“O meu maior prazer é encontrar uma fotografia pela primeira vez”
Nuno Saavedra mostra no telemóvel uma fotografia pouco conhecida. É de um jogo entre Vitória SC e Leixões e data do início dos anos 60. Retrata um jogador caído dentro da baliza – ao que tudo indica um guarda-redes. Informou-se e percebeu que se tratava do “célebre” livre de Caiçara, o brasileiro que rematava tão forte que chegava a lesionar quem se atravessasse no caminho da bola. A fotografia é o resultado de mais uma “escavação” do vimaranense que dá a ver Guimarães na fototeca que pode ser consultada online.
O blogue – que pode ser acedido em gmrvisual.blogspot.com – conta já com mais de 3000 entradas. Ou seja, milhares de imagens – Nuno estima que sejam mais de 40 000 – que ajudam a contar Guimarães: memórias, marcos históricos, património. Uma a uma, de fotografia em fotografia, podemos saltar de um momento histórico para o outro (ou simplesmente procurar pessoas, freguesias, monumentos). Nasce praticamente tudo de um trabalho de pesquisa em arquivos e espólios – e com a ajuda de muitos amigos. “Os arquivos são dinâmicos, estão sempre a entrar coisas novas. É preciso andar atento”, indica o administrador da Fototeca de Guimarães.
Quase arqueologia digital, o trabalho de descoberta e investigação do vimaranense de 45 anos tem dado oportunidade a muita gente de se encontrar com a História patente nas fotografias. Há imagens do século XIX, por exemplo, que Nuno encontrou no arquivo de Carlos Relvas – um um dos fotógrafos amadores mais reconhecidos na história da fotografia portuguesa – ou da expedição do húngaro Nicolás Muller pela cidade berço. Nuno estava atento, sabia que estas fotografias existiam, mas só foram disponibilizadas este ano pelo Archivo Regional de Madrid.
“As primeiras fotografias que eu descobri que eram assim uma coisa diferente foram umas da Bild, uma revista alemã, e na altura elas ainda estavam em microfilme. Apareceram pela primeira vez quando ainda não tinha o blogue, publiquei no Facebook e quando estava a preparar o site fui lá e já estavam em modo de fotografia com alta resolução”, explica.
“Nuno, podemos ir tomar um café?”
Nuno trabalha na área da cerâmica. O mundo da argila e dos granitos cruza-se com a história a partir do pai. “Trabalho há 25 anos com a cerâmica em Barcelos. Não há nada que ligue isso ao blogue. O meu pai era professor, lecionou muitos anos e chegou a lecionar História, e eu sempre tive contacto. Por isso, acabou por ser algo natural. Adoro andar à procura, a pesquisar”, explica. Aliás, o ato de publicar até é secundário. “O meu maior prazer é encontrar uma fotografia pela primeira vez”, sintetiza.
Tem encontrado muitas. O blogue foi sendo trabalhado e foi colocado à disposição de todos quando atingiu as 1128 publicações – o número não foi escolhido ao acaso. Mas o primeiro passo nem foi dado por Nuno Saavedra. O vimaranense já publicava fotografias na rede social Facebook, mas um dia recebeu uma chamada: “Nuno, podemos ir tomar um café?”. Do outro lado estava o professor e historiador António Amaro das Neves. Encontraram-se no Café Milenário “há coisa de quatro anos”.
“[O professor Amaro das Neves] via-me a publicar coisas e insistia comigo, dizia que tinha de criar uma fototeca para Guimarães. Disse-me que tinha que lhe dar um endereço de e-mail para me enviar umas coisas que tinha lá em casa”, resume. Passadas duas semanas, chegavam os dados do blogue. A mensagem era simples: “Agora, alimenta-o”. E é o que Nuno tem vindo a fazer. “Tento filtrar o que coloco. Uma pessoa quando vai à procura não consegue parar”. Entre as “descobertas” está, por exemplo, o projeto do arquiteto russo Ludwig Bohnsted de 1868 para a Basílica de São Torcato, encontrado na biblioteca de imagens Deutsche Fotothek.
E não se pense que este trabalho de catalogação e preservação é impessoal e fica remetido somente aos motores de busca, bases de dados e espólios digitais. “Vai-se conhecendo outras pessoas, é dinâmico. Fui criando muitos amigos, porque se não publicava nunca tinha conhecido essas pessoas”. Um deles é José Abílio Coelho, historiador de Póvoa de Lanhoso, que cedeu algumas fotografias recentes na Fototeca de Guimarães das Festas Gualterianas que datam de 1950.
“Sei que ainda há muita coisa”
Com o passar dos meses, o vimaranense que também faz parte da MURALHA - Associação de Guimarães para a defesa do Património diz já ter encontrado uma rotina de publicações e para não perder o fio à meada nas pesquisas deixa sempre “um rabo de palha em cada sítio” que visita – “Ainda há umas coisas para tratar, como ao nível da História postal”, pontua. Planeia continuar a mostrar Guimarães, uma imagem de cada vez, “enquanto aparecer material”.
“Só que já dizia há um ano que não sabia se apareceria mais. Sei que ainda há muita coisa, faço pesquisas no Centro Português de Fotografia e nem sequer um quarto do material adjacente a Guimarães está disponível. O mesmo se passa no Arquivo de Lisboa, por aí fora. Eu tenho a certeza que vão aparecer, mas não sei se mantenho o ritmo”, explica.
“No meio disto tudo”, há situações que dão alento “e muito prazer” a Nuno, porque são garantia que está a “fazer bem” o seu “trabalho”. Exemplifica: “ Já publiquei o Artur Pastor e o filho republicou a partir do meu blogue. O Centro Português de Fotografia também já partilhou. É sinal que estou a fazer as coisas bem e a respeitar as fontes”.