Mickaël de Oliveira: “Surpreende-me o quanto o teatro mobiliza a população”
Convidado para liderar o Teatro Oficina em 2023 e em 2024, o cofundador da companhia Coletivo 84 (2008) e autor de textos como 4 lições para a sobrevivência (2014), Mickaël de Oliveira enaltece o associativismo vimaranense para o teatro, “pelo menos em quantidade”: “Temos mais de 10 grupos”, diz, enaltecendo também o papel da licenciatura em Teatro da Universidade do Minho e a afluência às Oficinas do Teatro Oficina, a proposta de formação da companhia. Findo um primeiro semestre ainda marcado por encontros com criadores convidados e pelas residências artísticas onde se pensou as questões da identidade e do outro, está já em curso a preparação de Ensaio Técnico, um espetáculo que evoca um movimento artístico de Viena na segunda metade do século XX, com quatro atores e estreia marcada para 04 de outubro, no Espaço Oficina.
Assumiu no início do ano uma companhia que optou desde o ano passado por ter diretores convidados e que atua tanto na criação, como na formação teatral e dramatúrgica. Que balanço faz dos sete primeiros meses de trabalho em Guimarães?
Este primeiro semestre foi de arranque, onde houve várias open calls, sempre direcionadas sempre para o apoio à criação teatral, à pesquisa, à residência. Também lançámos uma bolsa e um projeto de formação chamado Encontros da Dramaturgia. Recebemos mais de 200 propostas para essas várias calls. O projeto demonstrou o seu alcance, a sua operacionalidade e a sua pertinência para o setor. Queria que o Teatro Oficina fosse um lugar onde artistas se podem cruzar com outros artistas, onde se possa debater, aprender, também ensinar, partilhar e criar, sobretudo. A minha criação, Ensaio Técnico, vem mesmo nesse sentido de mais uma vez apostar na criação inédita, com um texto novo, escrito por mim. Este primeiro semestre, janeiro a agosto, foi desenhado artisticamente, foi lançado, desenvolvido, acolhido. E já começámos os ensaios para o espetáculo Ensaio Técnico. Em seis meses, deu para lançar o projeto e para iniciar um ciclo que aposta na criação.
Esse espetáculo explora o próprio processo de se criar em teatro?
Vai-se pensar como criar em grupo, em coletivo. Esse vai ser um dos eixos de dramaturgia; como criar em grupo, porquê criar, para quê criar. A criação teatral tenta ser posta em crise, partindo de uma ficção que se radica num grupo de jovens performers portugueses, inspirados num grupo radical pós-guerra de performers austríacos, sediado em Viena. Vai ser no Espaço Oficina, também. Trata-se de um grupo de estudantes portugueses de teatro que vão para a Áustria viver uma formação muito intensa, inspirada num grupo vienense que se chamava Actionnisme Viennois. Esta ficção acontece agora, e é sempre sobre as nossas perguntas do momento, o que é representar, o que é performar, o que é ser o outro, o porquê de não podermos ser o outro. Também fala da história do teatro e da história da performance, e especificamente daquele grupo a tentar criar uma arte inovadora.
Quantas personagens terá o espetáculo? E qual será a duração?
Terá quatro atores. A duração ainda não a sei muito bem. A duração será de 1h15 ou 1h30, no máximo. A peça vai-se estrear no dia 04 de outubro.
Os Encontros de Dramaturgia são uma oportunidade de formação em teatro. Têm reunido muita gente? Têm sido frutíferos? Atraem pessoas para lá das que fazem do teatro o seu dia a dia?
Há gente de fora do teatro. Encontros de Dramaturgia é uma plataforma muito simples. Convido um autor. Abro uma call para saber se outros autores curiosos querem seguir o trabalho do autor que convidei; neste caso foram dois, o Rui Pina Coelho e a Patrícia Portela. Pedi-lhes para, durante três a quatro meses, desenvolverem um texto e para o partilharem com outros participantes e autores. Queremos cruzar pessoas de várias áreas. Há várias sessões privadas e sessões públicas. As sessões acontecem à terça-feira, no Teatro Oficina, e chamamos a isso leitura participativa. Toda a gente lê, e o autor está connosco. Desafia-nos com perguntas. Temos tido uma adesão muito boa. Temos aumentado o nosso limite de participantes. A ideia é incluir ao máximo.
