“Um treinador, quando vem para o Vitória, tem de se adaptar à estrutura”
Sócio número 4.530, António Miguel Cardoso candidatou-se pela primeira vez à presidência em 2019, num ato em que foi superado por Miguel Pinto Lisboa, e tentou de novo em 2022, dessa feita com sucesso, ao recolher 62,5% dos votos. O presidente em exercício assume que a decisão de encabeçar a Lista B foi “tomada há pouco tempo”, para continuar “um projeto a meio”. Convencido de que a estrutura do futebol precede os treinadores, o candidato diz que há muito trabalho ainda a ser feito na “cultura de vitória” para superar algum “embandeirar em arco” que parece assolar o futebol vitoriano em momentos cruciais.
Anunciou a recandidatura em 15 de janeiro. Era uma decisão tomada há muito tempo?
Foi uma decisão tomada há pouco tempo. Foi algo que esteve na minha cabeça durante estes três anos. Sempre soube que tomaria a decisão de recandidatura em cima [das eleições] e se se justificasse. Era algo de que não tinha a certeza. Queria também falar com a minha família. Queria também falar com toda a administração e direção, e perceber internamente, dentro de mim, se valia a pena. Sim! Estamos a meio de um projeto. Por isso, achei que faria sentido recandidatar-me.
Passados três anos da sua primeira eleição como presidente, o Vitória é um clube melhor?
O facto de termos eleições faz com que também se faça uma autoavaliação. Olhando ao Vitória de há três anos e ao Vitória de hoje, não tenho dúvidas absolutamente nenhumas de que é um clube que cresceu bastante em todas as áreas. Por isso, o Vitória que existe hoje em dia, a nível desportivo, a nível financeiro, a nível das modalidades, a nível de futebol de formação, a nível de organização interna. No caso de perdermos as eleições, entregaremos um Vitória muito melhor do que era há três anos.
A equipa principal de futebol apresentou uma trajetória crescente na Primeira Liga entre 2021/22 e 2023/24, época em que alcançou a melhor pontuação de sempre. Na presente época, marcada por muitos pontos perdidos nos instantes finais, será muito difícil repetir o registo. Vê algum travão na trajetória ascendente do futebol ou os piores resultados no campeonato são fruto das circunstâncias?
Mesmo na entrada que tivemos em março de 2022, ainda com o Pepa, encontrámos uma série de resistências e alguma falta de motivação. Basta ver a média de pontos até entrarmos e a média de pontos a partir do momento que entrámos e que coincide com a qualificação europeia. Já há muito dedo desta administração nesse sucesso. A partir daí, temos o ano com o Moreno que também é um ano de crescimento em relação à época anterior. Tivemos uma política bem clara quanto à parte desportiva. No ano passado, voltámos a evoluir, e bem, com recorde de pontos e qualificação europeia. Neste ano, continuamos numa perspetiva de crescimento. Basta ver a campanha europeia. Estamos nos oitavos de final e queremos continuar. No campeonato, as coisas não estão a correr como estávamos à espera, mas ainda há muito caminho. Estamos numa ótica de crescimento. Não podemos, sempre que temos um momento mau, achar que está tudo mal. Não podemos, nos momentos bons, achar que está tudo bem. Temos uma estrutura forte. A academia do Vitória é hoje profissional e trabalha o alto rendimento. Estamos a contratar bem. Sabíamos que era preciso vender para que o clube se restruturasse. Passámos três anos sem receitas televisivas. Nestes três anos que supostamente seriam uma catástrofe, o Vitória passou-os a crescer e a dar expetativas. Os sócios querem mais, o que é normal, mas não se podem esquecer do que passámos nestes três anos. Estamos numa fase menos boa, mas vamos dar a volta.
“Mesmo na entrada que tivemos em março de 2022, ainda com o Pepa, encontrámos uma série de resistências e alguma falta de motivação. Basta ver a média de pontos até entrarmos e a média de pontos a partir do momento que entrámos, o que coincide com a qualificação europeia”
Por outro lado, o Vitória alcançou três apuramentos seguidos para a Liga Conferência. Nesta época, o clube está a rubricar pelo menos a segunda melhor prestação europeia de sempre, somente atrás do que fez em 1986/87. O falhanço de 2023/24, com o Celje, obrigou o Vitória a mudar a forma como encara os jogos europeus, levando a este desempenho?
Quando estamos a falar de uma administração que está cá há três anos, que conseguiu três qualificações consecutivas para a Europa, que teve um recorde de pontos, que tem, neste ano, uma das maiores campanhas europeias de sempre, ainda pendente, alguma coisa tem de estar bem. As derrotas fazem parte do crescimento. Individualmente, de cada vez que temos uma derrota, eu vejo sempre uma forma de crescer, de encontrar oportunidades, de trabalhar mais para que as coisas possam evoluir. A derrota no ano passado com o Celje foi má, mas foi boa noutros sentidos. Claro que a derrota neste ano com o Elvas foi má, mas tem de ser boa noutros sentidos. O que se está a fazer no Vitória é uma política de cultura de vitória, de cultura de competitividade. Temos trabalhado muito e temos de aprender com o que corre menos bem. É desporto. Não se pode ganhar sempre. Quando as coisas correm mal, temos de as receber por forma a poder evoluir.
