“Um espetáculo esmagador e irrepetível” – a abertura da CEC foi há 10 anos
A 21 de janeiro de 2012, a banda filarmónica da Sociedade Musical de Pevidém (SMP) deparou-se com um desafio que fugia à norma de quase 120 anos de história: ao invés de abrilhantarem festas e romarias, muito caras ao Minho, tinham de tocar para um Toural espraiado de gente, servindo de banda sonora para o espetáculo “Berço de uma Nação”, criado pelo grupo de teatro de rua La Fura dels Baus.
Nessa noite, com um “frio de rachar”, a principal praça de Guimarães revestiu-se com os corpos de cerca de 20 mil pessoas para um evento em que, armados em gruas, o homem (a Europa) e o cavalo – figura associada à origem etimológica da palavra Guimarães – se encontraram. O enlace teve a companhia de uma projeção de videomapping, alusiva à história do território vimaranense, o desfile de nicolinos, troando em caixas e bombos, e o som providenciado pelos 55 intérpretes da banda. A peça de abertura foi a reconhecida Fanfare for the common man (“Fanfarra para o homem comum”, em português), do norte-americano Aaron Copland. No fecho, com homem e cavalo já reunidos, os presentes foram brindados com Mumadona Dias, uma peça do compositor aveirense Carlos Marques.
“Senti uma coisa extraordinária. Passou tudo muito rápido e queríamos repetir tudo outra vez”, recorda Vasco Silva de Faria, maestro da banda filarmónica da SMP, acrescentando: “Havia muito calor humano, mas a temperatura era muito baixa. Fui um bocado mais à fresca, porque o maestro tem a tradição do fato. A banda teve de ir de preto. Veem-se músicos de sobretudo. No entanto, não senti frio nenhum. Foi um espetáculo esmagador e irrepetível”.
Foi ali que terminou o primeiro dia da Capital Europeia da Cultura, iniciativa que, em 2012, assegurou 1.300 eventos, 25 mil pessoas em palco e 1,5 milhões de espetadores ou visitantes. O Toural presenciou a cerimónia mais popular, depois da abertura protocolar decorrida no Multiusos de Guimarães, com a Fundação Orquestra Estúdio a servir de banda sonora aos discursos do primeiro-ministro de então, Pedro Passos Coelho, e do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Esse final de tarde ficou ainda marcado por "Os nossos afectos", espetáculo sobre as memórias afetivas do território vimaranense na relação com Portugal, a Europa e o Mundo, sob a direção artística do guitarrista Manuel de Oliveira.
A banda, contudo, alargou o reportório daquela noite para lá da transmissão televisiva. Cerca de meia hora antes do espetáculo propriamente dito, começou a tocar valsas e polcas de Johann Strauss I e de Johann Strauss II, ao “estilo vienense” – “era preciso aquecer o público”, justifica o maestro. No fim, um improviso de última hora: com toda aquela gente no Toural, a banda tocou o Hino de Guimarães (1907), um habitué das festas e romarias em que participa.
“Estávamos com o Toural cheio e acabámos com o hino da cidade. Na hora, falámos com o Jürgen Müller e ele achou bem”, recorda o músico. Diretor artístico dos La Fura dels Baus à época, Jürgen Müller morreu no ano passado, a 20 de fevereiro, mas a ligação Barcelona – Pevidém mantém-se viva. Ao recordar todo o processo criativo que culminou naquela apresentação, Vasco Silva de Faria mostra um pedaço de papel no qual se lê, em castelhano: “Um mega-abraço para toda a banda, Jürgen”.
Ao lembrar-se do principal motor criativo daquela noite de 21 de janeiro, este músico, que é também docente na Universidade do Minho e na Academia de Música Valentim Moreira de Sá, recorda-se de todas as conversas e da azáfama dos ensaios. Se na quarta e na quinta-feira que antecederam o espetáculo, os clarinetes, os trompetes e os saxofones ecoaram entre as paredes do edifício da Sociedade Musical de Pevidém, na sexta-feira fizeram-no em pleno Toural, reunidos com a companhia de teatro. Mas o que se pretendia um momento discreto acabou interrompido: “O último ocorreu de forma mais leve, mas teve de ser interrompido, porque houve um incêndio numa casa ao lado. Houve um certo burburinho por causa dos bombeiros”.
Apesar da tensão que pairava, chegou a hora, e a banda exibiu-se à altura, mesmo com a complexidade técnica que o momento pedia. “Dirigir uma banda ao vivo, com o som das colunas ao mesmo tempo, é difícil. A amplificação de uma banda nestes contextos é difícil. Mas não havia quem estivesse desmotivado. Estava tudo muito feliz e empenhado naquilo”, descreve.
O que trouxe 2012? Abertura para outras formas de expressão
Aquela noite esteve longe de ser o fim da banda filarmónica na CEC. Foi, ao invés, o arranque para um ano de “muito trabalho”, com oito atuações relativas ao ciclo “Cinema em Concerto”, realizado em parceria com o Cineclube, a gravação de um disco e a “habitual agenda das festas e romarias”. Concluído o percurso, ficou o trabalho com pessoas “de outros países”, que “desafiaram” a banda a expandir os horizontes musicais.
Maestro desde 2007, Vasco Silva de Faria viu, desde então, a banda vencer o Certamen Internacional de Bandas "Villa de Aranda", em Aranda de Duero, Espanha, em 2015, ano em que iniciou o concerto “Sons da Liberdade”, a propósito do 25 de Abril. Um ano depois, o coletivo participou na abertura do 25.º Guimarães Jazz. “É inédito uma banda filarmónica, um coro e uma big band a tocarem numa abertura de um festival de jazz. Estamos abertos para alargar horizontes. Não pensamos na banda como um grupo fechado apenas capaz de fazer uma coisa”, descreve.
* Atualização às 15h40: nota relativa ao espetáculo "Os nossos afectos", decorrido no Multiusos, a 21 de janeiro de 2012, o primeiro dia da Capital Europeia da Cultura