Silvares: a terra das quintas deu o lugar ao comércio e ao automóvel
Silvares é uma freguesia esquartejada pela confluência de duas autoestradas e da Estrada Nacional 206 (EN 206), que suportam um incessante trânsito automóvel diurno e alimentam vários espaços comerciais à sua margem, tornando essa área na entrada ocidental da cidade. No século XXI, esses eixos de ligação à região têm-se desdobrado em novas vias que repartem o tráfego, duas delas inauguradas em março último: o túnel da rotunda de acesso à A7 e à A11, a 09, e a variante que une a EN 206, na rotunda do Pinheiro Manso, à estrada para a vila de Pevidém, no Mouril, a 13.
Se se voltar porém a 1996, a autoestrada ainda está a chegar à freguesia e muito do alcatrão à vista é substituído por áreas agrícolas. Recuando ainda mais no tempo, às décadas de 50 e de 60 do século XX, a freguesia de Silvares torna-se quase irreconhecível face ao que é hoje: o território dedicava-se maioritariamente à agricultura. “Silvares é uma freguesia de raízes rurais”, diz ao Jornal de Guimarães o presidente da junta, Ricardo Castro. “Era até conhecida como a freguesia das quintas. Parte delas ainda existe, mas já não são aquelas quintas grandes de vocação agrícola”.
A quinta de Sendelo, na confluência com a vila de Ponte, e as quintas de Murça e de Mouril de Dentro, próximas de Pevidém, ainda sobrevivem como testemunhos desse passado vivido por Manuel Silva. Na sua própria rua, a das Costeiras, próxima do Ave, o silvarense nascido em 1937 também vê transformação: há um passeio recém-colocado e duas habitações individuais a nascer em frente à sua. A imagem contrasta com a que via na juventude: o lugar tinha então um caminho estreito, em terra, para os carros de bois dos lavradores circularem entre as quintas, recorda ao Jornal de Guimarães.
Entre quintas como a de Leiras, que ocupava as imediações do cemitério, a da Igreja, a da Granja e a de Mouril de Fora, as estradas eram apenas três no início da década de 50: a 206, com “paralelos grandes e estreitos” e uma “valeta funda de cada lado”, e as ligações aos núcleos operários de Campelos e de Pevidém, em “terra batida, com cascalho por cima”. Nesse seu “tempo de rapaz”, havia dois carros na freguesia: os dos proprietários da quinta de Ardão, hoje ocupada pelo Espaço Guimarães e pelo parque de lazer, e da do Celeiro, ocupada entre as décadas de 50 e de 60 pelo bairro de Santa Maria, o núcleo habitacional planeado mais antigo de Silvares.
Essa escassez de transportes e de vias atesta a pobreza em que vivia a maior parte da população, forçando Manuel Silva a trabalhar na indústria têxtil a partir dos 12 anos – começou na Lopes Correia e na Josim, em Pevidém, antes de se reformar como chefe de tecelagem na Somelos, em Ronfe. “Fui ganhar seis escudos por dia”, diz. “Quando eu era pequeno, era miséria. Aquilo era tão bom, tão bom, que as pessoas saíam com um bocado de pão à rua e outros vinham-nos tirar, batendo-nos por cima”.
O cidadão não tem, por isso, dúvidas em afirmar que Silvares está uma “freguesia muito mais atrativa”, tendo enaltecido as melhorias promovidas por Herculano Cunha, presidente da junta entre 1974 e 2009.
Centralidade de Silvares: uma história de “influência política”
A terra que “fundamentalmente vivia da agricultura”, começou a mudar após o 25 de Abril, com o aparecimento de confeções e de empresas do ramo automóvel, lembra Herculano Cunha, líder da junta durante 35 anos. Esse foi também o momento em que se iniciou o alargamento de ruas e a eletrificação de Silvares, bem como a instalação da rede de água pública e do saneamento. “O bairro de Santa Maria foi o primeiro bairro onde meti saneamento e água. Cada casa tinha um quintalzinho pequenino, com poço e fossa. A água estava toda imprópria para consumo”, explica.