Já referiu que o Vitória precisa de mais humildade competitiva para não falhar em momentos cruciais. É sempre algo que parece atormentar o rendimento do clube. Que caminho há a percorrer para o Vitória falhar menos?
Estamos a falar de recordes, das melhores campanhas europeias e, com certeza, de mais títulos para o Vitória num futuro a médio prazo. Tudo isso está dependente de estratégia para o clube e cultura de desporto, com mentalidade competitiva: não embandeirarmos em arco, não acharmos que somos os maiores quando ganhamos, capacidade de lutar contra as adversidades, capacidade de respeitar os nossos adversários, com uma mentalidade não de ter medo, mas de ambição de ganhar a todos. É isso que se está a criar no Vitória. Se isso é um dos pilares da nossa administração? De caras. Mesmo na formação, o trabalho mostra que estamos nas fases finais de apuramento de campeão dos sub-19, dos sub-17, dos sub-15. Mesmo na equipa B, temos jovens atletas quase todos da formação. As provas estão a ser dadas. Isso parte muito do que é a cultura do clube. Acompanho o Vitória desde que nasci. No passado, em muitos momentos, essa cultura não esteve lá. Temos momentos em que temos soberba, em que achamos que somos superiores aos outros, em que temos excesso de vaidade. Tudo isso faz com que, no momento de ganhar, as coisas não aconteçam. Estamos a trabalhar nessa humildade competitiva.
“Em relação a falharmos nos momentos certos? Concordo. Há 100 anos. Desde que me lembro de ver o Vitória, existe sempre um momento em que quebramos. Estamos a fazer com que a cultura do clube mude para, nesses momentos, sermos cada vez mais fortes”
O que faltou para o Vitória se destacar nas taças, conseguindo eventualmente uma final no mandato que está a terminar? A derrota com o Elvas é um exemplo claro de uma falha em momentos cruciais?
Conseguimos ir às meias-finais [em 2023/24]. Não associo a derrota com o Elvas ao despedimento do treinador. É mais um fator, mas não foi por isso que as coisas aconteceram. Há pilares na estrutura do Vitória, e um treinador, antes de ser contratado, recebe as informações todas. Eles têm de seguir esse caminho. Se as coisas não estão bem, temos de tomar decisões. Em relação a falharmos nos momentos certos? Concordo. Há 100 anos. Desde que me lembro de ver o Vitória, existe sempre um momento em que quebramos. Estamos a fazer com que a cultura do clube mude para, nesses momentos, sermos cada vez mais fortes. Já conquistámos muita coisa, mas queremos conquistar muito mais. Os sócios merecem, a cidade merece, o clube merece.
O seu concorrente nas eleições, Luís Cirilo, tem criticado as inúmeras trocas de jogadores, treinadores e dirigentes. Como analisa essa crítica, nomeadamente no que respeita a treinadores?
Todos temos diferentes perspetivas sobre o desporto e o alto rendimento. Dentro do Vitória, desde o início, e falando até em concreto, esta administração teve de fazer acordos de despedimento com dois treinadores: Paulo Turra e Daniel Sousa. Foram os únicos dois treinadores em que as coisas não estavam a correr como queríamos. Nos momentos da contratação, foram acauteladas determinadas áreas, determinados pilares da relação entre administração, treinador, staff e demais áreas. Esses pilares quebraram-se e não havia outra hipótese senão tomar esta decisão. Ou temos um perfil em que, sabendo que as coisas não estão bem, deixam ficar, porque têm orgulho ou estão mais preocupadas com a paz social, e depois as épocas desportivas correm mal. Ou temos o perfil de alguém que, percebendo que as coisas não estão bem, toma a decisão e acredita que é preciso rapidamente remodelar e requalificar, porque há coisas em risco. Quando falamos de plantel, falamos de estrutura, de performance, de ginásio, da área médicas. Um treinador, quando vem para o Vitória, tem de se adaptar à estrutura. Não podemos ter treinadores que chegam ao Vitória e, de repente, querem mudar tudo. Isso já aconteceu no passado. Neste momento, não acontece. Temos uma estrutura que se adapta ao treinador, mas com limites.
Sempre que escolhe treinadores, há um perfil tipo que procura para o Vitória ou procura treinadores com diferentes características consoante o momento? Por exemplo, nesta época, o Vitória contou com Rui Borges, Daniel Sousa e agora Luís Freire. São treinadores com perfis semelhantes? Ou aquilo que o Vitória precisava no início da época, com Rui Borges, é diferente do que precisa agora, com Luís Freire?
Existem perfis que são importantes. Há de se encontrar algum paralelismo. Antes de os encontrar há áreas que, para nós, são importantes. Isso cabe sobretudo analisar pelas pessoas que estão de fora. Há informação que não posso passar para ficar ao dispor dos nossos competidores.