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O teatro também pensa arquiteturas, reivindicando “pluralidade de medida”

Tiago Mendes Dias
Desporto \ quinta-feira, junho 08, 2023
© Direitos reservados
Em “Um quarto só para si”, o coletivo silentparty encara a experiência “acrítica” dos lugares e busca alternativas, inquietando-se com a dicotomia indivíduo e coletivo. A estreia absoluta é sexta.

A certa altura, o coletivo silentparty depara-se com uma estrutura que ostenta as três ordens de capitéis da antiguidade clássica: a dórica, a jónica e a coríntia. Essa estrutura torna-se pano de fundo para várias inscrições, entre elas a de “pluralidade de medida”.

“Surge a ideia de substituir uma unidade de medida por uma pluralidade de medida. As proporções das coisas são feitas a partir de um determinado padrão, norma, idealização, que é uma homogeneização. E há corpos que acabam por ficar de fora disso. Se pensarmos em modelos de sociedade, acontece a mesma coisa com essa ideia de padrão e de norma”, frisa Mafalda Banquart, à margem do ensaio de imprensa de “Um quarto só para si”, peça em estreia absoluta esta sexta-feira, na 35.ª edição dos Festivais Gil Vicente.

Mafalda, Tiago Jácome, Emanuel Santos e Tiago Araújo formam o coletivo silentparty. Juntas, como se identificam, propõem um espetáculo que parte das arquiteturas materiais em que habitamos e transitamos para despertar outras possibilidades. Tiago Araújo vinca que as pessoas estão sempre a “experimentar arquitetura”, mas fazem-no sem pensar muito; aliás, experimentar os edifícios de “forma empírica”, sem “pensar muito” é “um dos objetivos da arquitetura”.

“Os edifícios que estamos habituados a experimentar parecem ter um mapa invisível. E parece que já sabemos como funcionam. Sabemos que, à partida, não nos vamos perder. Aquilo não é um labirinto ao ponto de ninguém se conseguir safar. Se formos a um shopping, à partida, de 200 em 200 metros, vamos ter casas de banho ou escadas rolantes. Há uma forma acrítica e hipnotizada”, vinca, a título de exemplo.

A Associação Cultural Silent Party convida assim aqueles que se deslocarem ao Pequeno Auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF) a pensar sobre espaços, lugares e edifícios, discernindo se eles são lugares “confortáveis” para todos os corpos, como, em teoria, é suposto. “Isto levanta problemas, porque adaptar todos os edifícios, todos os espaços e todos os contextos à individualidade de cada pessoa que passa ou vai passar por eles gera problemas. Enquanto artistas, não temos respostas. Interessa-nos pensar sobre isto e chegar à conclusão”, admite Tiago.

A salvaguarda da “individualidade” é precisamente uma das ideias em torno da qual habita a peça. A construção de “coisas em conjunto” também, mas essas coisas podem “partir de uma ideia de pluralidade, fragmentação, diversidade e não de uma ideia de coletivo homogéneo, que nos precede, ao qual nos temos de submeter e moldar”, defende Mafalda Banquart.

"Quando chegamos a uma determinada medida que possa servir para todos os corpos, todos os tempos e todos os lugares, é muito complicado falar de coletivo. A pluralidade desse coletivo vai ficar apagada nesse gesto homogeneizante. Da arquitetura, conseguimos passar para a sociedade e para o nosso modo de trabalhar. Para nós, é mesmo importante a preservação da individualidade de cada um, da diversidade que compõe o coletivo e que ela possa estar viva, sem ser cristalizada”, explica.

Emanuel Santos vinca, por seu turno, o “diálogo e cruzamento de ideias” em curso durante a peça. "Não há de todo um objetivo arquitetónico, mas estamos a levantar possibilidades. Não nos interessa o estágio final, interessa-nos é começar por algum lado e ver como nos relacionamos com essas possibilidades", esclarece.

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