“Já estou a ver o espetáculo [Ensaio Técnico] enquanto ensaio naquela black box, porque aquele vai ser o meu espaço de apresentação. Tem sido incrível poder ensaiar um espetáculo onde será apresentado. Não é comum. Ter boas condições de trabalho é também isto”
Quanto às Oficinas do Teatro Oficina, dedicadas a um público mais jovem, que balanço faz? Já houve apresentações?
As Oficinas do Teatro Oficina (OTO) deste ano já encerraram. Vamos ter outras turmas no próximo ano: há três níveis – as crianças, os adolescentes e os adultos. É uma formação que cruza várias idades e várias experiências. É um processo já tradicional, com vários anos, que move muita gente. Guimarães tem mesmo um particular interesse em relação à arte teatral. Deve ser das poucas cidades do país em que posso dizer isso. Tanto o teatro amador, como o teatro académico são visíveis. Temos muitos grupos em Guimarães. É preciso aproveitar todos esses fatores e sinergias para pensar o papel do teatro em Guimarães.
Surpreendeu-o essa mobilização em torno do teatro de que fala?
É sempre surpreendente ver pessoas que dedicam a sua vida ao teatro e numa escala grande. Temos mais de 10 grupos de teatro amador no município. É muito raro ver esse associativismo voltado para o teatro, pelo menos em quantidade. O que me surpreende é quanto o teatro mobiliza a população de Guimarães. A Oficina é reflexo dessa vontade da população em desenvolver não só o teatro, como a dança e a música. É uma cidade com muita vontade de cultura e de se experienciar o que se está a fazer.
Como analisa o processo de Criação Crítica, assente nas residências artísticas?
É um feedback muito importante, porque as residências têm servido para apoiar as criações e os seus artistas. Têm servido para apoiar logisticamente, porque oferecemos um espaço para habitar, para trabalhar, para descansar, uma equipa técnica e um olhar exterior. Convidamos um dramaturgista, alguém que está muito próximo, que está a tentar criar um sentido. O dramaturgista apoia o criador e diz-lhe: “Isto não percebi muito bem, mas se for dito ou feito assim talvez…”. Abre possibilidades e torna essas possibilidades coesas. O feedback dos artistas é muito bom e o programa Criação Crítica é para continuar.
Quantas residências aconteceram até agora e quantos artistas congregou?
Em 2023, recebemos 15 artistas. Estiveram concentrados no Espaço Oficina.
Que criações surgiram? Que questões abordam?
O leque é bastante variado, mas inclui vários temas sobre identidade: quem somos, o que é o feminino, o que é a nossa história, o que é ser uma pessoa trans, o que é ser mulher, o que é ser negro, quem é que somos como indivíduos e como comunidade, a influência da história, do lugar, do património.
Agrada-lhe ter um lugar como o Espaço Oficina? É diferente daqueles em que estava habituado a trabalhar?
O espaço é essencial: é onde tudo nasce, onde tudo pode ser apresentado, onde tudo pode acabar. O palco é fundamental. O Teatro Oficina ter um palco, uma black box, a possibilidade de apresentar outros parceiros é fundamental para trabalhar em ótimas condições, para termos tempo, para olharmos para as coisas in loco. Não se vai adaptar nada. O que está a sair desses ensaios já estamos a ver. Já estou a ver o espetáculo enquanto ensaio naquela black box, porque aquele vai ser o meu espaço de apresentação. Tem sido incrível poder ensaiar um espetáculo onde será apresentado. Não é comum. Ter boas condições de trabalho é também isto.
Além do Ensaio Técnico e dos programas de criação e de formação em curso, que outras propostas estão em vista até ao final do ano e em 2024?
Vai haver novos programas e programas antigos. O Teatro Oficina, bem como os parceiros, vai receber o Encontros de Novas Dramaturgias, um festival que organizo bienalmente. Começou em Lisboa, no São Luís. Depois, passou para Coimbra. A última edição foi Guimarães – A Oficina -, Viseu – Teatro Viriato – e Coimbra – Teatro Académico Gil Vicente. Em 2024, o festival vai estar muito presente em Guimarães. Penso que será um projeto transformador, que vai intensificar o trabalho que fazemos no Teatro Oficina: as noções de dramaturgia e de teatro vivo e contemporâneo. Realiza-se em março de 2024.