Mas além dos serviços básicos, Herculano Cunha congeminou para Silvares o estatuto de nova centralidade no concelho. Um dos 10 fundadores do PS de Guimarães, o autarca aproveitou o facto de ter “influência política para se impor ou pelo menos ser ouvido com respeito” quanto à sua visão para o crescimento da cidade. “A cidade deveria crescer para o lado de Silvares. Na altura, propunha que o limite geográfico fosse o rio Ave, apanhando todo aquele crescimento até São João de Ponte e à ponte de Serves, em Gondar”, recorda.
Silvares, acrescenta o ex-dirigente político, foi também a única junta que “apresentou um projeto desenhado” para o Plano Diretor Municipal (PDM). Esse projeto preservava algumas das quintas agrícolas, as zonas florestais nas fronteiras com Pevidém e Fermentões e as margens do rio Ave. De resto, abria o “miolo da freguesia” à construção. A proposta abriu o caminho para a Centralidade de Silvares, projeto aprovado em 2008, que já contemplava as obras recém-concluídas e intervenções concluídas anteriormente como a colocação de quatro faixas de rodagem na EN 206 e o retail park que está a ser construído, onde estarão empresas
A aquisição dos terrenos aos proprietários “não foi difícil”, nomeadamente os da quinta de Ardão. “Não foi difícil, porque os herdeiros eram sobrinhos [dos antigos proprietários] e queriam o dinheiro”, lembra. O pior foi mesmo executar todas as obras programadas dentro do prazo. “Estava previsto ir para ali a Makro e também uma série de empresas que, com a crise económica, deixaram de vir. O retail park que se está a fazer era uma obra programada e projetada desde 2008. Na altura, só se construiu parte da via, até à Decathlon. A outra parte parou, porque o empreiteiro faliu”, recorda.
Concluídas essas vias, o atual presidente da Junta de Freguesia, Ricardo Castro, crê que a questão do trânsito está, para já, resolvida. Mas o problema pode agravar-se de novo, se as “novas superfícies comerciais” atraírem ainda mais carros. “Ninguém pense que o trânsito vai desaparecer com isto. Seremos sempre uma freguesia viva à saída da autoestrada, com pressão do tráfego automóvel. É inevitável”, considera o autarca socialista.
Nova zona industrial em espera
Olhando para a execução da Centralidade de Silvares, Herculano Cunha afirma que só resta concretizar a ligação ao parque industrial de Ponte que estava prevista sair da zona do Pinheiro Manso. O objetivo dessa ligação era reduzir a demora da ligação ao Avepark, em Barco. “Entendia-se que o Avepark só era verdadeiramente lucrativo e teria crescimento sustentado quando a ligação ao aeroporto Sá Carneiro ou ao porto de Leixões demorasse cerca de meia hora. A solução discutida na altura era uma ligação rápida da autoestrada de Silvares a São João de Ponte e depois ao Avepark”, lembra.
Mas o próximo passo anunciado para a terciarização da freguesia não é exatamente esse; numa área a rondar os 140 mil metros quadrados, delimitada a norte pela A11 e a sul pela EN 206, vai nascer uma zona industrial atravessada por uma via que irá unir as ruas da Gandra, que liga Silvares a Campelos, e do Corgo, junto à estrada que segue para Fermentões. O projeto está inscrito no contrato de urbanização disponível no sítio da Câmara Municipal de Guimarães, aprovado na reunião do executivo de 09 de dezembro de 2019. Esse documento, assinado com os quatro proprietários dos terrenos em questão – as empresas JOM, Casais, Creixoauto e a imobiliária Sofonte -, prevê ainda que o município despenda 555 mil euros na via e 475 mil em expropriações.
