“Unidade” sueca a abrir festival que rompe com uma “forma de circo”
A sétima edição do Vaudeville Rendez-Vous está já em curso, mas os movimentos que darão corpo ao primeiro espetáculo do festival de artes do circo só poderão ser apreciados a partir das 21h00. Em estreia absoluta, Váld promete alimentar-se da “natureza simbiótica da floresta”, com “as suas raízes entrelaçadas”, para “criar uma nova forma de equilíbrio”, lê-se na apresentação disponível na página do Teatro da Didascália, entidade responsável pela programação artística.
Nesta obra, o coletivo sueco Right Way Down, formado por seis equilibristas - Sunniva Byvard, Imogen Huzel, Mathew Pasquet, Mikael Kristiansen, Lisa Angberg, Isak Arvidsson -, promete transformar o foco individual numa “entidade que prospera em unidade”, desconstruindo a “técnica convencional de pinos”. A distorção de alguns dos movimentos habitualmente associados ao circo é precisamente um dos objetivos do festival criado em 2014, realça ao Jornal de Guimarães o diretor artístico, Bruno Martins. “O que tem norteado a nossa ação é a programação de projetos que rompam com uma certa forma de fazer circo ou de pensar o que é o circo. Temos projetos que rompem com alguns estereótipos”, observa o diretor do Teatro da Didascália, coletivo que fundou em 2008, em Joane (concelho de Famalicão).
O número inaugural do Vaudeville, iniciativa que abrange todo o Quadrilátero Urbano, encerra um dia em que o monumento vimaranense servirá também de cenário para a apresentação, às 15h00, do Circuslink, projeto vocacionado para a cooperação com outros festivais de circo na Europa.
Entre os 12 espetáculos que compõem a edição de 2021, há mais três com a primeira apresentação no Monte Latito: Là-Bas, da companhia francesa Trouble Champêtres (18h00 de quinta-feira), Copyleft, do criador francês Nicanor de Élia (21h00 de quinta-feira), e Rizoma, de Rita Carmo Martins (18h00 de sexta-feira). E haverá ainda tempo para outros três números: Random, de Joel Martí & Pablo Molina (21h00 de sexta-feira), Roll with it, de Dulce Duca (11h00 de sábado) e 3D, do coletivo francês H.M.G (18h00 de sábado).
Nesta última performance, Jonathan Guichard vai também desafiar as fronteiras do circo, graças a um arco de tamanho humano que resulta de uma prancha de madeira dobrada por um fio de aço; é um novo aparelho no qual o criador e acrobata irá jogar com o corpo e com os sons. “É um arco com um cabo em alta tensão de uma ponta a outra. Este aparelho criado pelo Jonathan permite uma relação não só física, mas também musical e sonora com o objeto”, descreve Bruno Martins.
O Paço dos Duques é assim elemento central na programação deste Vaudeville. O diretor artístico do Teatro da Didascália recusa, porém, que a sétima edição privilegie Guimarães em relação a Famalicão, município de origem do festival, a Braga e a Barcelos, lembrando que a cidade-berço já não acolhia o primeiro espetáculo desde 2016, ano em que a programação se alargou ao Quadrilátero. Ainda assim, Bruno Martins enalteceu o acompanhamento “bastante generoso” do público vimaranense, com espetáculos “muito bem recebidos” ao longo dos anos.
O artista salienta ainda dois eixos que o Vaudeville está a aprofundar, mesmo num contexto ainda ensombrado pela pandemia: a pluralidade de linguagens do programa e a relação com o espaço público. “Temos trabalhado projetos que se possam relacionar com o espaço público e que possam inventar aparelhos novos de circo”, disse.
Oficinas de criação democráticas e “multiculturais”
Por entre os espetáculos, o Vaudeville Rendez-Vous procura alimentar a relação com profissionais das artes e com o público em geral. Neste ano, há duas masterclass para artistas – Corpo, Aparelho e Som: o caso 3D, em Braga, às 15h00 de quinta-feira, e Circo Contemporâneo e Espaço Público, em Famalicão, às 15h00 de sábado -, uma sessão de pitching, às 10h30 de sexta-feira, também em Famalicão, e um workshop de skate, em Barcelos, nas tardes de terça, quarta e quinta-feira.
A principal novidade, contudo, é a abertura de oficinas de criação para o público nas quatro cidades. Em Guimarães, essa oficina arrancou na segunda-feira e tem a apresentação final marcada para quinta, à tarde. “A ideia foi criar uma outra resposta a um público com vontade de aprender mais e de ter uma experiência mais profunda”, explica Vera Santos, responsável pela mediação do Teatro da Didascália de há dois anos a esta parte. “Estas oficinas de criação são feitas com este sentido e pressupõem uma apresentação final. As pessoas trabalham com o objetivo de aprender, mas também de produzir algo”.
Essas apresentações não têm necessariamente de respeitar a técnicas de circo; numa fase em que a arte transpõe fronteiras para abraçar a música, a dança e o teatro, com o aprofundamento da dramaturgia e o uso da luz, por exemplo, os inscritos têm larga margem para usar o espaço público como mais convier ao seu propósito artístico. Os artistas com quem o público trabalha, formados em malabarismo, mas também em dança ou música, já mostram essa abertura de horizontes – no caso de Guimarães, a oficina está ao cuidado da dupla Ariana Silva & Clara Alvim.
Apesar dos vários cancelamentos de última hora, face à situação pandémica, as oficinas deste ano receberam para já 40 pessoas, dos seis aos 88 anos. Essa transversalidade etária reflete a essência democrática e “multicultural” dessas oficinas, realça Vera Santos. “Estamos abertos a cada pessoa que queria participar. E os artistas têm experiência em trabalhar com múltiplas condicionantes”, reitera.