociais e na comunicação digital.

A Igreja Católica, em particular em Portugal, atravessa um momento complexo. A questão dos abusos sexuais transformou-se numa via sacra …

Se olharmos para o número de padres, por exemplo, que passaram pela Diocese de Braga – com 500 paróquias e os que lá estiveram em 70 anos – podemos dizer que os números de casos reais, comparados com os ocorridos na sociedade, com aquilo que acontece nas famílias a respeito deste crime, os números do que acontece na Igreja não são muito altos. Mas temos de ter a consciência que, mesmo que fosse só um caso, era grave demais. Às vezes, a falar com amigos, pergunto: e se fosse um filho teu ?, se o único caso da Igreja fosse o teu filho?, como é que ias ver a Igreja?, como é que ias olhar para a Igreja ?, o apoio que a Igreja te deu ?, confiou na tua palavra ou não confiou ?, o padre que deveria ter sido logo suspenso e não foi ? …

Perguntas muito pertinentes …

Durante muitos anos, a Igreja não soube como reagir e o pior que pode acontecer é não sabermos o que fazer e como fazer, não termos uma estratégia. Felizmente, com o Papa Bento XVI, a Igreja começou a dar a cara e não podemos esquecer essa coragem. Foi ele a implementar duras medidas - falava-se em cerca de 80 bispos e de mais de 400 padres que foram retirados de funções – e quem faz este trabalho não está preocupado com a imagem, está preocupado com as vítimas. É um trabalho de uma coragem e seriedade muito grandes.

Em Portugal demorou-se muito tempo !

Sem servir de desculpa, dá para entender alguma morosidade: andamos há anos com dioceses sem bispos. Este processo tem deixado marcas que não são boas. Vivemos numa sociedade em que a comunicação torna tudo imediato e a Igreja tem de estar organizada para dar resposta no momento - claro que com reflexão, meditação e oração - não pode é dar resposta um ano depois. A Igreja em Portugal atravessa um grande problema: na tomada de decisão conjunta, na Conferência Episcopal - quando se pretende determinar as normas de conduta para todos os seminários de Portugal, as normas de conduta para a catequese, para todos as instituições que lidam com crianças - temos dioceses sem bispo... depois os processos arrastam-se no tempo, passando a imagem de uma instituição parada no tempo.

Então é um problema de liderança ?

Na Igreja não existe liderança, existe comunhão. O Presidente da Conferência Episcopal não “manda” no bispo do Porto ou no Cardeal-Patriarca. Ele é o responsável por coordenar os trabalhos, por marcar a agenda, mas a decisão é de todos. A Igreja não estava preparada para aguentar o embate. Na apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças, a Igreja já deveria ter pronto um manual de boas práticas, para que mais ninguém achasse que um crime ia ser abafado e que, independentemente da diocese de cada um, as pessoas saibam como fazer e a quem se dirigir. Neste processo de clarificação - que está a acontecer de forma muito lenta – pedia-se que existisse uma única tomada de posição, uma igreja coordenada, a falar a uma só voz.

Essa descoordenação levou a que a Igreja fosse também envolvida em várias polémicas com a Jornada Mundial da Juventude ?

Quando é anunciado que Portugal ia receber as Jornadas, a festa foi grande, quer na Igreja portuguesa, quer na sociedade civil e nos políticos. Não houve polémica. A gestão da pedofilia, acredito, deixou mossa nas jornadas por não existir uma posição conjunta e com um timing que acompanhasse o trabalho da comissão de inquérito. No dia de apresentação do relatório, os bispos apresentavam o seu plano, não era cada diocese, às pinguinhas, anunciar o seu. Se a nós, párocos, isto custou muito, imagine agora um evento desta dimensão, que precisa de Portugal, das famílias portuguesas, das comunidades ativas.

Como acha que vai correr ?

Tenho a sensação que quando começar atenuam-se as polémicas e que tudo vai correr bem.

Na JMJ vai “ajudar à festa” ?

Estou a preparar um trabalho, uma viagem que vai desde o darmos Glória a Deus pela vida, pelo dom da vida, mas também pelo amor ao mundo. Vai trazer dois momentos: um ligado à Fratelli Tutti [sobre a fraternidade e a amizade social] e outro à encíclica Laudato Si [o cuidado da casa comum]. Durante o tempo que estou no palco tenho uma história para contar, não pela minha voz, mas pela música. É uma história de alegria, de vida, de paz, de fé e de amor ao Santo Padre.

Já agora: continua a acompanhar o Vitória ou a sofrer com Vitória ?

É mais sofrer com o Vitória do que acompanhar. Já tenho as quotas e a cadeira para a próxima época.

Imagina-se a atuar, como DJ, da varanda da Basílica de São Pedro do Toural ou na Penha?

Na varanda da Basílica de São Pedro, não faz sentido, não é lugar para isso. A Penha é um lugar especial, sem dúvida, um espaço que qualquer DJ gostaria de tocar, um espaço que proporciona isso.

 

"5 respostas rápidas"

Sugestão gastronómica?
Arroz de cabidela.

Que livro está a ler?
“A alegria de um sorriso” e “Deus quer que sejas feliz”, ambos do Papa Francisco

A música que não lhe sai da cabeça?
Agora é a do “Preço Certo” (risos)

Um filme de referência?
“Os Coristas”, Christophe Barratier

Passatempo preferido?
Gosto de estar na natureza, sentado, a respirar e desfrutar da natureza

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de agosto de 2023 do Jornal O Conquistador.]

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