Questionada pelo Jornal de Guimarães, a autarquia indicou que o “desenvolvimento dos loteamentos correspondentes” à futura zona industrial depende da “iniciativa dos promotores privados”. Esses promotores já têm, contudo, “propostas concretas de diversos setores de atividade”, a serem “apresentadas no calendário que entenderem mais oportuno”, acrescenta a câmara.
Ricardo Castro adiantou, por seu turno, que os promotores “estavam com bastante urgência no desenvolvimento do projeto”, antes das “coisas esfriarem um bocado”, talvez “devido à pandemia”. Uma das empresas que chegou a mostrar interesse na nova zona industrial é a Leonische, fábrica de cablagens sediada em Barco, disse ainda o presidente da junta.
Além da zona industrial, a câmara anunciou, no sábado, o prolongamento da ecovia da cidade até ao parque de Ardão.
Falta melhorar a área social numa terra com “qualidade de vida”
A palpável transformação de Silvares não afetou a qualidade de vida dos seus habitantes. Até a elevou, considera Herculano Cunha. “O que a pode afetar um bocado é o maior tráfego automóvel. De resto, há muito espaço verde e o crescimento de mão de obra qualificada”, salienta. Para justificar essa convicção, o ex-autarca lembra que, em 1974, “não havia um médico, advogado ou enfermeiro a viver em Silvares”. Hoje, a classe média está em Silvares, em “casas normalmente individuais”, porque a freguesia bateu-se sempre por ter edifícios “baixos”, sem mais de três andares. “Cheguei a ter oportunidade de construir zonas de bairros como o de Gondar. Devemos respeitar toda a gente, mas a qualidade habitacional de um bairro social não é a mesma da que se vive em Silvares”, defende.
A verdade é que a crescente atração comercial da freguesia não se tem traduzido num aumento de habitantes – o número até caiu dos 2.370, em 1991, para os 2.282, em 2011. Outra razão pela qual Silvares falhou o crescimento populacional ocorrido nas vizinhas Pevidém, Brito e Ponte foi a recusa dos proprietários de algumas quintas em venderem os terrenos para construção na década de 80, alega Ricardo Castro.
O PDM permite a construção de mais alguma habitação, mas, para Silvares, reserva sobretudo as atividades económicas. Responsável pela freguesia desde 2017, Ricardo Castro já foi abordado para a construção de um hotel, de uma tinturaria e de superfícies comerciais. Para o presidente da junta, Silvares é uma “terra com futuro”, mas ainda há caminho a percorrer na prestação dos serviços destinados à população local.
Para o conseguir, a junta tenciona reconfigurar o centro cívico de Silvares. Um dos passos nesse sentido já está dado: a transferência da Junta de Freguesia para a antiga escola primária do Casquinho, junto à rotunda do Pinheiro Manso. “É um edifício central da freguesia, com todas as condições para prestar um bom serviço à população: vai ter estacionamento e um posto de correios com melhores condições”, adiantou.
Esse centro cívico passará ainda pela igreja paroquial, estando já em marcha um projeto para a requalificação das envolventes lateral e frontal, e pelo edifício que acolhia a Junta de Freguesia, na rua dos Carvalhais, perto do cemitério. O objetivo é dotar o imóvel de um centro de dia, valência que não existe em Silvares. O projeto está concluído e falta levá-lo a concurso. “Esperamos muito em breve ter essa obra em andamento, para ficarmos com os serviços sociais na centralidade da freguesia”, esclareceu.
Mais para a frente, a Junta de Freguesia de Silvares quer ainda um acesso entre a rua da Gandra e Ardão, já que os moradores daquela área são obrigados a irem à EN 206 para chegarem ao parque de lazer, mesmo quando se deslocam a pé, e a requalificação da rua da Ponte Nova, um dos principais “núcleos populacionais da freguesia”, que atravessa o monte das Teixugueiras. Para já, a Câmara Municipal adiantou ao Jornal de Guimarães que estas intervenções “estão ainda a ser estudadas”.